quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O ESTADO DA NAÇÃO NA MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚLICA

Por: Belarmino Van-Dúnem

Nos termos do artigo 118º (Mensagem à Nação), o Presidente da República dirige ao país, na Assembleia Nacional, uma mensagem sobre o Estado da Nação e as Políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do país. Neste espírito e fazendo jus ao artigo 108º, ponto 5, no dia 15 de Novembro do corrente ano, Sua Excelência Presidente da República e Titular do Poder Executivo dirigiu uma mensagem à Nação em que foram passados em revista todos os aspectos da dinâmica do País. As questões relacionadas com a economia, política, segurança, sociedade e as relações de Angola com o exterior mereceram menção durante o discurso.
Durante o discurso houve uma clara ruptura com o passado, na primeira parte há uma chamada de atenção para uma Angola pós 2002, onde as marcas da guerra deixaram de fazer parte do cenário das Províncias nacionais e a ligação inter-provincial quer por via da reabilitação dos caminhos-de-ferro, quer pela recuperação das infra-estruturas de transporte destruídas pela guerra. O discurso discorre sobre a situação financeira/económica do país desde 2002, apresentando um saldo positivo, não obstante a crise financeira internacional que afectou as finanças das potências mundiais que por sua vez causaram uma redução drástica nas receitas dos Estados exportadores de matérias-primas, o Estado angolano foi afectado devido a baixo de preço do recurso que mais contribuí para as receitas nacionais, o petróleo. Mas o discurso faz alusão ao bom desempenho do sector não petrolífero e às medidas implementadas pelo executivo para amenizar os efeitos da crise. Entre as quais destaca-se o “Acordo Stand-By” celebrado com o Fundo Monetário Internacional que teve efeitos positivos na Balança de pagamentos, na protecção das reservas internacionais líquidas e na estabilização macroeconómica do país.
Os dados da situação social foram bastante positivos, assinalando progressos nos diversos sectores: na saúde, educação e no fornecimento de serviços que concorrem para a qualidade de vida dos cidadãos. O acesso à internet e a comunicação por telemóvel também foram referenciados no discurso.
As perspectivas futuras também são positivas, sobretudo devido à previsão de uma retoma do crescimento da economia, assim como o plano de desenvolvimento e fortificação do empresariado nacional, procurando uma maior intervenção dos mesmos nos sectores produtivos, o que proporcionará um aumento da produtividade nacional, assim como uma melhor inserção no mercado global tal como já acontece nos sectores petrolíferos e diamantífero.
Como não poderia deixar de ser o discurso de Sua Excelência, Engenheiro José Eduardo dos Santos, Presidente da República fez uma incursão sobre o domínio das Relações Internacionais. È precisamente sobre aspecto que este texto irá abordar uma vez que é a área que ainda carece de um aprofundamento no tange a compreensão da sua importância e a influência que tem sobre todos os aspectos da dinâmica política, social, económica e cultural do país. Embora tenhamos que reconhecer que o estudo da evolução da política externa angolana só é possível através da análise dos discursos oficiais, mormente do Presidente da República, atendendo ao artigo 121º, alínea a) segundo o qual compete ao Presidente da República “definir e dirigir a execução da politica externa do Estado”.
A mensagem sobre o estado da Nação proferida pelo Presidente da República na Assembleia Nacional resumiu os últimos desenvolvimentos da política externa nacional. O discurso começa por frisar que “ no domínio das relações internacionais Angola desenvolveu uma política de boa vizinhança, de respeito pela igualdade soberana e integridade territorial dos Estados e de cooperação com vantagens recíprocas”. Neste âmbito o Executivo está a fazer jus ao artigo 12º da Constituição nas alíneas a) respeito pela soberania e independência nacional, f)não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e g) reciprocidade vantagens, respectivamente. Em seguida há menção ao posicionamento de Angola face às questões internacionais. O país optou pelos pressupostos jurídicos: o reconhecimento e o acordo de reciprocidade que constituem a base do funcionamento das relações internacionais, ou seja, qualquer sujeito do direito internacional só mantém esse status caso cumpra com as suas obrigações relativamente ao direito internacional.
Mas também houve a execução dos pressupostos político e sociológico, espelhados no apoio que Angola está a dar à Guiné-Bissau, tanto no processo de reestruturação das forças armadas como do ponto de vista institucional. Relativamente à este assunto o Discurso do Chefe de Estado foi claro quando afirmou que “ Angola vai manter a sua inelutável vocação de ser um factor de paz, estabilidade e desenvolvimento não só nas sub-regiões em que está inscrita, como a SADC, CEAAC e o Golfo da Guiné, mas também de apoio à países que nos ligam profundos laços históricos e de amizade, como está agora a acontecer com a Guiné-Bissau”. A Guiné-Bissau poderá servir de paradigma para o início de uma nova perspectiva de cooperação entre os Estados africanos, particularmente da África Subsaariana. Angola vê a Guiné-Bissau como um parceiro que está a atravessar um período menos bom da sua história e não como um Estado falhado que necessita de uma intervenção supranacional.
A prova desse facto é a recente visita de uma delegação ministerial angolana a Guiné-Bissau, presidida pelo Ministro da Geologia e Minas e Indústria, Joaquim David. Em que a cooperação entre os dois países foi reforçada, não só do ponto de vista institucional, mas também no sector produtivo e, com especial destaque para a abertura de uma linha de crédito para que os empresários angolanos e guineenses possam investir na Guiné-Bissau. Para além da coordenação bilateral, o apoio à Guiné-Bissau está a ser feito em colaboração com a CPLP, CEDEAO, em particular a União Africana e as Nações Unidas.
O período do discurso que trouxe uma mais valia para o conhecimento da política externa angolana foi a referência feita aos países com parceria estratégica com Angola. A República Federativa do Brasil, A República Portuguesa, Os Estados Unidos da América e, foi ainda anunciada a próxima parceria estratégia de Angola que será feita com a República popular da China. No que concerne a esta questão duas notas:
A primeira refere-se a necessidade de um maior incremento da cooperação com os EUA, aproveitando as vantagens da parceria estratégica, há necessidade de se fazer uma selecção dos sectores onde essa cooperação deverá incidir com base nas estratégias nacionais, mas atendendo também aos critérios de elegibilidade estabelecidos pelos EUA na cooperação com o continente africano.
A Segunda nota vai para a parceria estratégica a ser firmada com a China, penso que na prática essa parceria já existe, mas lá onde for necessário aprofunda-la será sempre vantajoso, uma vez que o modelo de cooperação chinês é claramente viável para os países em reconstrução por ter pacotes que conciliam financiamento com mão-de-obra e, se for necessário com material para a concretização dos projectos. Feita uma análise, facilmente se conclui que há um parceiro para cada região, ou seja, Europa, América Latina, América do Norte, Ásia, mas o continente africano ficou sem menção, apesar de subentender-se que a África do Sul seria o parceiro mais lógico, assim entendido está dentro da proactividade de Angola no âmbito da SADC, onde os dois Estados são membros de pleno direito e os principais dinamizadores, sendo as maiores potencias. Os últimos desenvolvimentos da cooperação entre os dois países apontam para uma parceria estratégica.
O discurso foi clarificador, todas as questões da vida nacional foram abordadas com franqueza, realismo e positivismo, facto que deixa os angolanos mais esperançados no futuro. Seria necessário que todas as forças vivas do país pudessem se debruçar sobre o mesmo para que todos tivessem a mesma visão dos feitos e das expectativas do executivo, só assim será possível fazer uma avaliação verdadeira no futuro, caso contrário, cada um terá a sua própria linguagem. Fazendo uma espécie de cacofonia das questões nacionais, aliás, infelizmente já está a acontecer em alguns círculos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

GEOPOLITICA E GEOESTRATÉGIA ANGOLANA

GEOPOLITICA E GEOESTRATÉGIA ANGOLANA

Por: Belarmino Van-Dúnem

A geopolítica pode ser definida como um método da política externa que explica e prevê o comportamento da política internacional em função de variáveis geográficas, tais como a dimensão do território, localização, topográfica, demografia, recursos naturais e outras que de forma directa ou indirecta podem influenciar a implementação da mesma. Neste sentido a geopolítica é entendida como a combinação da ciência politica e da geográfica com a finalidade de compreender as relações existentes na política externa de um Estado, organização ou grupo de países no quadro geográfico em que se inserem.

Por outro lado e de forma convergente aparece a geoestratégia que está ligada aos projectos, planos e formas como cada actor age ou implementa a sua politica no espaço onde se encontra inserido politicamente. Embora esta diferença seja contestada por muitos académicos que afirmam existir na geopolítica uma estratégia porque para que as politicas se ajustem às condicionantes neutrais e/ou externas, não deixa de ser verdade que a acção final dependerá sempre de uma estratégia. Mas por uma questão de sistematização e compreensão que se quer num artigo público, deixemos de querelas teóricas e vamos aceitar as diferenças genéricas acima expostas.

Apresentado o conceito fica difícil para qualquer analista abordar a geopolítica e/ou geoestratégia de qualquer Estado sem documento de pesquisa, sejam eles oficiais ou analises feitas a partir de outras fontes a disposição. Esta é a realidade da maior parte dos Estados africanos que, apesar de todo o dinamismo que caracteriza as relações internacionais intra-africanas e entre os Estados do continente berço e os restantes membros da sociedade internacional, há de facto uma falta notável, no tange a estruturação das respectivas politicas externas.

No que respeita à República de Angola, em particular, a situação não é muito diferente. Não existe, até a data, nenhuma obra que tenha se dedicado exclusivamente a politica externa angolana e poucos são os textos escrito que tenham feito esse tipo de abordagem. Dai a minha firme convicção da urgência de se criar um fórum de forma abrangente ou restrita para o tratamento desta matéria importante cuja sistematização é essencial para os académicos, mas sobretudo para os parceiros internos e externos que passarão a ter noção das directrizes do governo, tal como os Estados estratégicos do ponto de vista das parcerias, as áreas prioritárias, os mecanismo para implementação, monitorização e avaliação das acções e os fins que se pretende alcançar com cada um dos parceiros e consequentemente com as estratégias pré-estabelecidas. Tudo isso indicando as regiões seleccionadas.

As estratégias da geopolítica e/ou geoestratégia de um Estado, na ausência de documentos oficiais, pode ser analisada através dos discursos oficiais, acções dos governos, para o caso de Angola do executivo e todo o tipo de sinal em termos estratégicos que possam clarificar as opções dos Estados a nível da política externa. Esta é a estratégia que temos usado nos últimos cinco anos para acompanhar a evolução da política externas angolana e respectivas estratégias. Desde a independência da R. Angola que o país tem participado activamente nas dinâmicas regionais, continentais e mundiais, portanto sempre foi uma referência na geopolítica internacional porque fez parte da geoestratégia das potências tanto regionais como mundiais.

No início da independência Angola foi palco da geoestratégia da chamada guerra-fria. A independência foi proclamada no dia 11 de Novembro de 1975, mas antes da independência a importância geopolítica de Angola já era reconhecida pelos actores do xadrez político da altura. A potência colonizadora, Portugal, fixou os seus objectivos na diversidade de recursos que o território possui e utilizou todo o tipo de estratégia para manter o controlo político apesar da ditadura na metrópole enfrentar uma crise interna que anunciava as reformas necessárias e consequentemente as independências das chamadas colónias. A África do Sul, sob o jugo do apartheid, muito cedo compreendeu que a autodeterminação de Angola poria em causa a ocupação da Namíbia, a aliança que mantinha com o regime de Ian Smith na Rodésia, actual Zimbabué, e da própria sobrevivência do regime do apartheid na África do sul como veio a se concretizar no inicio da década de 90 com a libertação de Nelson Mandela. Dai as intervenções que se verificaram mesmo antes da independência de Angola, em que o apartheid tanto se associou ao regime colonizador português como com os grupos independentistas nacionais que mostrassem alguma abertura, foram por exemplo os vários contactos e acções conjuntas com a UNITA da guerrilha.

