quarta-feira, 13 de maio de 2009

A Reciprocidade no Caso TAAG

Belarmino Van-Dúnem*

O ordenamento jurídico das Relações Internacionais existe, mas raras são as vezes em que o cidadão comum tem a necessidade de se esclarecer sobre alguns conceitos como, por exemplo a reciprocidade, neste caso da TAAG estar proibida de efectuar voos para o espaço da União Europeia e a possibilidade da Empresa Aérea Nacional (TAAG) proibir, também as aeronaves comerciais da UE de voar no espaço aéreo nacional, atendendo o direito de reciprocidade.
No primeiro caso estamos perante uma coerção económica, portanto, um instrumento violento da política externa do Estado, no caso concreto de uma organização de cariz continental, União Europeia. No segundo caso, se Angola utilizar o princípio da reciprocidade, ou seja, dar o mesmo tratamento, proibir as empresas aéreas da UE de sobrevoar o espaço aéreo angolano, estaremos perante uma guerra económica.
Até ao momento ainda não existem informações suficientes, tanto da UE como da TAAG para se avaliar a justiça de tais medidas que constituem o último recurso do relacionamento entre dois ou mais sujeitos do direito internacional. Segundo a UE a TAAG foi proibida de voar no espaço europeu por razões de segurança, mas as informações oficiais têm argumentos contrários e, para um cidadão comum, fica difícil compreender como é que uma frota de aviões novos pode perigar a segurança no espaço da UE a ponto de se partir para uma medida tão extrema e com consequências económicas e de imagem bastantes negativas.
Apesar da UE ter comunicado que a actual situação é fruto de um processo, cabe a cada um de nós reflectir e até conjecturar sobre as razões mais plausíveis para a atitude da UE e as possíveis saídas para Angola sem agravar ainda mais a situação.
Fazendo recurso a nossa memória, lembramo-nos que a TAAG fez a compra dos aviões na empresa da concorrência e não voa para aquele espaço aéreo. Este facto pode provocar retaliação como forma de pressionar ou obrigar a empresa a ter uma mudança de comportamentos no futuro porque o mercado dos transportes aéreos tem atravessado momentos menos bons nos últimos anos. Mas também pode ser verdade que o não cumprimento de algumas normas de segurança poderia trazer consequências mais avultadas do que as consequências actuais.
Perante a situação actual, consumação da sanção por parte da EU, qual deve ser o procedimento mais coerente? Primeiro deve-se recorrer as vias pacíficas para a resolução do diferendo, ou seja, a TAAG deverá contactar a Comissão Técnica da UE e informar-se dos procedimentos para legalizar a sua entrada naquele espaço o mais rápido possível. Se a sanção foi aplicada com base em princípios técnicos, tal como reza o comunicado da UE, a situação será ultrapassada com facilidade.
Se Angola primar pelo princípio da reciprocidade teremos um novo cenário e as consequências serão mais profundas para ambas as partes.
Um dos princípios mais sagrados para a tomada de uma decisão deste cariz na Relações Internacionais e a avaliação das vantagens e desvantagens da medida e, sobretudo, a consciência da nossa real capacidade para efectivar tal medida.
As consequências para UE não serão tão graves como para Angola, talvez a TAP pague a maior factura. Por outro lado, a UE poderá agravar as sanções tal como já prometeu.
Face a situação, Angola não deverá baixar os braços. Se os diagnósticos provarem que as sanções foram aplicadas de má-fé, com o objectivo de arruinar a empresa aérea nacional, então as sanções deverão ser vinculativas a outras aéreas de interesse da UE. Neste momento ocorre-me duas aéreas: As pescas e os petróleos.
Não se trata de megalomania, mas a política externa do Estado visa defender os interesses nacionais. Qualquer recurso ou instrumento que permita atingir os objectivos do Estado, desde que se enquadrem nos padrões do direito internacional podem ser utilizados.
Mas é necessário não penalizarmo-nos duplamente.


