Por: Belarmino Van-Dúnem
O conceito de democracia tem vindo a transformar-se ao longo do tempo. Desde a Grécia antiga onde o Poder do Povo tinha limitações de abrangência e inclusão, por exemplo as mulheres não votavam e os mais pobres não podiam ser candidatos a cargos públicos porque as funções de Estado não eram remuneradas, passando pelos tempos da discriminação pela raça e/ou sexo que os europeus durante vários séculos praticaram.
Actualmente, as principais questões prendem-se com as limitações de tempo, ou seja, se até a metade do século passado, o que se pedia e exigia era o cumprimento dos parâmetros constitucionais, actualmente levanta-se a falsa questão do tempo. Ninguém pode permanecer muito tempo no poder, tem que dar oportunidade aos outros. “Por amor de deus”. Quem manda é povo e a personalidade que está no poder deve consultar o povo para legitimar o exercício do poder. Inclusive podemos ir mais longe e afirmar que o voto popular não é, para a maioria dos casos, a forma mais assertiva de legitimar o exercício do poder. Sobretudo em África onde as clivagens étnicas, políticas e sociais são muito salientes.
Os problemas dos limites temporais no poder trazem ainda outro problema estrutural. O facto dos projectos políticos e de sociedade ficarem por concretizar, sabemos que a transformar da sociedade só é possível atravessando pelo menos duas gerações de dez anos. Ainda coloca-se o caso dos políticos que fazem uma espécie de permuta, ou seja, fica tu e depois volto eu.
O Presidente do Senegal, já no fim do seu segundo mandato de cinco anos, é um exemplo claro desse dilema. Quando foi eleito no ano 2000, colocou fim à mais de 40 anos de domínio socialista (PS) no Senegal no poder desde 1958. Actualmente com 86 anos de idade, o Presidente Wade, através do seu Partido PSD, efectuou uma alteração na constituição que colocou fim as limitações de candidaturas a presidência de dois mandatos de cinco anos cada. Mas, como é próprio dos juristas, a interpretação da lei está a provocar divergências. Uns defendem que a lei deve ser retroactiva, ou seja, as eleições do próximo dia 26 de Fevereiro de 2012 devem ser efectuadas com base na constituição de 2001. Mas outros acham que o Presidente Wade não está abrangido pela nova lei constitucional, portanto pode renovar o seu mandato pela terceira vez. Alias, o Tribunal constitucional já aceitou a sua candidatura.
A oposição e a sociedade civil é que não baixaram os braços e fizeram um levantamento contra a candidatura do actual presidente, que a luz da nova Constituição teria mais um mandato de sete anos. O movimento Forças Vivas da Nação de 23 de Junho (M23) cujo único objectivo é impedir a candidatura de Abdoulaye Wade, congrega a maioria dos partidos da oposição. O Conselho Constitucional do Senegal recebeu dezassete candidaturas, catorze foram aprovadas, mas os recursos não param de crescer.
A oposição está a perder sinergias porque não conseguiu um candidato consensual. Uma análise fria dos factos mostra que o problema pode não ser o presidente Wade, mas o facto de não existir um candidato a altura, no seio da oposição, para fazer face ao actual Presidente. Todos os candidatos da oposição alegam ser candidatos naturais e com probabilidade de vencer. Mas o mais mediático é o cantor e empresário Youssou N’Dour, embora não tenha qualquer tipo de experiencia política e até na administração pública.
A maior surpresa veio do Ocidente. Os EUA e a União Europeia, como sempre, decidiram posicionar-se e apelaram ao Presidente Wade que retirasse a sua candidatura, partindo para ameaças e tudo. Independentemente dos contornos existe a certeza que o Senegal que sempre teve alguma estabilidade, está a caminhar para o caos e as novas formas de impor democracia não respeitam a constituição dos Estados, mas o desejo ou não da opinião visível querer ou não quem está no poder.
É necessário repensar as formas de organização das sociedades, porque há tendência de existir um aproveitamento dos partidos políticos com relação aos midias: colocam os seus militantes nas ruas, aparecem duas centenas que passam a representar todo o eleitorado que, em alguns casos chegam a milhões. Se quem está no poder toma a decisão de colocar os seus apoiantes na rua, o acto fica catalogado como repressão e não só.
O Presidente Wade está entre a espada e a espada porque caso retire a sua candidatura estará a dar razão aos partidos da oposição e o seu partido já não vai a tempo de indicar um outro candidato. Se der continuidade a sua candidatura pode estar a caminhar para o início de uma escalada da violência que manchará para sempre a sua carreira. Agora é fazer ao contrário de São Tomé, ver e esperar.
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