O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO EM ÁFRICA:
O INTERGOVERNAMENTALISMO PARA O FUNCIONALISMO
Por: Belarmino Van-Dúnem
O processo de integração regional em África está numa fase decisiva do ponto de vista político, mas no que concerne aos aspectos técnicos e económicos ainda existe um longo caminho a percorrer.
A ideia de uma África unida é antiga, desde os Panafricanistas cujo objectivo era a solidariedade e unidade africana através de um projecto de desenvolvimento económico e social que permitisse a reconquista dos recursos do continente e as capacidades humanas para o bem-estar das suas populações. A solidariedade apregoada desde os anos 50 teve um grande impacte na luta contra a escravatura e passou, mais tarde, na junção de esforços para libertação contra o jugo colonial, atingindo o auge através da criação da OUA, actual União Africana.
Os pioneiros do panafricanismo do séc. XIX, princípios do Séc. XX tal como William Edward Burghardt Du Bois, Marcus Garvei, Henry Sylvester Wllliam e Kwame Nkrumah (único africano nativo) tinham ideias dogmáticas, desfasadas da realidade corrente e dos objectivos tangíveis que cada um dos povos no interior dos territórios colonizados preconizava. Porque se existia consenso sobre a necessidade de libertar os povos africanos e se evoluir para à igualdade de direitos, independentemente da raça, cor, origem ou credo religioso, o mesmo não se pode dizer da possibilidade dos africanos coabitarem numa nação política continental.
O panafricanismo dos africanos nativos afasta-se do idealismo utópico dos precursores afro-americanos e do Caribe. Em África houve contornos revisionistas, ou seja, a maior parte dos precursores não reclama uma igualdade de direitos de cidadania, mas a emancipação dos povos africanos, a autodeterminação, enfim, a independência dos nativos e dos territórios do continente. Portanto, o panafricanismo em África transformou-se em luta anti-colonial, em nacionalismo ao contrário do que acontecia com os afro-americanos que reclamavam inclusão e igualdade de tratamento.
Há uma evolução política/ideológica na passagem do panafricanismo dos afro-americanos para o continente africano propriamente dito. No continente africano, numa primeira fase, existiram pretensões federalistas, tais como o movimento panafricanista de Namdi Azikiwe que criou “o Concelho Nacional da Nigéria e dos Camarões” (NCNC), posso também citar o modelo do “Convention People Party” dirigida por Nkrumah, que embora estevesse limitado ao Gana, se inscreveu com o status de uma realização imperiosa para “criação de uma federação do Oeste africano”, a primeira etapa da via para o panafricanismo (Zerbo 2004:16). Mas posso acrescentar ainda, o Movimento panafricano para a Libertação da África do Leste e Central (Panafrican Freedom Movement for East and Central África – PAFMECA).
A euforia apoderou-se dos intelectuais africanos que fizeram do panafricanismo um movimento de vanguarda: Sékou Touré (Guiné); Jomo Kenyatta (Kennya); Modibo Keita (Mali) e; Gamel Abd El Nasser (Egipto) impulsionaram o movimento e reivindicaram a independência de todos os territórios africanos, perspectivando uma unidade federal do continente. Neste sentido, foi realizada a conferência de Accra de 15 a 22 de Abril e de 6 a 13 de Dezembro de 1958, onde se idealizou uma federação multinacional dos Povos com base na igualdade e nas solidariedade panafricanista: o Congresso Constitutivo do PRA (Parti du Regroupement african), reunidos em Cotonou, de 25 a 27 de Julho, forjou o método e a base para a unidade africana. As premissas principais passavam pelo protesto contra a dominação política, jurídica, intelectual e moral da Europa. As reivindicações centravam-se na conquista da independência, direito ao desenvolvimento e ao não-alinhamento. Facto que pode ser constado nas conclusões da Conferência de Bandung de 1955:
a) Respeito pelos direitos fundamentais do homem;
b) Respeito pela soberania e integridade territorial e todas as nações;
c) Reconhecimento de igualdade entre todas as raças e todas as nações, grandes ou pequenas;
d) Não ingerência dos assuntos interno dos outros estados;
e) Abstenção do recurso de mecanismo de defesa colectiva com vista servir os interesses particulares de nenhuma das grandes potências;
f) Abstenção, por parte de todos os estados, de exercer pressão outros Estados e;
g) Regularização de todas as disputas por meios pacíficos.
A partir dessa altura, começaram a emergir os movimentos de independência. Uns com ideias federalistas e outros primando pelo nacionalismo nu e cru, e foi esta a ideia que ganhou mais respaldo, aliás alguns Estados chegaram e chegam a confrontar-se com os seus vizinhos reclamando esta ou aquela parcela de território, o que contraria o espírito do integracionismo que é apregoado politicamente.
