Belarmino Van-Dúnem*
In: Jornal de Angola (2008-04-10)
A cimeira Europa/África que decorreu em Lisboa, Dezembro de 2007, mostrou que os Chefes de Estado e de Governo dos dois lados, Europa e África, não estavam ali para meias palavras.
O objectivo principal era o de encontrar um mecanismo legal que permitisse a continuidade das relações multilaterais entre os Estados europeus e o continente africano, consubstanciados nas duas organizações que congregam a maior parte dos Estados da Europa Ocidental e de África, nomeadamente a União Europeia e a União Africana.
As relações económicas entre as duas organizações estavam fora da conjuntura actual, segundo os europeus. Os Acordos de Cotonu, como referência das relações comerciais, já não faziam sentido porque é necessário uma parceria em vez de ajuda para o desenvolvimento.
A cooperação entre os países ACP (África, Caraíbas e Pacífico) e a União Europeia começou com a assinatura da Convenção de Yaoundé, Camarões, em 1964 e prosseguiu por mais quatro convenções de Lomé. A última caducou em Fevereiro de 2000.
Até a esta data, os acordos eram preferenciais, não recíprocos a nível comercial. Os Estados africanos tinham a prerrogativa de colocar os seus produtos transformados no mercado europeu sem preocupações tarifárias (nunca aconteceu).
Decorridos mais de meio século, os Estados africanos só colocaram na Europa matéria-prima. Por outro lado, a ajuda para o desenvolvimento não teve qualquer impacto. Pelo contrário, alguns estados foram obrigados a implementar programas que ajudaram a afundar mais a economia, como foi o caso dos Programas de Ajustamento Estrutural liderados pelo FMI.
Como houve ajuda sem desenvolvimento e a nova conjuntura internacional não é a mesma desde o fim da guerra-fria, claro: a culpa é sempre da “globalização”. A União Europeia decidiu que era necessário um novo cenário para as relações Europa/África e a nova parceria foi assinada em Cotonu no dia 23 de Junho de 2000.
Os acordos têm cinco princípios gerais: Dimensão política global; Promoção de abordagens participativas; Estratégias de desenvolvimento e concentração no objectivo de redução da pobreza; Estabelecimento de um novo quadro de cooperação económica e comercial e Reforma da cooperação financeira. Estes são os princípios que dão os pressupostos para os famosos Acordos de Parceria Económica (EPA) que constituem objecto de discussão a nível do comércio Europa/África.
Os africanos têm argumentado que, durante os anos de ajuda que o Ocidente prestou ao continente, não tiveram qualquer impacto estrutural. A África participa no comércio mundial com cerca de 4% das importações e 3% das importações.
Tudo o que é exportado acaba por voltar para o continente em forma de produtos acabados ou transformados, por conseguinte mais valorizado. O comércio intra-africano é apenas de 10% e, se retirarmos a fatia das exportações da África do Sul e dos países exportadores de petróleo, pode-se afirmar que não existem trocas comerciais entre os Estados africanos. Com excepção da África do Sul, os Estados africanos não têm vantagens competitivas (falta de quadros qualificados ou mal aproveitados, inexistência de tecnologia, falta de indústria transformadora, analfabetismo e disfunção burocrática.
O PIB do continente africano subiu para 5,8 em 2007, contra os 5,7 em 2006, tudo devido à grande subida dos preços dos produtos de base a nível mundial, com particular incidência para o preço do barril do petróleo. Mas também é verdade que houve melhorias a nível da estabilidade política e macro-económica, aumento do fluxo de capitais, redução da dívida de alguns estados e bom desempenho em sectores não-petrolíferos como a agricultura e o turismo.
A UE quer reciprocidade no comércio porque as regras da OMC assim o exigem. Mas os Chefes de Estado e de Governo de África não aceitaram. Alguns levantaram a voz, outros preferiram o silêncio.
O Presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, foi o mais crítico, afirmando que a Europa quer submeter o continente na dependência eterna e que o seu país não assinava o acordo, o mesmo tom teve o Presidente da Líbia.
Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, foi pragmático e directo: “esta é uma política com África e não para África”. Os APE são necessários para a existência de uma base legal de cooperação entre os povos de África e da Europa, razão suficiente para os estados que dependem das ajudas para o seu funcionamento e existência pensarem duas vezes antes de negar a assinatura.
Actualmente, o cenário é desolador para os africanos. As organizações económicas regionais ficaram desagregadas e o processo de integração regional está comprometido.
Na África Ocidental, o Ghana, a Cote d’Ivoire e os Camarões concluíram acordos interinos; na África Austral, a razia da UE foi maior porque o Lesotho, Swazilândia, Botswana, Moçambique e a Namíbia rubricaram acordos transitórios, a África do Sul mantém o seu acordo preferencial.
Angola não assinou nenhum acordo e o Zimbabwe, Ilhas Maurícias, Madagáscar, Zâmbia e, surpreendentemente, a Tanzânia desertaram da SADC e assinaram acordos transitórios em nome da Comunidade da África do Leste (CAE).
O continente africano está numa situação de “salve-se quem poder”. Os APE não são para a África, mas com África.
E agora?