* Analista de Política Internacional

CONFLITOS NA ÁFRICA AUSTRAL DE 1975 A 2002

PALESTRA PROFERIDA NO ESTADO-MAIOR DAS FAA

Por: Belarmino Van-Dúnem

Desde as suas independências, os Estados africanos se defrontaram com grandes dificuldades, principalmente depois da emergência do conflito Leste/Oeste que opôs os países chamados ocidentais ou capitalistas aos países socialistas/comunismo. Durante este conflito, os países menos desenvolvidos decidiram afastar-se e manter uma atitude de neutralidade, criando o Grupo dos Países Não Alinhados.
A verdade é que as consequências do conflito, Guerra-Fria, não deixavam alternativas e os Estados tinham que optar por uma das ideologias defendidas pelos dois blocos em conflito. Por um lado estava o capitalismo que privilegia a livre concorrência e o papel quase de espectador do Estado, dando ao privado, consequentemente aos mais ricos, a possibilidade de aumentar o seu capital em detrimento da maioria. Mas por outro lado aparecia o socialismo, para muitos, comunista, que dava a probabilidade de se fazer reformas e ajustes na redistribuição da riqueza nacional, tentando conciliar a liberdade com a igualdade.
Foi neste contexto que surgiu a divisão dos Estados africanos, alguns optaram por uma economia mais ou menos liberalizada com pendor capitalista e outros por uma economia centralizada com tendência socialista/comunista.
Na África Austral os Estados optaram por uma economia centralizada, mas a região viveu grandes convulsões porque alguns territórios se encontravam sob o jugo colonial e a África do Sul sob domínio da minoria branca que implementou o regime do Apartheid. Os Estados que já tinham alcançado a suas independências também enfrentavam grandes dificuldades porque algumas facções, dentro dos seus territórios, primaram pela via da força para tentar chegar ou partilhar o poder.
A África Austral é composta pela R. de Angola, RDC, R. do Malawi, R. das I. Maurícias, R. da Namíbia, Reino da Suazilândia, R. da Zâmbia, R. do Botsuana, Reino do Lesoto, R. do Madagáscar, R. de Moçambique, R. da África do Sul, R. Unida da Tanzânia e R. do Zimbabué. Estes Estados compõem a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Apesar destes Estados viverem num clima de cooperação e desenvolvimento no âmbito da organização que os congrega, durante longos anos a região foi uma das mais tensas do continente. Este facto deve-se, sobretudo, ao regime do apartheid instituído na África do Sul desde 1948. Este regime, com a adopção da chamada estratégia total, efectuou vários bombardeamentos em Moçambique, Angola, Lesoto, Botsuana, Zâmbia e Zimbabué cujas consequências resultaram em milhões de mortos e estima-se que os danos causados alcançam os US$60 biliões só no período de 1980 a 1998 (Adekeye Adebajo et al 2007).
Para fazer frente ao regime do apartheid, os Estados da África Austral fundaram o Grupo de Países da Linha da Frente cujos objectivos principais eram a resolução pacífica de conflitos; a harmonização de acções de cooperação internacional num quadro de estratégia e libertação económica da região; o fortalecimento dos laços destinados a criar uma genuína e equitativa cooperação regional e; a redução da dependência económica da África do Sul, que na altura se encontrava sob o regime racista do apartheid.
Angola foi o Estado que esteve sempre à frente do grupo de países que se solidarizou com os povos oprimidos da região Austral e do continente de forma geral. Por este facto também foi alvo da fúria do regime do apartheid que não só ajudou a destruir o país, mas também fomentou o conflito entre os angolanos. Deste modo, Angola sempre foi o opositor mais forte e determinado das tendências expansionistas e subjugadoras do regime do apartheid, tendo-se afirmado como trincheira firme da revolução em África. Angola contribuiu de forma significativa na independência da Namíbia, do Zimbabué e para o fim do apartheid na R. da África do Sul e a sua consequente democratização.
A intervenção de Angola na RDC foi determinante para a queda do regime do Mobutu e, posteriormente, para a estabilização do sistema liderado pela família Kabila (Honoré N’Gbanda Nzambo Ko Atumba 1998:207). Esta intervenção fez de Angola um parceiro indispensável para as questões de segurança na região e no continente, sendo um dos Estados mais procurado na cooperação para a reforma e formação nas áreas da defesa e da segurança.
A guerra que assolou Angola desde 1975, até ao ano 2000, causou mais de 500.000 mortos e cerca de 800.000 mutilados. O país consta da lista dos territórios mais minados do planeta. Uma das consequências que ainda se faz sentir é a dispersão da população. Calcula-se que até ao ano acima referido existiam cerca de 1.550.000 deslocados e 28.000 refugiados aproximadamente, que se encontravam nos países vizinhos. Uma grande parte das infra-estruturas existente foi destruída, facto que contribuiu de forma significativa para o atraso que o país conhece até a data (ONU 2003).
O fim da guerra-fria ou do conflito Leste/Oeste reorientou a geopolítica e a geoestratégia dos Estados. O início da década de 90 marcou profundamente as relações internacionais, particularmente no continente africano com enfoque especial na região Austral. A democratização dos regimes políticos e a liberalização das economias e a privatização das empresas estatais uniformizaram as políticas nacionais. Apareceram novos Estados, como o Zimbabué e a Namíbia, mas o marco principal do fim do século XX, na África Austral, foi o fim do regime racista, Apartheid, na República da África do Sul.
O Alcance da paz angolana em 2002 foi um marco que nenhum angolano já mais irá esquecer. A paz foi obtida de forma diferente, ou seja, os angolanos disseram basta, abraçaram-se e fizeram a paz. Não foi necessário chegar alguém de fora, a comunidade internacional ou a ONU para dar um sinal de que havia chegado a oportunidade de se alcançar a paz que todos angolanos tanto almejavam.
Hoje, os benefícios do percurso histórico do povo angolano são inquestionáveis. Angola esta rodeada ou partilha as suas fronteiras com Estados que reconhecem a sua importância na estabilidade fronteiriça e, sobretudo, na cooperação na área da defesa, segurança e energia que Angola conseguiu especializar-se apesar dos longos anos de guerra.