A questão da integração continental em África teve debates acesos nos anos 60, mas só atingiu o peak nos anos 70/80 com a Conferência de Monrovia, Libéria onde os líderes africanos reclamaram a independência económica do continente e foi neste Simpósio em que foi preparado o famoso Plano de Acção de Lagos, culminando com o Tratado de Abuja. Estas conferências constituem os marcos do processo de integração em África.
O plano de Acção de Lagos aprovou a planificação Económica do continente, visando a intensificação da cooperação regional e continental. O Tratado de Abuja estabeleceu a Comunidade Económica de África. Fixou-se um deadline de 30 a 39 anos para se completar o processo divididos em seis etapas. Até a data estão criadas as Organizações Económicas Regionais, a União Africana tem dados passos no sentido de chegar ao Governo da União Africana, mas no terreno ainda existem grandes debilidades, não há trocas comerciais, não existem infra-estruturas, os técnicos são pouco experimentados e, maioritariamente, sem formação específica e, o mais assinalável é que todas as organizações regionais africanas são do tipo intergovermentalistas, ou seja, os processos de integração dependem mais dos planos e perspectivas das políticas e dos políticos de cada Estado membro. Os Secretariados são meros executores, mas nos EUA e na União Europeia o processo foi do tipo funcionalista, onde os argumentos técnicos tiveram mais peso do que os políticos.
Por exemplo, o Secretariado da SADC aparece com o “principal órgão executor da instituição, responsável pela planificação e gestação estratégica dos programas, implementação das políticas e das decisões dos órgãos políticos e das instituições da SADC, tais como da Cimeira, do Conselho de Ministros e da Troika”. Enquanto a CEEAC define o Secretariado Geral como o órgão executor das decisões e directrizes da Conferência tal como as recomendações do Conselho de Ministro. Como se pode constar os Secretariados dessas duas organizações de Integração Económica Regional, de que Angola é membro com plenos direitos, são meros executores das decisões políticas sem qualquer autonomia para dinamizar os processos de integração. Há necessidade de se fazer a junção entre o processo intergovernamental e o funcionalista onde os aspectos técnicos possam sobrepor-se e orientar algumas decisões políticas.
O INTERGOVERNAMENTALISMO PARA O FUNCIONALISMO
Por: Belarmino Van-Dúnem
O processo de integração regional em África está numa fase decisiva do ponto de vista político, mas no que concerne aos aspectos técnicos e económicos ainda existe um longo caminho a percorrer.
A ideia de uma África unida é antiga, desde os Panafricanistas cujo objectivo era a solidariedade e unidade africana através de um projecto de desenvolvimento económico e social que permitisse a reconquista dos recursos do continente e as capacidades humanas para o bem-estar das suas populações. A solidariedade apregoada desde os anos 50 teve um grande impacte na luta contra a escravatura e passou, mais tarde, na junção de esforços para libertação contra o jugo colonial, atingindo o auge através da criação da OUA, actual União Africana.
Os pioneiros do panafricanismo do séc. XIX, princípios do Séc. XX tal como William Edward Burghardt Du Bois, Marcus Garvei, Henry Sylvester Wllliam e Kwame Nkrumah (único africano nativo) tinham ideias dogmáticas, desfasadas da realidade corrente e dos objectivos tangíveis que cada um dos povos no interior dos territórios colonizados preconizava. Porque se existia consenso sobre a necessidade de libertar os povos africanos e se evoluir para à igualdade de direitos, independentemente da raça, cor, origem ou credo religioso, o mesmo não se pode dizer da possibilidade dos africanos coabitarem numa nação política continental.
O panafricanismo dos africanos nativos afasta-se do idealismo utópico dos precursores afro-americanos e do Caribe. Em África houve contornos revisionistas, ou seja, a maior parte dos precursores não reclama uma igualdade de direitos de cidadania, mas a emancipação dos povos africanos, a autodeterminação, enfim, a independência dos nativos e dos territórios do continente. Portanto, o panafricanismo em África transformou-se em luta anti-colonial, em nacionalismo ao contrário do que acontecia com os afro-americanos que reclamavam inclusão e igualdade de tratamento.