*Professor universitário e analista de política internacional
In: Jornal de Angola (2008-04-10)
A cimeira Europa/África que decorreu em Lisboa, Dezembro de 2007, mostrou que os Chefes de Estado e de Governo dos dois lados, Europa e África, não estavam ali para meias palavras.
O objectivo principal era o de encontrar um mecanismo legal que permitisse a continuidade das relações multilaterais entre os Estados europeus e o continente africano, consubstanciados nas duas organizações que congregam a maior parte dos Estados da Europa Ocidental e de África, nomeadamente a União Europeia e a União Africana.
As relações económicas entre as duas organizações estavam fora da conjuntura actual, segundo os europeus. Os Acordos de Cotonu, como referência das relações comerciais, já não faziam sentido porque é necessário uma parceria em vez de ajuda para o desenvolvimento.
A cooperação entre os países ACP (África, Caraíbas e Pacífico) e a União Europeia começou com a assinatura da Convenção de Yaoundé, Camarões, em 1964 e prosseguiu por mais quatro convenções de Lomé. A última caducou em Fevereiro de 2000.
Até a esta data, os acordos eram preferenciais, não recíprocos a nível comercial. Os Estados africanos tinham a prerrogativa de colocar os seus produtos transformados no mercado europeu sem preocupações tarifárias (nunca aconteceu).
Decorridos mais de meio século, os Estados africanos só colocaram na Europa matéria-prima. Por outro lado, a ajuda para o desenvolvimento não teve qualquer impacto. Pelo contrário, alguns estados foram obrigados a implementar programas que ajudaram a afundar mais a economia, como foi o caso dos Programas de Ajustamento Estrutural liderados pelo FMI.
Como houve ajuda sem desenvolvimento e a nova conjuntura internacional não é a mesma desde o fim da guerra-fria, claro: a culpa é sempre da “globalização”. A União Europeia decidiu que era necessário um novo cenário para as relações Europa/África e a nova parceria foi assinada em Cotonu no dia 23 de Junho de 2000.
Os acordos têm cinco princípios gerais: Dimensão política global; Promoção de abordagens participativas; Estratégias de desenvolvimento e concentração no objectivo de redução da pobreza; Estabelecimento de um novo quadro de cooperação económica e comercial e Reforma da cooperação financeira. Estes são os princípios que dão os pressupostos para os famosos Acordos de Parceria Económica (EPA) que constituem objecto de discussão a nível do comércio Europa/África.
Os africanos têm argumentado que, durante os anos de ajuda que o Ocidente prestou ao continente, não tiveram qualquer impacto estrutural. A África participa no comércio mundial com cerca de 4% das importações e 3% das importações.
Tudo o que é exportado acaba por voltar para o continente em forma de produtos acabados ou transformados, por conseguinte mais valorizado. O comércio intra-africano é apenas de 10% e, se retirarmos a fatia das exportações da África do Sul e dos países exportadores de petróleo, pode-se afirmar que não existem trocas comerciais entre os Estados africanos. Com excepção da África do Sul, os Estados africanos não têm vantagens competitivas (falta de quadros qualificados ou mal aproveitados, inexistência de tecnologia, falta de indústria transformadora, analfabetismo e disfunção burocrática.
O PIB do continente africano subiu para 5,8 em 2007, contra os 5,7 em 2006, tudo devido à grande subida dos preços dos produtos de base a nível mundial, com particular incidência para o preço do barril do petróleo. Mas também é verdade que houve melhorias a nível da estabilidade política e macro-económica, aumento do fluxo de capitais, redução da dívida de alguns estados e bom desempenho em sectores não-petrolíferos como a agricultura e o turismo.
A UE quer reciprocidade no comércio porque as regras da OMC assim o exigem. Mas os Chefes de Estado e de Governo de África não aceitaram. Alguns levantaram a voz, outros preferiram o silêncio.
O Presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, foi o mais crítico, afirmando que a Europa quer submeter o continente na dependência eterna e que o seu país não assinava o acordo, o mesmo tom teve o Presidente da Líbia.
Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, foi pragmático e directo: “esta é uma política com África e não para África”. Os APE são necessários para a existência de uma base legal de cooperação entre os povos de África e da Europa, razão suficiente para os estados que dependem das ajudas para o seu funcionamento e existência pensarem duas vezes antes de negar a assinatura.
Actualmente, o cenário é desolador para os africanos. As organizações económicas regionais ficaram desagregadas e o processo de integração regional está comprometido.
Na África Ocidental, o Ghana, a Cote d’Ivoire e os Camarões concluíram acordos interinos; na África Austral, a razia da UE foi maior porque o Lesotho, Swazilândia, Botswana, Moçambique e a Namíbia rubricaram acordos transitórios, a África do Sul mantém o seu acordo preferencial.
Angola não assinou nenhum acordo e o Zimbabwe, Ilhas Maurícias, Madagáscar, Zâmbia e, surpreendentemente, a Tanzânia desertaram da SADC e assinaram acordos transitórios em nome da Comunidade da África do Leste (CAE).
O continente africano está numa situação de “salve-se quem poder”. Os APE não são para a África, mas com África.
E agora?
*Professor universitário e analista de política internacional
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