Os efeitos do bom desempenho económico do país já se fazem sentir na prática, embora se reconheça ainda que de forma tímida devido aos factores estruturais perfeitamente compreensíveis, como é o caso da guerra, cujos efeitos até à data se fazem sentir. Os custos dos serviços públicos constituem a maior fatia do Orçamento Geral do Estado (OGE) com 22,65% em 2007 contra os 19,22% em 2006 (OGE revisto) e os encargos financeiros captaram 22,44% do OGE no corrente ano contra os 14,54% em 2006.
Apesar do Estado suportar sozinho a distribuição da riqueza nacional, o OGE de 2007 aumentou as verbas dos sectores que constituem o núcleo do desenvolvimento social de forma geral. A saúde passou de 5,56% em 2006 (OGE registo) para 5,61% em 2007; Habitação e serviços comunitários 7,19% em 2006 para 7,51 em 2007; Agricultura, pescas e ambiente 2,57% em 2006 para 2,96% em 2007. Estes sinais são encorajadores e todos nós devemos nos orgulhar de ser angolanos porque a teoria diz que os Estados saídos de longos anos de guerra civil levam, no mínimo, 30 anos para se reerguer, mas Angola tem vindo a dar bons sinais contrariando esta teoria que tem sido comprovada na maioria dos casos.
Tendo consciência da necessidade de existirem políticas e estratégias que vissem directamente a redução da pobreza no seio da população angolana, o governo elaborou a Estratégia de Combate à Pobreza em 2003 cujos objectivos principais são a Reinserção Social, a Reabilitação, a Construção e a Estabilização Económica.
Os objectivos da Estratégia de Combate à Pobreza vão desde o apoio ao regresso e fixação dos cidadãos angolanos que se encontram refugiados nos países vizinhos até à criação de um ambiente macroeconómico que evite desequilíbrios no mercado nacional em prejuízo das camadas mais desfavorecidas.
Os objectivos contidos na Estratégia de Combate à Pobreza fazem uma conciliação entre as prioridades nacionais e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio estabelecidos pelas Nações Unidas em 2000:
(i) Apoiar o regresso e a fixação dos deslocados internos, refugiados e desmobilizados para zonas de origem ou reassentamento integrando-os de forma sustentável na vida Económica e social;
(ii) Garantir as condições mínimas de segurança física do cidadão através da desminagem, do desarmamento e da garantia da lei e ordem por todo o território nacional,
(iii) Minimizar o risco de fome, satisfazer as necessidades alimentares internas e relançar a economia rural como, sector vital para o desenvolvimento, sustentado;
(iv) Controlar a propagação do VIH/SIDA e mitigar o impacto nas pessoas vivendo com VIH/SIDA e suas famílias;
(v) Assegurar o acesso universal ao ensino, primário, eliminar o analfabetismo e criar as condições para a protecção e integração de adolescentes, jovens e pessoas com necessidades educativas especiais, garantindo, sempre a equidade de género;
(vi) Melhorar o estado, de saúde da população, em especial através do aumento, do acesso a cuidados primários de saúde de qualidade e do controlo da propagação do VIH/SIDA,
(vii) Reconstruir, reabilitar e expandir as infra-estruturas básicas para o desenvolvimento económico, social e humano;
(viii) Valorizar o capital humano nacional, promover o acesso ao emprego e autoemprego e dinamizar o mercado de trabalho garantindo a protecção dos direitos dos trabalhadores;
