Os últimos acontecimentos na Guiné-Bissau deixaram tudo e
todos com o sentimento de que aquele país não terá viabilidade enquanto se
manter o actual sistema de relacionamento do poder político com Forças Armadas.
Os militares vão passando despercebidos até que tomem a decisão de pôr fim a
qualquer governo legitimamente instituído. Mas o que agrava a situação é o
facto dos mentores desses golpes constantes contra a República ficarem
incólumes e como se não bastasse, recebem incentivos com promoções e
notoriedade internacional.
A história tem vindo a se repetir: Nino Vieira foi o primeiro a perpetrar um
golpe militar e manteve-se como Presidente da República; Ansumane Mané, também
primou pela mesma via, tendo se afirmando como Comandante em Chefe, cargo
constitucionalmente reservado ao Presidente da República. Acabou por ser morto
em combate contra as suas próprias tropas; Kumba Yala, sofreu um golpe de
Estado branco, os militares deslocaram-se até a residência do Presidente e
convidaram-lhe a deixar o poder, solicitação que foi acatada sem resistência.
Os golpes palacianos descem até as casernas, os Chefes do Estado-Maior da
Guiné-Bissau não tem tido sorte diferente, volta e meia colegas de caserna
acabam por colocar fim a vida de quem está a frente das Forças Armadas.
A comunidade internacional sempre acompanhou a situação na Guiné-Bissau, houve
condenações, por várias ocasiões ameaçou suspender o país da organizações
internacionais de que é parte, a CEDEAO ensaiou um intervenção em 1998, com o
Senegal a liderar a ECOMOG (Braço Armado da CEDEAO), mas a operação foi mal
sucedida.
O fracasso da missão de 1998 na Guiné-Bissau fez a mística das Forças Armadas
guineenses. Há uma espécie de mito no seio dos militares guineenses que acham
que são invencíveis e que devem controlar o poder político legalmente
instituído, por esta razão, sempre que as chefias militares vêem o seu poder de
influencia em causa, seja particular ou do colectivo militar, a primeira
atitude é pôr fim ao poder político legitimamente instituído. Então a decisão
das urnas é esquecida em nome dos militares.
Desta vez os militares foram ao extremo ao sugerir um Governo de Transição
composto por partidos sem representatividade parlamentar.
Nino Vieira foi o único que manteve-se no poder na sequência
do golpe de Estado de 1980. Naquela altura a conjuntura nacional e
internacional era outra, os conceitos de soberania e de não ingerência nos
assuntos internos dos Estados eram venerados. Mas actualmente é impensável o
que os militares guineenses propuseram no suposto Acordo com os partidos da
oposição: um governo de transição que irá governar a Guiné-Bissau por dois
anos. Findo os quais, o poder seria entregue aos civis através de eleições
simultâneas, presidenciais e legislativas.
O Acordo assinado entre o Comando Militar e os Partidos Políticos da oposição afirma
no artigo I o seguinte:"1- O Comando Militar declara inequivocamente a
transferência do poder aos civis.
2 - O Comando Militar, voluntariamente e após a tomada de posse do poder civil
instituído, nomeadamente o Presidente da República de Transição e o Conselho
Nacional de Transição e o Governo de Transição, regressará as casernas com espírito
de submissão ao poder político".
É uma espécie de legitimação do golpe a moda antiga, o Acordo afirma que só
será respeitado o poder judicial e o militar, sublinha ainda que os Partidos
signatários acordaram em manter a Chefia Militar vigente. Este ponto é
claramente despropositado porque todos nós sabemos que o contrário não era
possível, ou seja, destituir o Chefe do Estado-Maior por desrespeito a
Constituição da República e traição a pátria.
A Comunidade Internacional está a perder terreno e as divisões já se fazem
sentir. A CEDEAO parece dar a sua bênção ao Governo de Transição porque foi
depois da visita da delegação daquela organização à Bissau que o Comando
Militar anunciou a intenção de negociar com os partidos da oposição a via para
consolidar o Golpe de Estado.
Por outro lado, enquanto a União Africana suspendeu a
Guiné-Bissau de todas as actividades da organização, não se compreende como é
que a CEDEAO convidou o Comando Militar para participar na cimeira
extraordinária, tendo a delegação guineense viajado num avião da Costa do
Marfim que se deslocou a propósito para Bissau.
Nada garante que desta vez os militares vão voltar para as casernas e que irão
respeitar o poder político democraticamente eleito. Por está razão não se
compreende a complacência da CEDEAO com relação ao Comando Militar.
Há necessidade da comunidade internacional ajudar a Guiné-Bissau e os
Guineenses a encontrar a paz política e democrática definitivamente. Caso o
Comando Militar consiga efectivar a instituição de um Governo de Transição haverá
um precedente gravíssimo no continente africano. Por isso corroboro plenamente
com o posicionamento de CPLP, pondo a possibilidade de uma intervenção militar.
Esta é uma acção que há muito tempo se espera da CPLP, as chefias militares teriam
que ser submetidas ao poder político para que compreendam de uma vez por todas
que Golpes de Estado já não fazem parte da paisagem política do mundo moderno.
A novidade é o facto da CEDEAO ter manifestado a sua
prontidão para enviar um contingente de 638 efectivos composto por militares da
Nigéria, Costa do Marfim, Senegal e do Burquina-Faso. Só não está claro se essa
força irá obrigar o Comando Militar a repor a legalidade constitucional
incondicionalmente. Para além disso, porquê que só agora a CEDEAO tem essa
disponibilidade quando há anos se solicita o envolvimento daquela comunidade
económica regional. È essa falta de convergência de estratégias para a
resolução dos problemas que faz de África um continente onde o caos vai
reinando em certos países; Coisas de África!