Alguns meses depois da proclamação da independência estavam em solo Angolano as forças sul-africanas do regime do apartheid, as forças cubanas enquanto aliadas do novo governo formado pelo MPLA e as principais potencias que se oponham na guerra fria aproveitaram a oportunidade para intervir através de apoios diplomáticos, fornecimento de material bélico, instrução militar e, em muitos casos, ajuda financeira, tal como de efectivos com valências especiais. Estás foram as estratégias da então URSS e dos Estados Unidos da América.

Depois da independência, a geoestratégia angolana pode ser constatada nos discursos oficiais, nesse aspecto a análise dos discursos do Presidente Agostinho Neto é essencial. A base dos mesmos pode ser resumida em algumas frases que se transformaram em verdadeiros hinos a nível nacional e no continente. “Angola é e será trincheira forme da revolução em África”; “No Zimbabwe, na África do Sul e na Namíbia está a continuidade da nossa luta”. Estes princípios foram implementados até a década de 90, altura em que a conjuntura na região e nas relações internacionais de forma geral mudaram. Dai começou a nova era para que Angola, “de factum”, a transformação do país no pivot da paz e da estabilidade em todo o continente e no mundo.

Desde a década de 80 que a politica externa Angolana está marcada pela figura do Presidente José Eduardo dos Santos que, por coincidência, foi o primeiro ministro das exteriores da Angola independente, durante o seu exercício no cargo de Ministro das Relações Exteriores, Angola foi reconhecida, em 1976, pela OUA e pela ONU em Fevereiro e Dezembro respectivamente, assim o país passou a fazer parte, de júri, no seio da comunidade internacional. Depois de assumir o cargo de Presidente da República que o próprio declarou “ não é uma substituição fácil, nem tão pouco me parece uma substituição possível. É apenas uma substituição necessária”. Acto contínuo, José Eduardo dos Santos procurou inserir Angola no contexto internacional como se pode constatar no seguinte discurso: “foram levadas a cabo iniciativas diplomáticas para normalizar as relações da República Popular de Angola com o Senegal e com a República da China, para reforçar o prestígio e o conhecimento correcto da realidade nacional na Europa Ocidental e para diversificar e ampliar as relações económicas com todos os países de interesse com base na reciprocidade de vantagens” (1985). Estas palavras são tão abrangentes e actuais que deveriam servir de “linha de força” para a actuação do executivo no tange às relações exteriores.

Mas relativamente a Geopolítica e geoestratégia nacional, a Agenda Nacional de Consenso é o primeiro documento público que traz ao conhecimento de todos as regiões e os objectivos da política externa angolana tal como os princípios em que devem assentar as acções conducentes fins definidos. Relativamente a geopolítica/geoestratégia dispõem “ Angola pretende se afirmar como um parceiro económico privilegiado, permitindo a sua inserção na economia mundial. A participação activa nas questões relacionadas com a integração regional na África Austral a nível da SADC, na África Central (CEAAC), na região do Golfo da Guiné e a continuidade das relações no seio da CPLP”. Mas Angola está inserida nas dinâmicas da região dos Grandes Lagos, na Organização do Atlântico Sul, faz parte do Grupo de Países Não Alinhados, participa activamente organização PALOP, integra a União Africana e as Nações Unidas, estas Organizações e Comissões englobam todo o espaço geográfico planetário.

Os princípios norteadores estão estritamente ligados ao direito internacional tal como está disposto nos artigos 12º e 13º da Constituição da República. Quanto as estratégias, a Agenda Nacional de Consenso propõe o apoio aos grupos empresariais nacionais que operam para alem das fronteiras, o desenvolvimento de estratégias que vissem a afirmação do país no mercado mundial, o estabelecimento de parcerias com as organizações e blocos económicos regionais, o aproveitamento das sinergias provenientes das comunidades angolanas residentes no estrangeiro e de outras comunidades do mundo.


Angola deverá aumentar a sua participação no mercado mundial de energia, diversificar e conquistar novos nichos de mercado no comércio mundial, participando no seio das Organizações e Instituições que intervêm no Comercio Internacional. Para tal irá promover, incentivar e apoiar instituições nacionais vocacionadas para a realização de estudos e análises sobre questões de interesse nacional e internacional que permitam ao Estado o conhecimento antecipado e adequado de assuntos relevantes para o crescimento e desenvolvimento do país. A geopolítica e geoestratégia estão bem definidas agora há necessidade de implementação.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Diplomacia Económica Angolana

Diplomacia Económica Angolana

Por: Belarmino Van-Dúnem

Os Estados não são auto-suficientes, embora as grandes potências da actualidade tenham um passado de isolacionismo que lhe permitiu a organização interna que hoje constitui uma mais-valia na sua inserção na arena internacional. Os Estados Unidos da América, a China e em África a R. Sul-africana são exemplos excepcionais de desenvolvimento interno mesmo com as costas viradas do mundo exterior. Hodiernamente, não existem dúvidas que a interdependência entre os Estados é uma realidade inegável.
Até a década de 90, o principal pressuposto da política externa dos estados era o político, aliado a segurança. Todos estados preocupavam-se com a segurança, com as relações políticas entre si, os governos estava mais interessados em saber quem estavam do lado liberal e socialista e, através desta constatação, se definia que era parceiro e os outros era considerados inimigos, com os quais só interessava manter relações cordoais de não ingerência oficial nos assuntos internos de cada Estado. Mas factualmente cada bloco procurava enfraquecer e/ou destruir os Estados que mostrassem pertencer cada um dos blocos em competição. O fim do bloco socialista ou da URSS criou o ambiente propício para a globalização das relações internacionais com base nos pressupostos cultural, político, social, e sobretudo da segurança e económico.
A partir de 1990 os Estados foram confrontados com a santíssima trindade da globalização, nomeadamente a democratização, a privatização e a liberalização das economias nacionais. A maior parte dos Estados africanos, viveu experiencias novas nesses três aspectos, mas a principal consequência foi a abertura do mercado nacional que ditou o fim das industriais e de todo o tipo de comércio nacional que não estavam adaptados à concorrência. As empresas multinacionais não perderam tempo e evadiram os novos mercados, do ponto de vista político iniciou a era da nova diplomacia: A tecnologia passou a ser vista como um bem necessário, o consumo de produtos com base nas necessidades e no poder de compra do cliente também se implantou como um princípio universal.
A nova dinâmica fez emergir a diplomacia enquanto meio de relacionamento entre os sujeitos do direito internacional com vista a tratarem de assuntos de interesse mútuo por vias pacíficas. Mesmo os grupos beligerantes na Ásia, América Latina e em África têm participado com parceiros de várias empresas de extracção de produtos para a exportação, nomeadamente a madeira, bauxita, diamantes, ouro magnésio e sobretudo, o crude. A luta tem sido a de tentar impedir que essas relações se tornem estruturais, perpetuando os conflitos civis e todo o tipo de consequências subjacentes. Mas é um facto que na RDC, na Colômbia ou na Guatemala algumas empresas internacionais fazem o seu negócio a luz do dia e as exportações desses produtos para os seus países de origem no Ocidente beneficiam os grupos rebeldes que controlam vastas áreas dos territórios nacionais.
Não restam dúvidas que a economia está internacionalizada, há cada vez mais a necessidades de conquista de novos mercados, a manutenção dos que existiam e a capacitação de mercados emergentes através da criação de condições como a estruturação das instituições do Estado para possam acolher o investimento directo estrangeiro, a gestão da coisa pública e o aumento do poder de compra dos cidadãos cujo binómio bem-estar e mercado liberalizado é hoje consensual, ninguém fala de desenvolvimento sem pensar na economia global, na integração regional e na capacidade das empresas nacionais para fazer o contrabalanço para que se exporte mais e a importação seja apenas fruto da inserção do Estado na economia mundial.
A política externa do Estado tem como finalidade a influência, política, criação de imagem, a finalidade da segurança e económica (António M. Bessa 2001:84-103). Mas na actualidade os contactos entre os Estados feitos cada vez com a finalidade económica ou seja, na base de todo o relacionamento estão as vantagens comparativas e complementares e a todos querem ser mais competitivos que os outros. A maioria dos Estados fez da diplomacia económica como um objectivo estratégico nacional. O governo português através da Resolução do Conselho de Ministros nº 115/2006 definiu a diplomacia económica como: “ a actividade desenvolvida pelo Estado e seus institutos públicos fora do território nacional, no sentido de obter os contributos indispensáveis à aceleração do crescimento económico, à criação de um clima favorável à inovação e à tecnologia, bem como à criação de novos mercados e à geração de emprego de qualidade em Portugal”. Reconheço o avanço desta disposição, mas ela limita a diplomacia económica à um actor, o Estado.
A diplomacia económica é mais abrangente e envolve tanto as instituições públicas como as privadas, embora o Estado enquanto sujeito básico das Relações internacionais tem a primazia de abrir caminho para novos mercados, dar a conhecer as oportunidades existentes ao seu empresariado, cria linhas de crédito para o investimento no exterior e dentro do seu território, em fim fazer da sua economia a mais competitiva possível. No caso concreto de Angola, a Agenda Nacional de Consenso apresenta, no domínio regional, um conjunto de estratégias concretas, neste âmbito Angola pretende se afirmar como um parceiro económico privilegiado, permitindo a sua inserção na economia mundial. A participação activa nas questões relacionadas com a integração regional na África Austral a nível da SADC, na África Central (CEAAC), na região do Golfo da Guiné e a continuidade das relações no seio da CPLP aparecem como prioridade.

