A Democracia é Uma Faca de Dois Gumes
Por: Belarmino Van-Dúnem
A partir da década de 90, a palavra de ordem no mundo era uma: Democratização, privatização e liberalização das economias nacionais. A filosofia do bem-estar social deixou de fazer sentido e o mote, segundo o qual, o mercado teria a capacidade de auto-regular-se através da concorrência em benefício do consumidor se afirmou definitivamente.
A planificação económica dos Estados passou a ser um procedimento retrógrado, só os que ainda resistiam com os resquícios do socialismo comunista é que teimavam em manter os programas económicos quinquenais e outras terminologias que davam pudor a qualquer intelectual que quisesse demonstrar que estava dentro da conjuntura mundial. No Ocidente a febre do consumismo era uma realidade cruel, várias famílias viviam e vivem através de planificações feitas pelos bancos que, por via das dívidas contraídas, auto-legitimam-se a controlar os rendimentos das famílias que ficaram dependentes para sempre.
No continente africano, a realidade era ambígua. A maior parte dos regimes políticos estava fragilizado e os líderes políticos procuraram a todo custo adaptar-se às novas exigências da conjuntura internacional. Nas fotografias dos bons governantes só apareciam aqueles que tivessem passado pelo crivo das eleições multipartidárias, mesmo os que colocavam o seu povo a votar debaixo do fogo cerrado também eram considerados heróis pela comunidade internacional, o mais importante é que os cidadãos coloquem um folheto a confirmar que estão dispostos a ser governados.
Os grupos internacionais deveriam determinar a lisura do pleito eleitoral. As declarações são sempre as mesmas: Se o regime no poder vencer houve fraude, as pessoas não votaram em consciência, os boletins de voto não eram suficientemente claros para que os cidadãos pudessem escolher quem de facto deve governar os seus destinos, os meios de comunicação foram parciais. Esse tipo de discurso era globalizador para os Estados africanos, mas mudava nos países onde os movimentos da oposição venciam, independentemente das circunstâncias da vitória, o Estado passava a ser considerado democrático e livre, mesmo com as pessoas a morrerem de fome.
Os Estados africanos ficaram entre a manutenção da ordem e a necessidade de cada grupo organizado sob várias capas actuarem livremente, fazendo política para aceder ao poder ou simplesmente através de uma pressão insuportável para repontar tudo que não se coadunasse com as novas formas de organização e governação. Boa gestão da coisa pública, direitos humanos, igualdade de género, liberdade de expressão, rotatividade na governação, direitos das crianças, direitos civis e politicas voltadas para os valores que vinham dos Estados que na altura eram considerados desenvolvidos. O desenvolvimento passou a ser a palavra de ordem, mas os Estados avançados depressa mostraram que não estavam dispostos a fazer a transferência de tecnologia e das verbas necessárias para que o bem-estar através do desenvolvimento fosse global.
A democratização dos regimes políticos trouxe concomitantemente a privatização e a liberalização dos mercados nacionais. A privatização teve dois efeitos imediatos: o primeiro foi a emergência de uma classe burguesa nacional nos países saídos do monopartidarismo, por outro lado, as companhias ocidentais aproveitaram para se instalar e monopolizar o comércio, aprofundando a dependência dos países do sul em relação ao norte.
A liberalização da economia escancarou as portas dos países em vias de desenvolvimento para entrada de todo o tipo de produtos acabados e com valor acrescentado para o norte. As poucas industrias que existiam, deixaram de funcionar por falta de manutenção porque a União Soviética pertencia ao passado e a Rússia estava a reorganizar-se internamente. Os preços das matérias-primas começaram são determinados pelas bolsas de valor que não existem em África, portanto os Estados vendem, mas não sabem quanto irão receber pelo produto, deste modo ficam impedidos de fazer a programação das suas economias de forma autónoma.
A crise na economia e o consequente agravamento da penúria da maior parte da população, provocou a emergência do fanatismo, nacionalismo, localismo, bairrismo, etnicismo, terrorismo e a proliferação dos grupos errantes como a máfia da droga, dumping, tráfico de influência, burla religiosa e lavagem de capital através de empresas fantasmas cuja localização é virtual. Os Estados em vias de desenvolvimento foram apanhados nessa teia sem qualquer possibilidade de apoio. Mas a insistência da comunidade internacional era tal que os regimes continuam a seguir com a implementação da democratização, privatização e liberalização nas suas políticas nacionais, como consequência eclodiram várias guerras civis, genocídios e o colapso de vários Estados. Actualmente, o discurso é outro, o Estado deve interferir na economia e controlar as liberdades que devem ter fronteiras em nome da segurança. O caso é tão grave que todos estamos de acordo que nos aeroportos as nossas coisas sejam vasculhadas, que as informações sobre o cidadão sejam minuciosamente analisadas e que os grupos com pendor exclusivista sejam limitados por lei.
Nas democracias ocidentais os grupos nacionalistas e conservadores estão a voltar ao poder através do voto popular. São sinais que nos fazem lembrar a euforia das democracias década de 30, cujas consequências foram nefastas para o mundo. É caso para dizer que a democracia é uma faca de dois gumes.