(ix) Consolidar o Estado de Direito, tornar mais eficiente a prestação da Administração Pública, aproximando-a mais do cidadão e das suas necessidades, e assegurar a transparência e a responsabilização na formulação de políticas, e na gestão dos recursos públicos;
(x) Criar um ambiente de estabilidade macroeconómica que evite
desequilíbrios nos mercados (prejudiciais para os mais pobres) e estimule o crescimento, económico assegurando uma redução sustentável da pobreza.
O Grupo Alvo pertence às camadas mais desfavorecidas entre as quais podem ser destacadas as seguintes:
(i) - Os deslocados, internos e refugiados no estrangeiro, os militares e paramilitares, desmobilizados (inclusivamente jovens e crianças) e os seus dependentes;
(ii) - As crianças, adolescentes em situação de exclusão e os jovens;
(iii) - Os portadores de deficiências físicas ou psíquicas;
(iv) - Os idosos;
(v) - A mulher.
Depois de mais de 30 anos de guerra, a reconstrução nacional, a expansão da educação e o provimento de boas condições de vida para toda a população angolana deve se afigurar como o principal objectivo. Estes objectivos devem ser transversais a todos os cidadãos angolanos independentemente da sua confissão religiosa, da sua filiação política ou da sua crença pessoal. Mas isto só é possível se todos tivermos um horizonte comum, algo que nos possa unir enquanto grupo abrangente a todo o território nacional de Cabinda ao Cunene. Sendo assim, a Agenda Nacional de Consenso assume uma importância crucial por ser o documento que contém as linhas mestras de orientação para a afirmação de Angola dentro e fora do território nacional.
A Agenda Nacional de Consenso é um projecto aglutinador de todos os angolanos e angolanas porque foi amplamente discutida por todas as franjas da nossa sociedade, desde académicos, políticos, sindicatos, juventude e a sociedade civil de forma geral, eis a razão porque nos encontramos aqui para discutir e reflectir sobre o percursos dos conflitos na África Austral e as suas consequências no nosso país.
No contexto da política externa, a Agenda Nacional de Consenso propõe a continuidade da afirmação de Angola na arena internacional, pautando as suas acções com base no respeito pela soberania dos outros Estados e no aprofundamento da cooperação nos mais diversos domínios. A comparticipação activa nas organizações internacionais como a ONU, União Africana, SADC, CEEAC e Golfo da Guiné aparece como prioritário.
A concretização destes planos só será possível se todos assumirmos a nossa parte como cidadãos, agindo como uma unidade, onde as nossas competências permitirem. Se for no campo, produzindo com todo afinco respeitando os planos nacionais, provinciais e municipais, se for como professores, dando o máximo de nós transmitindo o conhecimento e ainda como políticos, procurando o consenso e trabalhando para a melhoria das condições de vida da população.
A província do Bié foi uma das principais testemunhas do conflito angolano e hoje também está em condição privilegiada de passar um testemunho positivo dos benefícios da paz. É com este apelo que termino esta reflexão esperando que tenha lançado as premissas para o nosso debate sobre o tema dos conflitos na África Austral e as suas consequências em Angola.
MUITO OBRIGADO PELA VOSSA ATENÇÃO
Luanda, 31 de Agosto de 2007