Brasil, China e Índia Timoneiros a Cooperação Sul-Sul

Brasil, China e Índia Timoneiros da Cooperação Sul-Sul

Por: Belarmino Van-Dúnem

Até aos meados da década de 90, a cooperação internacional era caracterizada pela triadização (Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão), o resto do globo estava a margem das transacções financeiras e comerciais internacionais. A maior parte dos Estados eram considerados países periféricos.
A transferência de tecnologia, a volatilidade dos capitais e a interdependência global que caracteriza a economia e as finanças na actualidade inseriram nos actores no panorama económico/financeiro, tornando-se referências incontornáveis. A produção toyotista acabou por sobrepor-se ao fordismo, os sistemas alfandegários tiveram que se adaptar a nova realidade porque a maior parte dos produtos é “made in world”. Está situação causou uma grande complexidade na determinação de critérios para a identificação da origem dos produtos.
O produto final é constituído por uma panóplia de componentes cuja origem é diversificada. A Índia, por exemplo, especializou-se na produção de componentes informáticos, a ponto de se transformar num dos principais fornecedores do mercado mundial, o mesmo acontece com muitos outros países da Ásia. Aquela região transformou-se no epicentro de produção tecnologia e concomitantemente praça financeira a nível mundial. Este facto, paradoxalmente, não significou a melhoria das condições de vida da população em geral. Pelo contrário, os técnicos altamente qualificados se transformaram em autênticos biscateiros, os empregos são caracterizados pela sua sazonalidade, os contractos são precários e firmados a partir da internet, facto que levou a desumanização do trabalho.
Mas não é apenas a indústria informática que se mudou para Ásia, embora os direitos das patentes continuem a pertencer aos países ocidentais que utilizam os Estados com economias emergentes para fugir aos altos impostos nos seus países de origem, a remuneração de salários condignos e de outras obrigações que podem ser resumidas na responsabilidade social que as empresas devem ter para com os seus trabalhadores. Portanto, os técnicos são contratados e despedidos de acordo com as flutuações do mercado, se há muitas encomendas há trabalho e salário, caso contrários os longos anos de especialização na universidade ficam invalidados. Esta realidade foi constatada pelos jornalistas HANS - PETER Martin e SCHUMANN (1996:113) no livro “A Armadilha da Globalização” onde afirmam que “o perigo de perder os postos de trabalho, a muito penetrou nas salas de empregados de escritório, e alcançou sectores que até aqui, eram os mais seguros da economia. Os empregados de uma vida inteira tornam-se biscates, e quem ainda ontem tinha uma profissão de futuro pode ver as suas capacidades tornarem-se saber inútil”. Isto só para realçar que o desenvolvimento pode não significar bem-estar.
A China transformou-se no principal mercado mundial e no maior pólo industrial do mundo. Triliões de dólares são transaccionados diariamente através das bolsas internacionais. Nos mercados financeiros internacionais não é possível fazer qualquer tipo de previsão da bolsa sem prestar atenção as bolsas asiáticas. O modelo de desenvolvimento chinês, embora suscite um debate muito forte, fez daquele país o principal parceiro económico dos países capitalistas e uma âncora económica para os países em vias de desenvolvimento com especial destaque para a África.
O Brasil que é considerado como um país do futuro cujo desenvolvimento também é bastante assinalável, também marcou passos importantes na cooperação com os Estados africanos. Ao contrário da China é da Índia vêem em África um mercado promissor e fazem da diplomacia económica o seu principal instrumento de relacionamento, o Brasil tem apostado mais numa política externa com base no pressuposto político e social. Nos dois mandatos do actual Presidente Luís Inácio Lula da Silva, África transformou-se numa placa giratório para os assuntos políticos onde o Brasil tem vindo a conquistar parcerias importantes, estando mesmos a cogitar um lugar hipotético no Conselho de Segurança da ONU caso este desidrato venha a se consumar. Alias do ponto de vista comparativo nenhum outro Estado tem grandes probabilidades de receber o apoio dos Estados africanos para ser eleito membro permanente do Conselho de Segurança caso este órgão seja alargado tornando-o mais representativo. O Presidente Lula viajou por África, está neste momento a fazer a sua última digressão pelo continente África e, como diplomacia não se faz sem dinheiro, as relações económicas do Brasil com África quadruplicaram nos últimos anos.
Portanto, a tríade dos Estados impulsionadores da cooperação Sul-Sul levaram à transformação do termo ao longo do tempo, todo no sentido de denominar os países que de uma forma ou de outra apresentam um desenvolvimento deficitário, alguns vêem o termo de uma maneira pejorativa e preferem adoptar outras nomenclaturas tais como: países em vias de desenvolvimento, países em desenvolvimento, países do sul, menos desenvolvidos, não industrializados, também já foram conhecidos por países não alinhados, que na verdade foi este o objectivo desses países, na sua primeira conferência em Bandung em 1955, e em Belgrado em 1961. Na actualidade a maior parte do Grupo teve um desenvolvimento enguiçado, mas a China, a Índia e o Brasil fizeram a diferença e o Norte vê no Sul um parceiro e não simplesmente como fundo para o fornecimento de matéria-prima, Todos os países do Sul eram caracterizados pelo crescimento demográfico muito elevado, analfabetismo da maior parte da população, trabalho infantil, nível de vida da da população baixo, no que diz respeito a economia, esses países são caracterizados pela falta de industrialização e pelo domínio do sector primário, mas a nova dinâmica da cooperação Sul-Sul poderá contornar essa realidade.

Democracia é Uma Faca de Dois Gumes

A Democracia é Uma Faca de Dois Gumes
Por: Belarmino Van-Dúnem
A partir da década de 90, a palavra de ordem no mundo era uma: Democratização, privatização e liberalização das economias nacionais. A filosofia do bem-estar social deixou de fazer sentido e o mote, segundo o qual, o mercado teria a capacidade de auto-regular-se através da concorrência em benefício do consumidor se afirmou definitivamente.
A planificação económica dos Estados passou a ser um procedimento retrógrado, só os que ainda resistiam com os resquícios do socialismo comunista é que teimavam em manter os programas económicos quinquenais e outras terminologias que davam pudor a qualquer intelectual que quisesse demonstrar que estava dentro da conjuntura mundial. No Ocidente a febre do consumismo era uma realidade cruel, várias famílias viviam e vivem através de planificações feitas pelos bancos que, por via das dívidas contraídas, auto-legitimam-se a controlar os rendimentos das famílias que ficaram dependentes para sempre.
No continente africano, a realidade era ambígua. A maior parte dos regimes políticos estava fragilizado e os líderes políticos procuraram a todo custo adaptar-se às novas exigências da conjuntura internacional. Nas fotografias dos bons governantes só apareciam aqueles que tivessem passado pelo crivo das eleições multipartidárias, mesmo os que colocavam o seu povo a votar debaixo do fogo cerrado também eram considerados heróis pela comunidade internacional, o mais importante é que os cidadãos coloquem um folheto a confirmar que estão dispostos a ser governados.
Os grupos internacionais deveriam determinar a lisura do pleito eleitoral. As declarações são sempre as mesmas: Se o regime no poder vencer houve fraude, as pessoas não votaram em consciência, os boletins de voto não eram suficientemente claros para que os cidadãos pudessem escolher quem de facto deve governar os seus destinos, os meios de comunicação foram parciais. Esse tipo de discurso era globalizador para os Estados africanos, mas mudava nos países onde os movimentos da oposição venciam, independentemente das circunstâncias da vitória, o Estado passava a ser considerado democrático e livre, mesmo com as pessoas a morrerem de fome.
Os Estados africanos ficaram entre a manutenção da ordem e a necessidade de cada grupo organizado sob várias capas actuarem livremente, fazendo política para aceder ao poder ou simplesmente através de uma pressão insuportável para repontar tudo que não se coadunasse com as novas formas de organização e governação. Boa gestão da coisa pública, direitos humanos, igualdade de género, liberdade de expressão, rotatividade na governação, direitos das crianças, direitos civis e politicas voltadas para os valores que vinham dos Estados que na altura eram considerados desenvolvidos. O desenvolvimento passou a ser a palavra de ordem, mas os Estados avançados depressa mostraram que não estavam dispostos a fazer a transferência de tecnologia e das verbas necessárias para que o bem-estar através do desenvolvimento fosse global.
A democratização dos regimes políticos trouxe concomitantemente a privatização e a liberalização dos mercados nacionais. A privatização teve dois efeitos imediatos: o primeiro foi a emergência de uma classe burguesa nacional nos países saídos do monopartidarismo, por outro lado, as companhias ocidentais aproveitaram para se instalar e monopolizar o comércio, aprofundando a dependência dos países do sul em relação ao norte.
A liberalização da economia escancarou as portas dos países em vias de desenvolvimento para entrada de todo o tipo de produtos acabados e com valor acrescentado para o norte. As poucas industrias que existiam, deixaram de funcionar por falta de manutenção porque a União Soviética pertencia ao passado e a Rússia estava a reorganizar-se internamente. Os preços das matérias-primas começaram são determinados pelas bolsas de valor que não existem em África, portanto os Estados vendem, mas não sabem quanto irão receber pelo produto, deste modo ficam impedidos de fazer a programação das suas economias de forma autónoma.
A crise na economia e o consequente agravamento da penúria da maior parte da população, provocou a emergência do fanatismo, nacionalismo, localismo, bairrismo, etnicismo, terrorismo e a proliferação dos grupos errantes como a máfia da droga, dumping, tráfico de influência, burla religiosa e lavagem de capital através de empresas fantasmas cuja localização é virtual. Os Estados em vias de desenvolvimento foram apanhados nessa teia sem qualquer possibilidade de apoio. Mas a insistência da comunidade internacional era tal que os regimes continuam a seguir com a implementação da democratização, privatização e liberalização nas suas políticas nacionais, como consequência eclodiram várias guerras civis, genocídios e o colapso de vários Estados. Actualmente, o discurso é outro, o Estado deve interferir na economia e controlar as liberdades que devem ter fronteiras em nome da segurança. O caso é tão grave que todos estamos de acordo que nos aeroportos as nossas coisas sejam vasculhadas, que as informações sobre o cidadão sejam minuciosamente analisadas e que os grupos com pendor exclusivista sejam limitados por lei.
Nas democracias ocidentais os grupos nacionalistas e conservadores estão a voltar ao poder através do voto popular. São sinais que nos fazem lembrar a euforia das democracias década de 30, cujas consequências foram nefastas para o mundo. É caso para dizer que a democracia é uma faca de dois gumes.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

DIREITO COMUNITÁRIO AFRICANO

DIREITO COMUNITÁRIO AFRICANO
Por: Belarmino Van-Dúnem
O Direito internacional público tem finalidade regular as relações entre os diferentes sujeitos do direito internacional com principal primazia para os Estados. Mas a grande controvérsia que existe é o facto de se tentar conciliar os interesses nacionais e os internacionais com base na reciprocidade e igualdade de direitos no seio da comunidade internacional.
As organizações internacionais supranacionais sobrepõem as suas prorrogativas aos Estados membros. Nestes casos, as leis internacionais vigoram automaticamente nos Estados membros caso sejam aprovadas pelos órgãos competentes para tal, o exemplo mais flagrante são as decisões saídas do Conselho de Segurança da ONU cuja natureza é vinculativa independentemente do que sujeito sobre o qual recaia a decisão ter ou não o sentimento de pertença à organização. Neste caso concreto, o próprio Conselho de Segurança carece de algumas reformas para se adaptar à nova conjuntura internacional que há muito ultrapassou o ambiente do pós 2ª guerra mundial em que surge o seu actual formato. A nível do continente africano, a União Africana é o exemplo mais acabado em termos de decisões com carácter supranacional. No seu artigo 4º (Princípios), alínea h “o direito da União intervir num Estado Membro em conformidade com uma decisão da Conferência em situações graves nomeadamente, crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade”, fica claro que os Estados membros da União Africana podem ser alvo de uma intervenção caso se encontrem perante uma das situações descritas pela norma exposta.
A decisão deve passar pela Conferência, fórum onde os Chefes de Estado e de Governo discutem e decidem as questões cadentes da organização. Partindo do princípio de que todos os Estados membros têm direito a estar representados na conferência, as decisões seriam vinculativas ou não dependendo do Estado membro que pode solicitar reservas com relação à uma determinada matéria. Mas o formato para a tomada de decisão acabam por vincular o Estado, independentemente deste solicitar reserva ou não.
Mas o artigo 7º (Decisões da Conferência), ponto 1, “A Conferência adopta as suas decisões por consenso ou, na falta deste, por uma maioria de dois terços dos Estados Membros da União. Contudo, as questões de procedimento, incluindo a questão de se saber se uma questão é ou não de procedimento são decididas por maioria simples”, neste artigo fica claro que a ausência de um determinado membro não significa que as decisões da Conferência não o vinculem, uma vez que a maioria de dois terços dos Estados membros da União pode adoptar uma decisão na ausência de consenso. A disposição vai mais longe ao determinar que as questões de procedimento são decididas por maioria simples, este facto pressupõe que os entreves ou boicotes provocados pelo impasse da votação por consenso em que a habitual sabedoria africana acaba sempre por prevalecer, o que equivale não tomar decisão.
O problema está nos mecanismo a disposição da organização para fazer cumprir as decisões da Conferência. Esta prorrogativa está exposta no artigo 23º (Imposição de Sanções), segundo o qual “A Conferência determina as sanções apropriadas a serem impostas a qualquer Estado Membro que não pague as suas contribuições para o Orçamento da União, como se segue: privação do direito de usar da palavra em reuniões, de votar, de apresentar candidatos para qualquer posição ou posto na União ou de beneficiar de qualquer actividade ou benefício daí resultante” ponto 1, o ponto seguinte determina que “Além disso, qualquer Estado Membro que não cumpra com as decisões e políticas da União pode ser sujeito a outras sanções tais como negação de laços de transportes e comunicações com outros Estados Membros e outras medidas de natureza política e económica a serem determinadas pela Conferência”. Portanto há uma vinculação directa e automática, ou seja, ao contrário do Direito internacional que carece de uma ratificação por parte dos Estados aderentes, o direito comunitário é automaticamente vinculativo. Infelizmente a nível do continente africano os mecanismos materiais são ineficientes, mas os políticos têm sortido bons efeitos.
No âmbito das Comunidades Económicas Regionais a situação é mais complexa porque as decisões são adoptadas por consenso e os Estados têm o direito de solicitar uma derrogação relativamente a uma determinada decisão. Mas, os Estados raramente conseguem separar as acções que decorrem no seu território, mas são comunitárias e ao abrigo das leis comunitárias, há necessidade de uma maior divulgação e sensibilização para que se possa ter em devida conta o direito comunitário africano.

