sexta-feira, 19 de junho de 2009

PROIBIR O CONCURSO “BUMBUM DOURADO” É CONTRA A LIBERDADE DE REUNIÃO.


Por. Belarmino Van-Dúnem

Angola está a caminhar para o desenvolvimento, mas este processo acarreta consigo várias dimensões que não passam apenas pelo acesso aos bens de consumo material. Quando as necessidades básicas estão satisfeitas, os seres vivos têm a tendência para procurar satisfazer outras dimensões que complementam o bem-estar. A fruição, segundo Emanuel Levinas, é uma delas.
A fruir passa por várias facetas e depende da mundividência de cada um, dos seus objectivos e convicções. Nas sociedades de predominância cristã, o corpo humano tomou uma dimensão bastante sexual, ou seja, a proibição e diabolização do corpo humano, sobretudo o feminino, fez com que as fantasias sexuais sejam cada vez maiores. Enquanto tradicionalmente as partes do corpo feminino tomadas, nas sociedades aculturadas, como íntimas e excitantes (coxas, nádegas e seios, vulgo mamas) são vistas de forma natural, na cidade desenvolveu-se um mito à volta disso, quem publicamente expõe ou admira é visto como desviado dos padrões sociais aceites.
Incrivelmente, os concursos de Miss, vulgarizados em todo o mundo são vistos como normais, tendo mesmo honras de assistência de governantes e patrocínios de entidades ancoradas na moral ocidental cristã. Embora eu não concorde com a atribuição de mérito à uma pessoa por ser detentora de dotes físicos particulares sem qualquer substância social, reconheço o papel que aquelas senhoras desempenham no desbloqueamento de acções sociais.
O caso mais recente da proibição, por parte da Direcção Provincial da Cultura de Luanda, para a realização do concurso “Bumbum Dourado” constitui mais um exemplo do formalismo e da oficialidade das acções de alguns órgãos.
Qualquer actividade cultural ou lúdica que não ponha em causa a ordem pública, esteja garantida a privacidade e o decoro social não deve constituir preocupação dos órgãos do Estado. Se as pessoas que iam ver o “Bumbum Dourado” são maiores de 18 anos de idade, se as exibicionistas são maiores porque razão foi proibido o espectáculo ou concurso. Os prémios não estavam vinculados ao Estado, ninguém foi intimado à participar, o recinto é fechado (Restaurante Caribe, embora eu não conheça pressuponho ser fechado) porquê a proibição.
Pessoalmente não sou dado à este de actividades, mas não concordo que os cidadãos que alinhem sejam privados da sua liberdade porque alguém acha que está em causa valores pessoais ou de uma parte da sociedade. Se a actividade iria decorrer em recinto fechado, estando garantida a segurança, a proibição de entrada de menores e o cumprimento da lei, como a salvaguarda da vida humana e da sua liberdade, o espectáculo deveria decorrer.
A Acção da Direcção Provincial da Cultura de Luanda pode levar esses grupos a realizarem actividades clandestinas sem o controlo das autoridades, onde tudo poderá acontecer, como por exemplo, a prostituição que é proibida por lei em Angola.
Por outro lado, sabemos que as pessoas viajam e, em muitos casos, acabam por cometer excessos, na vertente lúdica/sexual, porque vivem oprimidos e recalcados nos seus países, para não citar as situações de desvios sexuais que volta e meia vemos nas nossas sociedades.
Ver ou exibir o “Bumbum Dourado” não pode ser proibido nos termos em que seria feito, porque se não teríamos que acabar com os concursos de Mister e Miss onde o que prevalece é a composição física e a parte mais esperada é aquela onde as candidatas exibem o fato-de-banho, com o “Bumbum” de fora, enquanto os homens exibem a musculatura peitoral e do resto do corpo, fazendo-o isso de cuecas.
Temos que deixar a sociedade avançar, respeitando a liberdade das pessoas se reunirem, expressarem o seu pensamento, manifestarem as suas habilidades, tudo sem por em causa a liberdade dos outros. Eu não concordaria que esse tipo de concurso fosse exibido na televisão pública ou na RNA, mas não me choca que os privados o façam.
Assim estamos a caminhar para a negação da nossa própria sociedade. Fingir que não existem determinadas acções e sabemos que existem. A prostituição é uma delas, todos os dias vemos prostitutas em algumas artérias de Luanda. A polícia faz um esforço para retira-las desses locais, mas como uma enfermidade elas aparecem. O que é melhor? Dizer que não há prostituição ou trabalhar no sentido de proteger essas pessoas contra as doenças sexualmente transmissíveis, da exploração e da agressão?
O “Bumbum Dourado” poderá realizar-se de forma secreta, dando a sensação à aquelas pessoas que estão a transgredir as leis do país, mesmo fechadas num recente privado. Deviam deixar o concurso do “Bumbum Dourado” decorrer em nome da liberdade.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

EUA, da estratégia militar à ajuda para o desenvolvimento (II)

EUA, da estratégia militar à ajuda para o desenvolvimento (II)