Por: Belarmino Van-Dúnem
A partir da década de 90, a palavra de ordem no mundo era uma: Democratização, privatização e liberalização das economias nacionais. A filosofia do bem-estar social deixou de fazer sentido e o mote, segundo o qual, o mercado teria a capacidade de auto-regular-se através da concorrência em benefício do consumidor se afirmou definitivamente.
A planificação económica dos Estados passou a ser um procedimento retrógrado, só os que ainda resistiam com os resquícios do socialismo comunista é que teimavam em manter os programas económicos quinquenais e outras terminologias que davam pudor a qualquer intelectual que quisesse demonstrar que estava dentro da conjuntura mundial. No Ocidente a febre do consumismo era uma realidade cruel, várias famílias viviam e vivem através de planificações feitas pelos bancos que, por via das dívidas contraídas, auto-legitimam-se a controlar os rendimentos das famílias que ficaram dependentes para sempre.
No continente africano, a realidade era ambígua. A maior parte dos regimes políticos estava fragilizado e os líderes políticos procuraram a todo custo adaptar-se às novas exigências da conjuntura internacional. Nas fotografias dos bons governantes só apareciam aqueles que tivessem passado pelo crivo das eleições multipartidárias, mesmo os que colocavam o seu povo a votar debaixo do fogo cerrado também eram considerados heróis pela comunidade internacional, o mais importante é que os cidadãos coloquem um folheto a confirmar que estão dispostos a ser governados.
Os grupos internacionais deveriam determinar a lisura do pleito eleitoral. As declarações são sempre as mesmas: Se o regime no poder vencer houve fraude, as pessoas não votaram em consciência, os boletins de voto não eram suficientemente claros para que os cidadãos pudessem escolher quem de facto deve governar os seus destinos, os meios de comunicação foram parciais. Esse tipo de discurso era globalizador para os Estados africanos, mas mudava nos países onde os movimentos da oposição venciam, independentemente das circunstâncias da vitória, o Estado passava a ser considerado democrático e livre, mesmo com as pessoas a morrerem de fome.
Os Estados africanos ficaram entre a manutenção da ordem e a necessidade de cada grupo organizado sob várias capas actuarem livremente, fazendo política para aceder ao poder ou simplesmente através de uma pressão insuportável para repontar tudo que não se coadunasse com as novas formas de organização e governação. Boa gestão da coisa pública, direitos humanos, igualdade de género, liberdade de expressão, rotatividade na governação, direitos das crianças, direitos civis e politicas voltadas para os valores que vinham dos Estados que na altura eram considerados desenvolvidos. O desenvolvimento passou a ser a palavra de ordem, mas os Estados avançados depressa mostraram que não estavam dispostos a fazer a transferência de tecnologia e das verbas necessárias para que o bem-estar através do desenvolvimento fosse global.
A democratização dos regimes políticos trouxe concomitantemente a privatização e a liberalização dos mercados nacionais. A privatização teve dois efeitos imediatos: o primeiro foi a emergência de uma classe burguesa nacional nos países saídos do monopartidarismo, por outro lado, as companhias ocidentais aproveitaram para se instalar e monopolizar o comércio, aprofundando a dependência dos países do sul em relação ao norte.
A liberalização da economia escancarou as portas dos países em vias de desenvolvimento para entrada de todo o tipo de produtos acabados e com valor acrescentado para o norte. As poucas industrias que existiam, deixaram de funcionar por falta de manutenção porque a União Soviética pertencia ao passado e a Rússia estava a reorganizar-se internamente. Os preços das matérias-primas começaram são determinados pelas bolsas de valor que não existem em África, portanto os Estados vendem, mas não sabem quanto irão receber pelo produto, deste modo ficam impedidos de fazer a programação das suas economias de forma autónoma.
A crise na economia e o consequente agravamento da penúria da maior parte da população, provocou a emergência do fanatismo, nacionalismo, localismo, bairrismo, etnicismo, terrorismo e a proliferação dos grupos errantes como a máfia da droga, dumping, tráfico de influência, burla religiosa e lavagem de capital através de empresas fantasmas cuja localização é virtual. Os Estados em vias de desenvolvimento foram apanhados nessa teia sem qualquer possibilidade de apoio. Mas a insistência da comunidade internacional era tal que os regimes continuam a seguir com a implementação da democratização, privatização e liberalização nas suas políticas nacionais, como consequência eclodiram várias guerras civis, genocídios e o colapso de vários Estados. Actualmente, o discurso é outro, o Estado deve interferir na economia e controlar as liberdades que devem ter fronteiras em nome da segurança. O caso é tão grave que todos estamos de acordo que nos aeroportos as nossas coisas sejam vasculhadas, que as informações sobre o cidadão sejam minuciosamente analisadas e que os grupos com pendor exclusivista sejam limitados por lei.
Nas democracias ocidentais os grupos nacionalistas e conservadores estão a voltar ao poder através do voto popular. São sinais que nos fazem lembrar a euforia das democracias década de 30, cujas consequências foram nefastas para o mundo. É caso para dizer que a democracia é uma faca de dois gumes.
2 comentários:
estará o seu humano preparado para se servir da democracia? não será o cárcere emocional em que se encontra onde acentua fortemente a justificação do individualismo, o factor decisivo que faz com os raios da acção da democracia não manifestam os seus preceitos? conhecemos uma democracia com um baixo grau de cidadania e de liberdade...
parabens...um texto rico e fundamentado com argumentos lógicos...
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