terça-feira, 11 de maio de 2010

PRESSUPOTOS DA DIPLOMACIA ANGOLANA

PRESSUPOTOS DA DIPLOMACIA ANGOLANA
POR: Belarmino Van-Dúnem
A Diplomacia angolana tem se desenvolvido na base no direito internacional, fazendo uma junção entre o legado histórico do país, no pois independência, e no aproveitamento da conjuntura económica, nomeadamente da economia do petróleo, para se afirmar no concerto das Nações. Mas, no meu entender, existe um desequilíbrio entre o conjunto de pressupostos jurídicos e factuais.
A nível dos pressupostos jurídicos, o Estado angolano, enquanto personalidade jurídica internacional e sujeito do direito internacional tem o dever de participar activamente nos fóruns internacionais e pender a balança para o seu lado, tendo em vista dois objectivos estratégicos: o primeiro está relacionado com necessidade de aproveitar as vantagens comparativas e complementares junto de outros sujeitos e, em segundo lugar, sustentar ou garantir a manutenção e o incremento do prestígio adquirido ao longo dos últimos anos.
O artigo 12º da Constituição angolana estabelece os princípios nos quais o país assenta a sua política externa através da seguinte disposição: 1. A República de Angola respeita e aplica os princípios da Carta da Organização das Nações Unidas e da Carta da União Africana e estabelece relações de amizade e cooperação com todos os Estados e povos, na base dos seguintes princípios:
a)) Respeito pela soberania e independência nacional; b) Igualdade entre os Estados; c) Direito dos povos à autodeterminação e independência; d) Solução pacífica dos conflitos; e) Respeito dos direitos humanos; f) Não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados; g) Reciprocidade de vantagens; h) Repúdio e combate ao terrorismo, narcotráfico, racismo, corrupção e tráfico de seres e órgãos humanos; i) Cooperação com todos os povos para a paz, justiça e progresso da humanidade.
Os pontos 2 e 3 afirmam o princípio da liberdade dos povos disporem de si próprios e da valorização do modo de ser e de estar dos povos africanos. Deve-se destacar também o ponto 4 do mesmo artigo onde se afirma que: O Estado angolano não permite a instalação de bases militares estrangeiras no seu território, sem prejuízo da participação, no quadro das organizações regionais ou internacionais, em forças de manutenção da paz e em sistemas de cooperação militar e de segurança colectiva.
Estão dispostos todos os principios que permitem uma inserção positiva de Angola no Concerto das Nações. Mas a verdade é que a possibilidade de tirar vantagens em beneficio dos países só é possivel com a existencia de planos estratégicos adequados à conjuntura, realistas e com uma filosofia de medio/longo prazo.
O direito internacional geral ou comum faz parte integrante da ordem jurídica angolana (art. 13º, ponto 1), este facto não significa que o legislador teve a intenção de afirmar que aquelas normas fazem parte integrante da lei angolana, mas, admitindo que aquelas normas conservam a sua essência de princípios internacionais, então só prevalecem sobre as normas jurídicas internas que estão hierarquicamente abaixo da constituição, ou seja, o Direito interno infra-constitucional.
O ponto 2 (art. 13º) clarifica a intenção do legislador, no que concerne ao ponto 1 (art. 13º) ao estabelecer que: Os tratados e acordos internacionais regularmente aprovados ou ratificados, vigoram na ordem jurídica angolana após a sua publicação oficial e entrada em vigor na ordem jurídica internacional e enquanto vincularem internacionalmente o Estado angolano. Pressupõem-se que as leis do Direito Internacional Comum fazem parte integrante das Leis Ordinárias angolanas e prevalecem sobre elas enquanto permanecerem no ordenamento jurídico internacional, mas deixam de ser vinculativas caso o Estado soberanamente assim o determine (Belarmino Van-Dúnem 2009).
No que concerne aos pressupostos factuais (político, económico e cultural), Angola tem estado a desenvolver de forma positiva, sobretudo a nível económico e político, até porque esses dois pressupostos estão interdependentes um do outro. Relativamente à influência cultural os sinais ainda são ténues. Os aspectos culturais tais como as tradições, as artes plásticas, a música, a gastronomia, a literatura e a história de modo geral precisam de uma exploração mais ampla, podendo contribuir para colher a simpatia de outros povos e consequentemente tirar dai as vantagens necessárias. A existência do canal internacional da TPA, os sites que existem sobre o país e os vários contactos internacionais constituem avanços notáveis. Mas há necessidade de se fazer mais, sobretudo no trabalho com os órgãos de comunicação social internacionais ou globais.
Relativamente aos pressupostos jurídicos, enquanto membro com plenos direitos na SADC, CEEAC, Comissão do Golfo da Guiné, União Africana e Nações Unidas, existe a necessidade de uma maior intervenção, seguimento e aprofundamento de todos os dossiers dessas organizações, procurando ter mais eficiência e eficácia na sua inserção nessas organizações multilaterais. A nível das três Organizações Economicas Regionais e na Comissão do Golfo da Guiné, o prestigio e o poder de influência de Angola estão bem acautelados; Angola esta entre os maiores contribuintes e a sua participação é activa, embora falta a sagasidade dos técnicos para se tirar mais valias, como por exemplo, os aspectos técnicos, acompanhamento dos projectos economicos e sociais e melhor aproveitamento dos financiamentos alocados às organizações pelos parceiros para o desenvolvimento.
No que concerne à União Africana, Angola tem granjeado um grande prestígio político, a representação diplomática está bem entregue, mas a cobertura técnica ainda é deficiente. Por outro lado, a questão da cota angolana para o funcionamento geral da organização também precisa de uma actualização face a nova realidade política, económica e social do país, porque a influência nas decisões da organização dependem também do financiamento do estado membro para funcionamento geral da organização. Relativamente a ONU, sou de opinião, que falta apenas uma aposta no ingresso de quadros nacionais nas diversas Agencias que compõem aquela organização para que se possa fazer um melhor acompanhamento dos dossiers.
O artigo 121º da Constituição da República descreve as competências do Presidente da República nas Relações Internacionais: a) definir e dirigir a execução da política externa do Estado; b) representar o Estado; c)assinar e ratificar, consoante os casos, depois de aprovados, os tratados, convenções, acordos e outros instrumentos internacionais; d) nomear exonerar os embaixadores e designar os enviados extraordinários e; acreditar os representantes diplomáticos estrangeiros. Neste aspecto temos que ter a hombridade de reconhecer que um dos pivots da politica externa de Angola é Presidente José Eduardo dos Santos, tendo em conta o seu envolvimento durante o processo que culminou com o actual status de Angola na arena internacional e pela boa gestão que a presidência da República tem feito do capital político daquele órgão de soberania nacional. Uma grande parte das visitas oficiais que se fazem à Angola têm como objectivo, pelas declarações feitas e documentos assinados, colher a experiência da presidência da República de todo o processo de pacificação, reconciliação nacional, reinserção e unificação das Forças Armadas e, de modo geral, a estratégia de inserção de Angola no contexto das Nações.
Pode-se a afirmar, sem grandes constrangimentos, que Angola tem um grande potencial e apresenta passos significativos para se afirmar como uma potência no Continente africano e no mundo. Mas as acções projectadas e implementadas com base em pressupostos potenciais necessitam de uma efectivação rápida, ou seja, os instrumentos considerados como potência tem que se transformar em acto porque se não, se corre o risco de tornar o processo fragilizado e ser ultrapassados por outros sujeitos do direito internacional. Portanto, há um caminho a percorrer para efectivar todos os projectos que estão em cardeira, tal como os que decorrem para que Angola continue a dominar a Agenda politica africana e mundial.
Relativamente aos órgãos centrais a nível interno que directa ou indirectamente estão ligados à política externa há necessidade de um aperfeiçoamento e consciencialização. O técnico que viaja para o exterior em missão de serviço deve consciencializar-se que o cumprimento do seu dever esta acima de tudo e que no regresso é necessário que impere o sentimento de missão cumprida. Cada cidadão é uma imagem do Estado que representa. Mas, como diz o velho ditado, “diplomacia sem dinheiro é sinónimo de compromisso falhado”, os técnicos devem ser munidos com meios para fazer diplomacia, ou seja, para solicitar a solidariedade de uma determinada delegação, saber o posicionamento de um Estado, compreender as dinâmicas relativas à um dossier dominado por este ou aquele Estado e/ou grupo de Estados é necessário ter meios para viver e conviver em grupo, mas sem dinheiro isso não é possível.
Nesta ordem de ideias, as ajudas de custos deveriam atender a especificidade da missão, por um lado, por outro, as modalidades de atribuição também deveriam ser alvo de uma reflexão; por exemplo, acautelar o alojamento através das oficinas diplomáticas e consulares, evitando o livre arbítrio na escolha dos hotéis e hospedarias, algumas sem as condições de dignidade para um representante do Estado, seja a que nível for, o transporte para as reuniões, alimentação etc.. porque as vezes os técnicos preferem “poupar” ou fazer outro uso com as ajudas de custo do que aplicar para fins previstos. Os diplomatas no exterior devem ser alvo de um plano de rotatividade pré-estabelecida, o salário deve ser mantido e receberem um subsídio de deslocação no exterior, salvo se solicitarem a transferência do mesmo, evitando a desvinculação salarial tal como acontece actualmente, mas é no perfil que deve se centrar a estratégia. O actual Estatuto do diplomata constitui um instrumento a ser levado em conta, alias, tudo contribui para reforçar a política externa nacional.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO EM ÁFRICA