Há uma evolução política/ideológica na passagem do panafricanismo dos afro-americanos para o continente africano propriamente dito. No continente africano, numa primeira fase, existiram pretensões federalistas, tais como o movimento panafricanista de Namdi Azikiwe que criou “o Concelho Nacional da Nigéria e dos Camarões” (NCNC), posso também citar o modelo do “Convention People Party” dirigida por Nkrumah, que embora estevesse limitado ao Gana, se inscreveu com o status de uma realização imperiosa para “criação de uma federação do Oeste africano”, a primeira etapa da via para o panafricanismo (Zerbo 2004:16). Mas posso acrescentar ainda, o Movimento panafricano para a Libertação da África do Leste e Central (Panafrican Freedom Movement for East and Central África – PAFMECA).
A euforia apoderou-se dos intelectuais africanos que fizeram do panafricanismo um movimento de vanguarda: Sékou Touré (Guiné); Jomo Kenyatta (Kennya); Modibo Keita (Mali) e; Gamel Abd El Nasser (Egipto) impulsionaram o movimento e reivindicaram a independência de todos os territórios africanos, perspectivando uma unidade federal do continente. Neste sentido, foi realizada a conferência de Accra de 15 a 22 de Abril e de 6 a 13 de Dezembro de 1958, onde se idealizou uma federação multinacional dos Povos com base na igualdade e nas solidariedade panafricanista: o Congresso Constitutivo do PRA (Parti du Regroupement african), reunidos em Cotonou, de 25 a 27 de Julho, forjou o método e a base para a unidade africana. As premissas principais passavam pelo protesto contra a dominação política, jurídica, intelectual e moral da Europa. As reivindicações centravam-se na conquista da independência, direito ao desenvolvimento e ao não-alinhamento. Facto que pode ser constado nas conclusões da Conferência de Bandung de 1955:
a) Respeito pelos direitos fundamentais do homem;
b) Respeito pela soberania e integridade territorial e todas as nações;
c) Reconhecimento de igualdade entre todas as raças e todas as nações, grandes ou pequenas;
d) Não ingerência dos assuntos interno dos outros estados;
e) Abstenção do recurso de mecanismo de defesa colectiva com vista servir os interesses particulares de nenhuma das grandes potências;
f) Abstenção, por parte de todos os estados, de exercer pressão outros Estados e;
g) Regularização de todas as disputas por meios pacíficos.
A partir dessa altura, começaram a emergir os movimentos de independência. Uns com ideias federalistas e outros primando pelo nacionalismo nu e cru, e foi esta a ideia que ganhou mais respaldo, aliás alguns Estados chegaram e chegam a confrontar-se com os seus vizinhos reclamando esta ou aquela parcela de território, o que contraria o espírito do integracionismo que é apregoado politicamente.
A questão da integração continental em África teve debates acesos nos anos 60, mas só atingiu o peak nos anos 70/80 com a Conferência de Monrovia, Libéria onde os líderes africanos reclamaram a independência económica do continente e foi neste Simpósio em que foi preparado o famoso Plano de Acção de Lagos, culminando com o Tratado de Abuja. Estas conferências constituem os marcos do processo de integração em África.
O plano de Acção de Lagos aprovou a planificação Económica do continente, visando a intensificação da cooperação regional e continental. O Tratado de Abuja estabeleceu a Comunidade Económica de África. Fixou-se um deadline de 30 a 39 anos para se completar o processo divididos em seis etapas. Até a data estão criadas as Organizações Económicas Regionais, a União Africana tem dados passos no sentido de chegar ao Governo da União Africana, mas no terreno ainda existem grandes debilidades, não há trocas comerciais, não existem infra-estruturas, os técnicos são pouco experimentados e, maioritariamente, sem formação específica e, o mais assinalável é que todas as organizações regionais africanas são do tipo intergovermentalistas, ou seja, os processos de integração dependem mais dos planos e perspectivas das políticas e dos políticos de cada Estado membro. Os Secretariados são meros executores, mas nos EUA e na União Europeia o processo foi do tipo funcionalista, onde os argumentos técnicos tiveram mais peso do que os políticos.
Por exemplo, o Secretariado da SADC aparece com o “principal órgão executor da instituição, responsável pela planificação e gestação estratégica dos programas, implementação das políticas e das decisões dos órgãos políticos e das instituições da SADC, tais como da Cimeira, do Conselho de Ministros e da Troika”. Enquanto a CEEAC define o Secretariado Geral como o órgão executor das decisões e directrizes da Conferência tal como as recomendações do Conselho de Ministro. Como se pode constar os Secretariados dessas duas organizações de Integração Económica Regional, de que Angola é membro com plenos direitos, são meros executores das decisões políticas sem qualquer autonomia para dinamizar os processos de integração. Há necessidade de se fazer a junção entre o processo intergovernamental e o funcionalista onde os aspectos técnicos possam sobrepor-se e orientar algumas decisões políticas.
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