O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO EM ÁFRICA:
O INTERGOVERNAMENTALISMO PARA O FUNCIONALISMO
Por: Belarmino Van-Dúnem
O processo de integração regional em África está numa fase decisiva do ponto de vista político, mas no que concerne aos aspectos técnicos e económicos ainda existe um longo caminho a percorrer.
A ideia de uma África unida é antiga, desde os Panafricanistas cujo objectivo era a solidariedade e unidade africana através de um projecto de desenvolvimento económico e social que permitisse a reconquista dos recursos do continente e as capacidades humanas para o bem-estar das suas populações. A solidariedade apregoada desde os anos 50 teve um grande impacte na luta contra a escravatura e passou, mais tarde, na junção de esforços para libertação contra o jugo colonial, atingindo o auge através da criação da OUA, actual União Africana.
Os pioneiros do panafricanismo do séc. XIX, princípios do Séc. XX tal como William Edward Burghardt Du Bois, Marcus Garvei, Henry Sylvester Wllliam e Kwame Nkrumah (único africano nativo) tinham ideias dogmáticas, desfasadas da realidade corrente e dos objectivos tangíveis que cada um dos povos no interior dos territórios colonizados preconizava. Porque se existia consenso sobre a necessidade de libertar os povos africanos e se evoluir para à igualdade de direitos, independentemente da raça, cor, origem ou credo religioso, o mesmo não se pode dizer da possibilidade dos africanos coabitarem numa nação política continental.
O panafricanismo dos africanos nativos afasta-se do idealismo utópico dos precursores afro-americanos e do Caribe. Em África houve contornos revisionistas, ou seja, a maior parte dos precursores não reclama uma igualdade de direitos de cidadania, mas a emancipação dos povos africanos, a autodeterminação, enfim, a independência dos nativos e dos territórios do continente. Portanto, o panafricanismo em África transformou-se em luta anti-colonial, em nacionalismo ao contrário do que acontecia com os afro-americanos que reclamavam inclusão e igualdade de tratamento.
Há uma evolução política/ideológica na passagem do panafricanismo dos afro-americanos para o continente africano propriamente dito. No continente africano, numa primeira fase, existiram pretensões federalistas, tais como o movimento panafricanista de Namdi Azikiwe que criou “o Concelho Nacional da Nigéria e dos Camarões” (NCNC), posso também citar o modelo do “Convention People Party” dirigida por Nkrumah, que embora estevesse limitado ao Gana, se inscreveu com o status de uma realização imperiosa para “criação de uma federação do Oeste africano”, a primeira etapa da via para o panafricanismo (Zerbo 2004:16). Mas posso acrescentar ainda, o Movimento panafricano para a Libertação da África do Leste e Central (Panafrican Freedom Movement for East and Central África – PAFMECA).
A euforia apoderou-se dos intelectuais africanos que fizeram do panafricanismo um movimento de vanguarda: Sékou Touré (Guiné); Jomo Kenyatta (Kennya); Modibo Keita (Mali) e; Gamel Abd El Nasser (Egipto) impulsionaram o movimento e reivindicaram a independência de todos os territórios africanos, perspectivando uma unidade federal do continente. Neste sentido, foi realizada a conferência de Accra de 15 a 22 de Abril e de 6 a 13 de Dezembro de 1958, onde se idealizou uma federação multinacional dos Povos com base na igualdade e nas solidariedade panafricanista: o Congresso Constitutivo do PRA (Parti du Regroupement african), reunidos em Cotonou, de 25 a 27 de Julho, forjou o método e a base para a unidade africana. As premissas principais passavam pelo protesto contra a dominação política, jurídica, intelectual e moral da Europa. As reivindicações centravam-se na conquista da independência, direito ao desenvolvimento e ao não-alinhamento. Facto que pode ser constado nas conclusões da Conferência de Bandung de 1955:
a) Respeito pelos direitos fundamentais do homem;
b) Respeito pela soberania e integridade territorial e todas as nações;
c) Reconhecimento de igualdade entre todas as raças e todas as nações, grandes ou pequenas;
d) Não ingerência dos assuntos interno dos outros estados;
e) Abstenção do recurso de mecanismo de defesa colectiva com vista servir os interesses particulares de nenhuma das grandes potências;
f) Abstenção, por parte de todos os estados, de exercer pressão outros Estados e;
g) Regularização de todas as disputas por meios pacíficos.
A partir dessa altura, começaram a emergir os movimentos de independência. Uns com ideias federalistas e outros primando pelo nacionalismo nu e cru, e foi esta a ideia que ganhou mais respaldo, aliás alguns Estados chegaram e chegam a confrontar-se com os seus vizinhos reclamando esta ou aquela parcela de território, o que contraria o espírito do integracionismo que é apregoado politicamente.
A questão da integração continental em África teve debates acesos nos anos 60, mas só atingiu o peak nos anos 70/80 com a Conferência de Monrovia, Libéria onde os líderes africanos reclamaram a independência económica do continente e foi neste Simpósio em que foi preparado o famoso Plano de Acção de Lagos, culminando com o Tratado de Abuja. Estas conferências constituem os marcos do processo de integração em África.
O plano de Acção de Lagos aprovou a planificação Económica do continente, visando a intensificação da cooperação regional e continental. O Tratado de Abuja estabeleceu a Comunidade Económica de África. Fixou-se um deadline de 30 a 39 anos para se completar o processo divididos em seis etapas. Até a data estão criadas as Organizações Económicas Regionais, a União Africana tem dados passos no sentido de chegar ao Governo da União Africana, mas no terreno ainda existem grandes debilidades, não há trocas comerciais, não existem infra-estruturas, os técnicos são pouco experimentados e, maioritariamente, sem formação específica e, o mais assinalável é que todas as organizações regionais africanas são do tipo intergovermentalistas, ou seja, os processos de integração dependem mais dos planos e perspectivas das políticas e dos políticos de cada Estado membro. Os Secretariados são meros executores, mas nos EUA e na União Europeia o processo foi do tipo funcionalista, onde os argumentos técnicos tiveram mais peso do que os políticos.
Por exemplo, o Secretariado da SADC aparece com o “principal órgão executor da instituição, responsável pela planificação e gestação estratégica dos programas, implementação das políticas e das decisões dos órgãos políticos e das instituições da SADC, tais como da Cimeira, do Conselho de Ministros e da Troika”. Enquanto a CEEAC define o Secretariado Geral como o órgão executor das decisões e directrizes da Conferência tal como as recomendações do Conselho de Ministro. Como se pode constar os Secretariados dessas duas organizações de Integração Económica Regional, de que Angola é membro com plenos direitos, são meros executores das decisões políticas sem qualquer autonomia para dinamizar os processos de integração. Há necessidade de se fazer a junção entre o processo intergovernamental e o funcionalista onde os aspectos técnicos possam sobrepor-se e orientar algumas decisões políticas.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

GUINÉ-BISSAU DÉJÁ VU – UMA CRISE HÁ MUITO ESPERADA

DÉJÀ VU NA GUINÉ-BISSAU – UMA CRISE HÁ MUITO ESPERADA
Por: Belarmino Van-Dúnem
“O Zamora há muito queria eliminar Nino Vieira, como já tinha conseguido eliminar Ansumane Mané (ex-lider da Junta Militar que derrubou Nino Vieira em 1999). Cadogo (Carlos Gomes Junior) não se sentia a vontade com Tagme Na Waié (ex-Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas)”. Estas foram as declarações que o ex Primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Francisco Fadul, fez em Abril de 2009, quando se deslocou à Lisboa em tratamento médico.
Francisco Fadul foi alvo de agressões físicas por parte de pessoas desconhecidas que usavam uniforme das Forças Armadas. O ex Primeiro-ministro, então Presidente do Tribunal de Contas da Guiné-Bissau declarou que o Primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior estava nas mãos dos militares, afirmação que lhe valeram uma surra na sua própria casa. Mas a julgar pelos últimos acontecimentos, parece que Fadul tinha razão. No passado dia 25 de Março de 2010, a Guiné-Bissau foi notícia pelas mesmas razões de sempre: os militares desentenderam-se e as consequências afectaram directamente o poder político democratamente instituído, apesar de todas as debilidades que se podem apontar.
A pressão de Zamora Induta e do Primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior estavam na forja desde Agosto de 2008 altura em que o contra-almirante Bobu Na Tchuto foi acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado contra o ex Presidente Nino Vieira, mas já pesavam sobre contra-almirante, chefe do estado-maior da marinha acusações de tráfico de droga e de influência. Pouco mais de um ano de asilo na Gâmbia, Bubo Na Tchuto voltou clandestinamente ao seu país e refugiou-se na sede das Nações Unidas daquele Estado aos 28 de Dezembro de 2009. Nessa altura o panorama político na Guiné-Bissau já era outro e Na Tchuto aproveitou para se fazer presente e reclamar o poder no seio das forças armadas.
No dia 2 de Março de 2009, Nino Vieira foi barbaramente assassinado por um grupo de militares que o acusavam de ser o mentor do atentado no quartel do Estado Maior General algumas horas antes e que vitimou Tagmé Na Waié que foi a terceira vítima mortal naquele posto das forças armadas guineenses. O desaparecimento físico do Chefe do Estado Maior General trouxe, mais uma vez, a ribalta Zamora Induta que se desdobrou em entrevistas para dizer que Nino merecia a morte, mas o Chefe do Estado Maior foi injustamente assassinado, mas poucos ficaram convencidos.
No passado dia 25 de Março 2010 foram detidos Zamora e Carlos Gomes Júnior, tudo seria novidade se a situação fosse nova. Mas foi Na Tchuto que saiu da sede das Nações Unidas para reclamar justiça. Quem tem razão nesta novela de camaradas de caserna e de partido. Zamora é a memória histórica de todas as convulsões políticas na Guiné-Bissau desde 1998/99 onde aparece como porta-voz da Junta Militar que derrubou Nino Vieira, levando-o para asilo em Portugal onde se preparou para voltar ao poder em 2005.
Zamora Induta esteve presente no fim trágico do antigo combatente e CEMGFA (Chefe do Estado Maior Geral das Forças Armadas) Ansumane Mané que desafiava o Presidente da República Kumba Yala que, por sua vez, ordenou a morte de Ansumane em Outubro de 2000 quando o Mais Velho, tentava liderar mais um levantamento militar. Tagme Na Waié era um dos principais colaboradores do seu contemporâneo Ansumane, por esta razão foi afastado das lides castrenses durante dois anos.
Mas rapidamente reapareceu ao lado de Veríssimo Correia Seabra que derrubou o regime de Yala em 2003. O CEMGFA viu a sua glória pouco menos de um ano, até que em Março de 2004 foi morto pelos seus subordinados, assim subiu ao cargo Tagme Na Waié. De morte em morte ia surgindo Zamora Induta que foi reconfirmado no cargo de CEMGFA em Outubro de 2009. Depois de estar interinamente a dirigir as forças armadas desde Março de 2009 na sequência da Morte de Tagme.
Se Zamora Induta é suspeito por ter estado pressente nos acontecimentos da Guiné-Bissau desde o conflito de 1998/99, o que dizer do Primeiro-ministro Carlos Gomes. Não se trata de um simples cidadão que surge para disputar o poder político. Antes da queda de Nino Vieira e consequente asilo em Portugal, Carlos Gomes era uma espécie de procurador do Presidente, cuidava dos negócios e dos assuntos pessoais, chegaram a ser uma espécie de sócios, alias, o pai do actual Primeiro-ministro foi um comerciante bem sucedido na Guiné-Bissau e é sob a capa de herdeiro que o Primeiro-ministro justifica a sua riqueza.
Durante a ausência do Presidente Nino, Carlos Gomes Júnior apropriou-se de todos os bens do seu sócio, ao ponto do Presidente Nino Vieira ter reclamado, numa entrevista pública, a residência do Primeiro-ministro, alegando ser do seu filho. Nino foi mais longe e acusou o seu antigo camarada de Gatuno e traidor. As desavenças eram tantas que Nino Vieira chegou mesmo a destituir Carlos Gomes do Cargo de Primeiro-ministro e nomeou um governo de unidade Nacional. Portanto, havia razões para que Carlos Gomes Júnior se visse livre do então Presidente da República.
As declarações de António Indjai e Bubo Na Tchuto mostram que houve uma espécie de aliança entre Zamora e Carlos Gomes Júnior para afastarem os respectivos adversários. Porque Carlos Gomes apresentou um outro candidato para as Presidenciais e Malam Bacai Sanhá por um triz não ficou de fora da corrida eleitoral ao lado do PAIGC que sempre o apoiou nas derrotas que teve nos pleitos anteriores.
Os últimos acontecimentos foram menos graves. Não houve mortes e a pressão interna e externa foi tenta que o Primeiro-ministro aparece como vítima da desorganização das Forças Armadas e Zamora Induta está a ser tratado com todo o respeito que lhe é merecido. Os principais actores das pressões já pediram desculpas ao povo guineense e à sociedade civil pelo excesso nas declarações durante a detenção dos dois dirigentes. Mas me parece que o feitiço poderá sair contra o feiticeiro, ou seja, o tiro vai sair pela culatra, porque se Na Tchuto conseguiu liderar todo este alvoroço a partir da sede da ONU com o auxílio do vice-Chefe do EMGFA, António Indjai será que Zamora Induta não conseguirá fazer o mesmo a partir da cadeia e com o apoio do Primeiro-ministro que, tudo indica irá permanecer no cargo.
O poder já mais será o mesmo na Guiné porque o Presidente Malam Bacai Sanhá mostrou que não morre de amores pelo Primeiro-ministro ao colocar-se à margem de toda a crise, tendo mesmo dito que tudo estava normal e que era um desentendimento dos militares, quando o Primeiro-ministro estava detido. Numa reviravolta da situação os estilhaços podem chegar até ao Palácio de Bissau.


terça-feira, 6 de abril de 2010

Estatuto do Cidadão Lusófono e as suas implicações

 Estatuto do Cidadão Lusófono e as suas implicações

30 de Março de 2010

O projecto de Estatuto do Cidadão Lusófono, assim conhecido pelo grande público, denomina-se, na verdade, Cidadania e Circulação no Espaço da CPLP. Este projecto foi discutido, pela primeira vez, na II Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Julho de 1998. Nessa altura, foi adoptada uma resolução sobre cidadania e circulação de pessoas, tal como a criação de um grupo de trabalho para que se pudesse avançar para o Estatuto do cidadão Lusófono. Passaram quatro anos, até que na Cimeira de Brasília, em 2002, os Chefes de Estado e de Governo assinaram acordos sobre circulação no espaço da CPLP: 1 - Acordo sobre a Concessão de Vistos de Múltiplas Entradas para Determinadas Categorias de Pessoas, nacionais da CPLP; 2 - Acordo sobre Estabelecimento de Requisitos Comuns Máximos para a Instrução de Processos de Visto de Curta Duração; 3 - Acordo sobre Concessão de Visto Temporário para Tratamento Médico a Cidadãos da CPLP; 4 - Acordo sobre Isenção de Taxas e Emolumentos devidos à Emissão e Renovação de Autorizações de Residência para os Cidadãos da CPLP; 5 - Acordo sobre Estabelecimento de Balcões Específicos nos Postos de Entrada e Saída para o Atendimento de Cidadãos da CPLP; 6 - Acordo sobre a Concessão de Visto para Estudantes Nacionais dos Estados Membros da CPLP e; 7 - Acordo de Cooperação Consular entre os Estados-Membros CPLP. Nem todos Estados ratificaram os acordos aqui mencionados. Os cinco acordos de circulação mais os dois complementares, nomeadamente os acordos 4 e 7, neste artigo, constituem passos importantes rumo à adopção do Estatuto do cidadão lusófono. Mas o Estatuto propriamente dito não foi adoptado na Cimeira de Brasília, porque Angola e Moçambique manifestaram reticências. Passados quatro anos, a questão do Estatuto veio, mais uma vez, à ordem do dia na Cimeira da Guiné-Bissau em 2006. A maior parte dos Estados da comunidade dos Países de Língua Portuguesa terá muita dificuldade em aplicar o Estatuto com a abrangência com que o mesmo se apresenta por várias razões: a) O artigo 1º que apresenta o cidadão lusófono como o “Nacional de qualquer Estado Membros (artigo 1º, ponto 1)” e ressalva, no ponto 3, que não se aplicam ao cidadão lusófono os direitos que as Constituições de cada Estado-Membro reservam exclusivamente aos seus nacionais e os direitos inerentes a processos de integração regional. Neste caso, procura-se salvaguardar as questões ligadas à integração que cada Estado-Membro está a desenvolver, mas parece-me que o Governo português foi aquele que mais se bateu por esta cláusula, atendendo aos avanços existentes a nível do processo de integração na União Europeia, que se encontra na última fase e consiste na união política, há uma incompatibilidade entre o cidadão com direitos meramente portugueses e os cidadãos portugueses com direitos europeus. Ou seja, haveria cidadãos cujos direitos ficariam limitados ao território português e o que fazer aos cidadãos lusófonos que sejam hipoteticamente eleitos.Mas este artigo traz consigo outra limitação que deixa o estatuto a quem de uma verdadeira cidadania num determinado espaço, ao determinar que exceptuam-se os direitos exclusivamente reservados aos cidadãos nacionais dos Estados-Membros pelas respectivas Constituições. Seria mais proactivo deixar em aberto que os Estados-Membros fizessem emendas nas suas constituições caso ratificassem o estatuto. b O artigo 2º restringe ainda mais a abrangência do cidadão lusófono ao dispor que o estatuto do cidadão da CPLP será aplicado: 1 - “Aos cidadãos da CPLP portadores de um título de residência emitido por um dos outros Estados-Membros, será reconhecido Estatuto de Cidadão da CPLP pelas autoridades competentes desse Estado”. Quer dizer que só usufrui do estatuto de cidadão lusófono quem tiver o título de residência num dos Estados-Membros da comunidade, neste caso a maior parte dos cidadãos da comunidade está excluída do estatuto, isso por um lado, mas, por outro, os Estados com uma grande comunidade na diáspora verão os direitos dos seus cidadãos nacionais bem protegidos, portanto estarão em maior vantagem como veremos no parágrafo seguinte no que concerne aos direitos atribuídos. c O artigo 3º confere os seguintes direitos políticos ao portador do estatuto do cidadão lusófono: “O cidadão da CPLP, tal como definido no artigo 2.º da presente Convenção, gozará de capacidade eleitoral activa e passiva e demais direitos políticos, nos termos de acordo bilateral ou multilateral subscrito pelos respectivos Estados-Membros, se for o caso, bem como o direito de exercer a actividade política conexa com a sua capacidade eleitoral, em partido político nacional, do Estado em que resida”. Aqui entramos nas limitações que o artigo 1º apresenta: na maior parte dos casos, a capacidade de voto é reservada aos cidadãos nacionais pela Constituição, salvo algumas excepções para as eleições autárquicas nos Estados onde elas existem, mas o artigo 3º não faz menção a este facto, deixando em aberto o que pressupõe que os acordos podem ser mais abrangentes. O maior problema no exercício da capacidade de voto prende-se com o facto dos Estados com mais população emigrante, com a população mais escolarizada e com maior densidade demográfica terem sempre vantagens acrescidas com a aplicação deste artigo. Por outro lado, se fizermos uma análise comparativa da possibilidade de um cidadão lusófono exercer actividade política, eleger e ser eleito, tal como deixa em aberto o artigo, chegaremos à conclusão de que um cidadão proveniente dos Estados menos desenvolvido ser eleito, por exemplo, no Brasil ou em Portugal será uma efeméride, o mesmo acontecerá com a questão do exercício de funções no sector público em paridade com os cidadãos nacionais. Não sei se o contrário será verdadeiro.Esta mesma análise pode ser feita ao direito à propriedade privada (artigo 6º) tal como a protecção do Investimento (artigo 7º), onde os cidadãos lusófonos usufruem dos mesmos direitos e obrigações que os cidadãos nacionais do Estados onde estiverem na qualidade de cidadão residente. Os Estados com uma classe média afirmada e eficiente irão afogar as economias dos pequenos e médios comerciantes nacionais. Mais uma vez me parece que Portugal e o Brasil estarão em vantagem, embora Angola apareça, neste caso, em terceiro lugar, mas será? Na última Assembleia parlamentar da CPLP, os Estados não conseguiram o consenso.Tendo em conta os oito Estados da CPLP, situados em quatro continentes e com níveis de desenvolvimento profundamente diferentes parece-me que a comunidade deveria deixar a questão da cidadania fora dos seus objectivos e tratar simplesmente da circulação de pessoas e bens na base de acordos bilaterais, porque a nível multilateral me parece pura utopia. Sem esquecer o desenvolvimento da língua portuguesa que está num autêntico marasmo, ultrapassada pelo inglês e pelo francês.

quarta-feira, 10 de março de 2010

LUANDA: CIDADE COSMOPOLITA

LUANDA: CIDADE COSMOPOLITA

Por: Belarmino Van-Dúnem

A província de Luanda transformou-se, nos últimos anos, numa verdadeira capital nacional. Durante o conflito armado muitos cidadãos nacionais deixaram a terra natal para fixar residência na capital do país, mas com o fim da guerra, a densidade populacional aumentou ainda mais, tanto pela afluência de angolanos de outras províncias que até a data estavam impedidos de circular, como de cidadãos estrangeiros que aportam à esta cidade para prestar serviços e/ou a procura de oportunidades de trabalho.
A cidade de Luanda está transformada numa verdadeira cidade cosmopolita, africanos, asiáticos, latino-americanos, ocidentais, orientais, da Europa do leste, todos andamos aqui às cotoveladas. Cada grupo especializou-se numa determinada área: os asiáticos, com destaque para os chineses estão especializados na construção civil e no comércio a grosso e a retalho; os orientais estão ligados ao comércio, liderando os famosos armazéns, onde a população encontra um pouco de tudo e para todos os bolsos. Os africanos de expressão francesa e inglesa, com a particularidade de praticarem o islamismo tal como os orientais dos armazéns, dedicam-se ao comércio de bens alimentares com as famosas cantinas que proliferam por toda a cidade. Desde a Baixa de Luanda até ao interior dos bairros mais problemáticos, há sempre várias cantinas onde há de tudo, menos bebidas alcoólicas e tabaco. Os ocidentais, ingleses e franceses estão ligados a exploração petrolífera sobretudo, os portugueses por seu lado, estão em quase todos os ramos: desde construção civil, passando pela hotelaria, comércio, ensino, sector bancário até à prestação de serviços nas mais diversas áreas, com destaque para aqueles que nascerem em Angola, mas saíram do país antes da independência e, por via da lei da nacionalidade também são angolanos, agora, em tempo de paz, têm emprestado a sua competência ao país, embora muitos tenham regressado devido à crise que existe na metrópole; os brasileiros também estão presentes nas mais diversas áreas, destacando-se na liderança de igrejas evangélicas, onde ocorrem centenas de cidadãos nacionais, tudo que parece pecado está amarrado. Existem ainda outros sob grupos que passam despercebidos ao cidadão comum, mas estão bem enraizados em termos comerciais. Os africanos de expressão portuguesa também estão presentes, mas passam relativamente despercebidos, constituem também uma espécie de angolanos, ninguém dá por eles, excepto se estiver em contacto directo. Portanto, Angola e Luanda, em particular, transformou-se num espaço cosmopolita, com uma dinâmica social excepcionalmente frenética.
A cidade não dorme, há sempre alguém a deambular pelas avenidas, alguns grupos sociais estendem as conversas até a madrugada, na baixa de Luanda e noutras artérias da cidade pode-se encontrar tanto executivos que procuram fazer encontros de negócios ou simplesmente divertir-se das mais diversas maneiras, mas também estão presentes os guardadores de carros que de forma ilícita vão cobrando taxas de estacionamento à todos, na baixa e na ilha também marcam presença constante as trabalhadoras do sexo que volta e meia são detidas pela policia, mas os cobradoras de imposto de estacionamento têm passado impunes e todos nós já pagamos a taxa que vária em função do tipo de carro com que nos fazemos acompanhar, mas conta também o vestuário, se formos chamados de cota, padrinho, papoite ou pai-grande, então os preços são exorbitantes, para os cidadãos ocidentais ou quem aparente ser, o preço é sempre alto.
As zonas periféricas ao centro da cidade são autênticos dormitórios, nas primeiras horas da manhã, a procissão começa em direcção ao mesmo local. O tráfico é infernal, o stress começa, ninguém consegue explicar de onde sai e para onde vão tantos veículos e motociclos. A situação se torna caótica quando acontecem imprevistos: carros que avariam, camiões com carga pesada, funerais e executivos, factores que fazem tudo parar; Os responsáveis pela limpeza da cidade também dão o seu contributo para a situação porque em plena hora de ponta colocam cones no meio das vias que já estão sobrecarregadas para juntarem a área que ali se encontra. A polícia de trânsito tenta fazer a sua parte, mas quando uma estrada concebida para duas faixas é transformada em 4 a 5 faixas num só sentido, nada é possível.
Os primeiros funcionários, vindos dos arredores da cidade, começam a chegar no CBD (Central Business Service) a partir das 4 horas da madrugada e, é então que a realidade da falta de prestação de serviços e desadequação da cidade de Luanda se faz sentir. Todos os cafés, pastelarias, hotéis, bares e snack-bares, lojas e instituições estão fechadas, ainda que o cidadão queira atender ao chamamento da natureza, em qualquer um dos sentidos, não existem latrinas, lavabos ou outro tipo de compartimento que sirvam para esses fins.
A partir das 7h:30 minutos começam as longas filas nos cafés. O atendimento é péssimo, os preços exagerados, o pequeno-almoço, vulgo, mata-bicho, não fica menos de mil kwanzas. Os bares são raros, para o almoço também existem filas enormes, chegando mesmo entre 30 e 50 pessoas a espera. As cresces também abrem as 7 horas, por esta razão, não é raro ver crianças a dormir nos automóveis ou pais com os filhos em frente as instituições de ensino.
A solução parece fácil, abrir estabelecimentos que satisfaçam essa realidade, mas não é fácil compreender como é que os empresários não vislumbram a oportunidade de negócio que estão a perder face à essa necessidade de todos nós.
Os locais de lazer também são inexistentes, apesar de algumas praças que vão surgindo, para quem está no CBD, antes do horário de trabalho, fica obrigado a permanecer na viatura ou encostado na parede ao relento. A madrugada, o estacionamento na berma das estradas é fácil, mas a partir das 6:30, o espaço fica raro e os passeios servem para colocar os carros, facto que leva os piões a utilizarem as estradas para se deslocar, inclusive fazem ultrapassagem aos automóveis porque esses ficam imobilizados devido ao engarrafamento que só fica atenuado durante nos fins-de-semana.
Nos fins-de-semana o problema da prestação de serviços agrava-se ainda mais, dois ou três bares ficam abertos, não há lojas a cidade fica às moscas, a ilha e as zonas periféricas ficam empilhas de pessoas, para um almoço faz-se bicha.
Há urgência em incentivar o ramo da hotelaria na cidade de Luanda, o arrendamento de estabelecimentos para os fins em défice tem que ser facilitado ou subsidiados, é preciso descentralizar os serviços para evitar a afluência ao CBD e a formação na área hoteleira tem que ser intensificada, até coloca-se a possibilidade de se impor horários de abertura e fecho para satisfazer as necessidade da cidade.
A cidade de Luanda cresceu geograficamente e do ponto de vista demográfico, mas a prestação de serviços e de infra-estruturas hoteleiras e similares estão claramente em défice. Na primeira fase, o Estado tem que tomar a liderança do processo porque estamos perante a letargia dos empresários que não vêem as oportunidades de negocio por um lado, por outro, só pensam no lucro que até gora se consegue com alguma facilidade devido aos preços praticados e a falta de concorrência que se verifica nesses ramos, há um certo comodismo. Caso não se resolva a situação com brevidade, a curto/médio prazo teremos uma sociedade composta por indivíduos stressados e com pouca produtividade, alias, hoje já se põem em causa a produtividade dos funcionários devido ao ambiente que se tornou a cidade de Luanda.
Dá dó, ver as pessoas inertes no transito, dirigentes com compromisso de Estado sem espaço para passar, apesar das serenes, estafetas arriscando a vida em motociclos para chegar ao destino com pontualidade, alguns executivos também optaram por motociclos, tornando-se autênticos malabaristas no ziguezague entre os carros. Façam alguma coisa por Luanda se faz favor!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

COTE D`IVOIRE: O LEGADO DE HOUPHOUET-BOIGNY

COTE D`IVOIRE: O LEGADO DE HOUPHOUET-BOIGNY
Por: Belarmino Van-Dúnem

A Cote D´Ivoire situa-se na região do Golfo da Guiné, com cerca de 322.463 Km2, ao norte faz fronteira com Mali e Burkina-Faso, ao Sul é banhada pelo Oceano Atlântico, a Leste com o Gana e a Oeste com a Guine e a Libéria. Está dividida em duas grandes regiões naturais: o Sul mais chuvoso e coberto por uma densa selva tropical, possui grandes plantações de produto de exportação (café, cacau e banana), nesta região encontram-se instaladas várias empresas estrangeiras; o Norte, planalto granítico, é coberto de savanas, onde pequenos proprietários cultivam sorgo, milho e amendoim. São essas potencialidades agrícolas que fizeram da Cote D´Ivoire um país de imigração desde a chegada dos europeus.
As divisões étnicas e suas complexidades constituem o cerne da crise que assola o país. Porque o aproveitamento politico das clivagens étnicas/sociológicas é uma constante, mas o principal mentor da situação actual é, sem sobra de dúvidas, aquele que também é considerado pai da Nação Ivoiriense, Félix Houphouet-Boigny. A população está inserida em quatros grupos principais subdivididos em outros grupos menores, autentico cocktail étnico/linguístico propenso à manipulações:
1- Na região de Sudoeste, existe o grande grupo Akan, cujas populações constituintes são provenientes do este, do actual Gana, considerados primos dos Ashanti e dos Fanti, vindos em muitas migrações entre 1690 e 1740; os Baule que procedem do oeste pelos Abron e os Anyi; outros pequenos grupos denominados lacunares ou Akan meridionais e também Abidjan, são de origens diversas, provenientes na maioria do leste; os Akan de origem ou assimilados, cujas designações iniciam todas por A: Adioukrou e Abidji( só estes vieram do oeste), Attié, Abbey, Avikam, Alladian, Ébrié, Abouré, Éhotilé e Nzima ou Appoloniens e ainda mais três ou quatro.
2- No sudoeste as populações são oriundas da Libéria e da Guiné, o grupo Krou, que é composto pelos Krou própriamente ditos, os Bakwé, os Godié, os Gueré e os Wobé ( que constituem o conjunto dos Wé), os Beté e os seus primos Dida, todos particularmente habitantes das florestas ( com excepção dos Krou da costa ).
3- No Noroeste do país bem como no centro, instalaram-se os Mandinga/Malinké própriamente ditos e os Mandé meridionais: Dan ou Yakouba, Toura, Gagou ou Gban e Gouro ou Kouéni.
4- Em torno dos enclaves malinké estão fixadas as etnias do grupo Voltaique; os Sénoufo (agricultores sólidos e pacíficos); a nordeste, os Koulango ou Dangoba, vindos do leste e os Lobi, grupo arcaico marginalizado há bastante tempo (Philippe David 1986:16-35).
As sucessivas crises políticas que a Cote D´Ivoire tem conhecido ao longo da sua história, sobretudo depois da independência, são um exemplo claro dos problemas étnicos e da imigração descontrolada que atravessa quase todo continente africano. Vejamos a descrição histórica da crise política/militar que o país atravessa.
A rebelião que se passou na Costa do Marfim a 19 de Setembro de 2002 é corolário das diversas crises étnicas/políticas que tem afectado a sociedade ivoirense. Segundo diversos autores desde a independência, o Estado ivoiriense nunca foi verdadeiramente nacional e democrático. Os sucessivos governos que se foram tiveram sempre na sua base critérios étnicos, facto que tem levado a exclusão e, consequentemente o descontentamento de vários grupos, que vêem o governo como propriedade de um grupo étnico. A exigência da identidade Ivoirense para participar nas disputas eleitorais é um dos factores de discriminação que tem contribuído para o domínio das etnias provenientes do sul em detrimento do norte. Mas as disputas entre os vários grupos étnicos e, em alguns casos, no seio da mesma etnia também são factores que não devem ser descorados na análise das crises sucessivas que têm assolado a Cote D´Ivoire.
Ao longo da presidência de Félix Houphuet-Boigny, 1960 a 1993, todos os ministros da defesa eram escolhidos no seio da sua etnia, inclusive na família directa (seu sobrinho Konan Bonny, por exemplo), tudo com o objectivo de assegurar o poder e a longevidade da influência do seu grupo e os sucessivos governos que se foram formando eram constituídos, na sua maioria, por pessoas provenientes da etnia dos betés, favorecida pelo poder central. A situação se tornou mais grave porque se desenvolveram um conjunto de preconceitos pejorativos com o objectivo de descriminar os demais grupos étnicos do país.
Os betés “seriam os selvagens, pessoas violentas e sem organização política, por esta razão indignos do poder do Estado; As etnias oriunda do Norte seriam uma espécie de estrangeiros, os seus ancestrais provem do Mali, Burkina-Faso e da Guiné Konakri, estes estariam destinados a servir de mão-de-obra na plantações ou como empregados domésticos nas casas das famílias provenientes do sul”( Tiemoko Coulibaly 2000:16). Por outro lado, aos estrangeiros e aos seus descendentes era negada a nacionalidade da Costamarfinense independentemente do tempo de residência no país, por esta razão estavam excluídos de gozar a cidadania Ivoirense.
Em 1970 surgiu umas das primeiras crises mais significativas, a “crise do Guebie” que opôs a etnia dos baolés contra os betés que contestavam o domínio político dos primeiros. Kragbe Gnagbe, originário dos Guebie e líder da revolta, exigiu a formação de um partido da oposição, como de resto rezava o artigo 7º da constituição nacional. Por este motivo foi acusado por Hophouet -Boigny, então presidente, de pretender uma sucessão, orientando uma repressão violenta na região dos betés (Tiemoko Coulibaly 2002:16). Através de sucessivas repressões, os Akans acabaram por consolidar o seu poder na Cote D´Ivoire, originando a ideologia da “akanidade”, segundo a qual os akans estariam pré-destinados a governar o país em detrimento dos outros grupos étnicos/linguísticos existentes.
Em 1991 no interior da etnia Akan (detentora do poder) se opuseram os dois sob grupos que compõem essa etnia, os Agni e os Baoulé, o presidente Houet-Boiny provem precisamente deste último grupo. Os Agni acusavam os Baoulés de praticarem o tribalismo e por esta razão revoltaram-se, ensaiando uma sucessão para se juntarem ao Gana, berço dos Akans. Mas a tentativa foi violentamente reprimida pelo poder central. Segundo Philip Camará (2002:8-13), o Presidente Hophoeuet-Boigny favoreceu abertamente a sua etnia, mobilizando recursos do Estado para dotar a sua aldeia natal (Yamousoukro) de todas as infra-estruturas para ser a capital política do país, com especial destaque para Basílica da Nossa Senhora da Paz, uma réplica da Basílica de S. Pedro em Roma. A submissão das populações do norte às do sul, pode ser explicada pelos acordos que o então presidente, Hophuet-Boigny, fez com os chefes das tribos do sul, dada ao peso e a influência que esses chefes têm, os seus súbditos aceitavam passivamente as suas directrizes. O Sucessor de Hophuet-Boigny, Kanan Bedie que pertence a mesma etnia e há que diga que é filho biológico do antigo presidente, também seguiu a politica do seu antecessor, apoiava-se na etnia Akan para formar o Governo.
Em 1999, o General Robert Guei liderou um golpe de Estado e efectuou uma mobilização militar com vista a ter o exército a seu favor, para esse fim afastou os generais cuja origem era do norte (general Abdoulaye Coulibaly e Palenfo acusados de orquestrarem um Golpe de Estado em 2000), por outro lado, os militares provenientes do norte começaram a sentir-se ameaçados, acabando por refugiar-se no Gana, onde receberam apoio do Presidente Blaise Campaoré do Burkina-Faso. Entre esses refugiados encontrava-se Coulibaly um dos líderes da rebelião de 2002. Em 2000 o actual Presidente, Gbagbo venceu as eleições, dois anos depois na tentativa de um Golpe de Estado Guei foi morte nos arredores de Abidjan, o mesmo aconteceu com a sua esposa.
Gbagbo, depois de ter sucedido Guei, tem feito reformas para que algum equilíbrio e ter o exército a seu favor. Mas também tem escolhido homens da sua etnia para os postos centrais (na defesa Lida Kouassi, segurança Boga Doudou e no posto de chefe Estado o general Mathias Doue, este favoreceu a formação de milícias betés fieis ao Presidente), em conjunto têm feito tudo para livrarem-se das tropas recrutadas por Robert Guei, levando a cabo uma desmobilizando das tropas, alegando “falta de verba e necessidade de modernização das forças armadas”, paradoxalmente houve desde 2000 o recrutamento de jovens provenientes da sua etnia o que tem provocado descontentamento por parte do grupo dos akans.
Desde a tentativa de Golpe de Estado em 2002, o processo democrático ficou esbarrado. Entre interferência estrangeira, do continente africano e da França, a questão da nacionalidade e da cidadania estão no centro da crise. No processo de registo eleitoral até se fez recurso à analises de ADN que levou à exclusão de um quarto da população, num universo de 20 milhões de habitantes, mas, mesmo assim, os problemas vão surgindo.
O Presidente Gbagbo tem um projecto de refundação da sociedade ivoiriense que conquistou uma boa parte da juventude que vê o futuro malparado devido à existência de muitos imigrantes, alguns exibindo BI nacional. A última cartada do Presidente foi a de acusar a Comissão Eleitoral Independente (CEI) de ter introduzido ilegalmente 5000 a 4000 eleitores do Norte nas listas eleitorais. Como consequência, destituiu a CEI e o Governo liderado por Guillaume Soro, líder das Forças Novas que controlavam o Norte do país até os acordos de Ouagadougou em 2007, no entanto foi reconduzido no cargo de Primeiro-Ministro.
Gbagbo deu 48 horas à Soro para apresentar o novo Governo, sob pena deste ser destituído do seu cargo. O prazo não foi cumprido, até o dia 17 de Fevereiro do corrente ano, não havia Governo, apesar das consultas feitas por Soro ao seu quartel-general no Norte e na capital do país. Há quem diga que o Presidente Laurent Gbagbo já tem na cartola um novo Primeiro-Ministro, Alcide Djedjé, actual representante da Cote D´Ivoire na ONU e conselheiro diplomático do Presidente Gbagbo. Caso isso aconteça veremos se os anos de governação de Soro enfraqueceram a sua influência militar e se o Norte irá aceitar tal decisão. Uma coisa é certa: A União da Oposição liderada pelo ex-Presidente da República Konan Bedie e pelo ex-Primeiro-Ministro Alassane Quattara já disse que não reconhecem Gbagbo como Presidente e a destituição do Governo é mais um Golpe de Estado no país. As eleições presidenciais para este ano de 2010 estão, mais uma vez, em causa.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

QUEM DETERMINA A POLITCA EXTERNA DE ANGOLA?

QUEM DETERMINA A POLITCA EXTERNA DE ANGOLA?
Por: Belarmino Van-Dúnem
O Estado, enquanto sujeito básico do direito internacional, deve possuir leis que permitam a sua inserção no sistema internacional. A existência das normas jurídicas nacionais que se adequam às internacionais, implicam a elaboração de uma política externa nacional. Mas esta, por sua vez, deve ter um centro de comando, uma instituição soberana que legitime todos actos emanados dentro e fora das fronteiras nacionais em nome do fortalecimento do Estado.
A política externa é inevitável, nenhum estado tem no seu território todos os recursos necessários para a sua sobrevivência e muito menos consegue fazer a produção de bens e serviços para satisfazer as necessidades dos seus cidadãos que são cada vez mais exigentes. No mundo hodierno nenhuma pessoa se contenta com os famosos “três por dia” (pequeno almoço, almoço e jantar), o bem-estar passa também pela alimentação do intelecto, intercâmbio cultural, desporto e pelo acesso às novas tecnologias.
A Constituição em vigor em Angola, promulgada no passado dia 5 de Fevereiro de 2010, é taxativa no que tange à esse aspecto. O artigo 119º (Competência como Chefe de Estado), alínea c) “Promover junto do Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva e sucessiva da constitucionalidade de actos normativos e tratados internacionais, bem como de omissões inconstitucionais, nos termos previstos na Constituição”. Pressupõem-se que cabe ao presidente da República garantir a constitucionalidade de qualquer acto jurídico internacional ao qual Angola queira ou esteja vinculada. Neste sentido deve se fazer uma ressalva ao papel fundamental de fiscalização e acompanhamento do Tribunal Constitucional enquanto última instituição a pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou não de qualquer acto jurídico exarado no território nacional.
Mas é o Poder Legislativo que tem a competência estrita de aprovar a politica externa de Angola compreendida como todas as acções elaboradas e implementadas pelo Estado e/ou em seu nome com efeitos que vão para alem das fronteiras nacionais. Esta constatação pode ser confirmada através do artigo 161.º (Competência Política e Legislativa), segundo o qual:
k) Aprovar para ratificação e adesão os tratados, convenções, acordos e outros instrumentos
internacionais que versem matéria da sua competência legislativa absoluta, bem como os
tratados de participação de Angola em organizações internacionais, de rectificação de
fronteiras, de amizade, de cooperação, de defesa e respeitantes a assuntos militares;
l) Aprovar a desvinculação de tratados, convenções, acordos e outros instrumentos
internacionais;

Há uma complementaridade entre o Presidente da República e o Poder Legislativo porque todos os actos jurídicos aprovados pela Assembleia Nacional no fundo são proposto pelo Presidente da República que foi o cabeça de lista do partido vencedor nas legislativas e consequente com maior número de deputados. Deste modo, salvo um desentendimento, durante o mandato entre o Presidente da República e o Partido que o suportou nas eleições, todas as proposta saídas do Chefe do Governo passam na Assembleia nacional.
O facto do poder Legislativo ter a prorrogativa de aprovar para ratificação e a desvinculação de qualquer acto jurídico que vincule o país internacionalmente dá maior abrangência e segurança ao cidadão porque estamos perante um órgão com maior número de representantes da nação cuja natureza propícia à debates com profundidade, por outro lado, na Assembleia Nacional existe a possibilidade de se escutar outras sensibilidades politicas uma vez que a mesma é composta por Deputados provenientes de vários partidos e/ou coligações de partidos políticos que podem dar o seu contributo sobre o tratado, convenção ou acordo internacional que o Estado angolano queira aderir.
Este procedimento poderá prevenir improvisos e dará maior sustentabilidade à política externa de Angola. Sempre que o Presidente da República orientar qualquer tipo de deliberação cuja abrangência seja internacional, a Assembleia Nacional deverá pronunciar-se e o Tribunal Constitucional deve fiscalizar a constitucionalidade do acto em si.
A Constituição em Vigor no Estado angolano no seu artigo 121º (Competências do Presidente da República nas Relações Internacionais) define o Presidente da República como o definidor da politica externa nacional segundo o qual:
Compete ao Presidente da República, no domínio das relações internacionais:
a) Definir e dirigir a execução da política externa do Estado;
b) Representar o Estado;
c) Assinar e ratificar, consoante os casos, depois de aprovados, os tratados,
convenções, acordos e outros instrumentos internacionais;
d) Nomear e exonerar os embaixadores e designar os enviados extraordinários;
e) Acreditar os representantes diplomáticos estrangeiros.
Este artigo e as alíneas com as quais está composto clarificam que cabe ao Presidente da Republica determinar a Politica Externa de Angola. No que respeita à sua execução o Presidente é coadjuvado pelo Vice-Presidente; Ministros de Estado e; Ministros (art. 108º, ponto 2).
Sendo o Presidente da República responsável pela política externa de Angola e ao executivo a sua implementação, há necessidade da existência de um grupo de técnicos e académicos multidisciplinar para traçar o plano da política externa nacional.
A política externa deve ter um programa de curto, médio e longo prazo. As acções específicas devem ser do conhecimento do grupo que tem a responsabilidade de executar, mas as directrizes gerais teriam que ser do conhecimento público para que possa existir uma certa previsibilidade nas acções do Estado no campo internacional. Por outro lado, até a data a política externa de Angola ficou publicamente conhecida de forma sistematizada na Agenda Nacional de Consenso e nas análises que se possa fazer dos discursos do Presidente da República e respectivos Ministros ou nas acções do governo.
Mas existe a necessidade de se saber quais os Estados com os quais Angola pretende manter relações privilegiadas e quais os pressupostos na manutenção de cada uma dessas relações. Porque para alguns o pressuposto será meramente politico, outros económico, mas noutros casos será a influência cultural ou ainda a proximidade histórica e/ou sociológica.
Quais os montantes financeiros destinados para cada uma dessas acções e os actores responsáveis pela sua implementação e monitorização, cabendo-lhes a responsabilidade de reportar ao decisor da politica externa nacional, o Presidente da República.
No seguimento das acções de Angola na SADC, CEEAC, Comissão do Golfo da Guiné, nos PALOP, na CPLP, na União Africana, nas Nações Unidas e outras organizações similares, com a nova constituição, o governo terá que elaborar um plano abrangente e estruturado para que todos possam contribuir no que lhes competir para o fortalecimento do posicionamento de Angola na arena internacional. Por agora, a resposta mais clara que a constituição oferecer é que quem determina a politica externa de Angola é o Presidente da República.