Por: Belarmino Van-Dúnem*

A estratégia norte-americana de cooperação com os Estados africanos depois do 11 de Setembro de 2001 pode ser subdividida em duas dimensões complementares:
a) Apoio directo e indirecto aos Estados africanos no âmbito da luta global contra o terrorismo;
b) Ajuda para o desenvolvimento condicionada a democratização dos regimes políticos, liberalização da economia nacional e privatização das empresas estatais geradoras de rendimento, aliás, este último critério é também defendido pela santíssima trindade da impulsionadora da globalização (FMI, BIRD e a OMC) .
Para a primeira dimensão a administração americana criou um conjunto de critérios que passam pela elegibilidade dos Estados considerados pivots nas respectivas regiões. Segundo esses critérios, o objectivo é cooperar com os Estados que tenham maior impacte em cada região do continente. Nigéria, Quénia, Senegal, África do Sul e Etiópia são os países apontados para desempenhar essa função nas regiões onde estão inseridos;
- Coordenar acções com os parceiros europeus e instituições internacionais para a construção de estruturas de mediação de conflitos e tornar mais efectivas as operações de paz;
- Capacitar o continente para efectivação da reforma do Estado e fortalecer as organizações regionais e sub-regionais como meio de evitar as ameaças transnacionais.
Como é evidente, a elaboração da Politica Externa do Estado é directamente proporcional à manutenção, implementação e desenvolvimento dos interesses do país a nível interno como além fronteira, portanto, a escolha dos Estados supracitados pode não corresponder aos interesses do continente africano, até porque a prevenção de conflitos passa por transformações estruturais de todos sectores do Estado, inclusive do modelo democrático para o continente porque o actual modelo já demonstrou que está completamente desfasado da realidade política, económica, cultural e histórica da maior parte dos Estados africanos. Nos últimos anos já não existem complexos em afirmar que o modelo democrático ocidental está falido com a União Europeia a liderar as abstenções e a recusa, por parte dos cidadãos europeus, da continuidade do actual sistema democrático.
Para a segunda dimensão, os EUA criaram um conjunto de programas onde se destacam três. Em Maio de 2001, o Presidente Bush anunciou o Africa Growth and Opportunity Act (AGOA), cujo objectivo é o desenvolvimento da cooperação com os Estados africanos nos domínios da economia, agricultura, comércio e segurança. Esta iniciativa pode ser considerada como bem intencionada, mas é coxa porque o conceito de cooperação implica a reciprocidade, ou seja, a cooperação é biunívoca. Neste momento os Estados africanos não conseguem exportar os seus produtos acabados porque não estão em condições de o fazer, mas, por outro lado, os subsídios de produção e para exportação que os países ocidentais dão às suas empresas é um atropelo flagrante ao princípio de livre concorrência e às regras da OMC.
O programa Millennium Challenge Account (MCA) também foi criado pela administração Bush em Março de 2002. Este programa de ajuda para o desenvolvimento tem o objectivo de encorajar a democratização governamental e a liberalização da economia. Os fundos para esse programa aumentaram desde a sua implementação: $ 1 bilião em 2004, $ 2.5 biliões em 2005 e $ 5 biliões para o corrente ano fiscal. A U.S. Agency for International Development (USAID) tem estado bastante activa em vários países africanos no âmbito desse programa.
Ao nível dos PALOP, Cabo Verde é o único Estado que conseguiu ser abrangido pelo programa MCA. A avaliação e monitorização desse programa são mensuradas pela boa governação, investimento no sector da saúde, Educação, igualdade de género e liberação económica.
A nova dinâmica de ajuda para continente africano só terá os seus frutos se for acompanhada de reformas as vários níveis:
a) Abandono do conceito de desenvolvimento com base no crescimento económico, mas ancorado no bem-estar social;
b) Criação de condições para um maior intercâmbio económico intra-africano;
c) Diminuição da ajuda ligada para que os Estados africanos deixam de estar dependentes dos países mais avançados no que respeita a tecnologia;
d) Capacitação das instituições dos governamentais e privadas para o acolhimentos do know how nacional e estrangeiro;
Para que possa implementar essa nova dinâmica é preciso uma maior divulgação da política de ajuda aos países que necessitam dela, potencia-los para que possam fazer parte do grupo alvo e, por outro lado, uma maior proactividade dos países africanos para que possam estar prontos a receber esses fundos.
A falta de condições para fazer parte dos critérios de elegibilidade é um dos maiores problemas dos Estados africanos, o mesmo acontece com os fundos disponibilizados pela União Europeia no âmbito dos acordos de Cotonu.
A política americana para África não está afastada dos critérios de defesa avançada, opção clara da sua política externa, mas não se pode negar que os novos critérios são mais vantajosos para o continente africano. As perguntas que ressaltam são as seguintes: Para quando uma verdadeira cooperação entre África e o resto do mundo, tal como entre os Estados Africanos entre si? A administração Obama terá uma política mais realista e adequada para o continente negro?
As respostas para essas questões não existem porque há uma continuidade dos pressupostos acima referidos da política externa americana para África, a defesa continua a dominar os objectivos do EUA. O exemplo mais flagrante foi os esforços feitos nos últimos dois anos para convencer os estados africanos a aceitar o AFRICOM nos seus territórios.
Angola tem as condições básicas para se tornar um dos estados directores na África Austral e Central. A sua experiência na área da defesa/segurança e o seu potencial energético fazem com que as ambições do país em ser o pivot do continente sejam legítimas. Actualmente existem sinais claros de maturidade na política externa angolana, onde as decisões têm sido tomadas com ponderação de todos os pressupostos, o caso TAAG e o recente episódio ocorrido com os cidadãos angolanos no Brasil são disso exemplos, o soft power como forma de se afirmar no mundo global.



* Professor Universitário
- Especialista Africanos de
política Internacional

segunda-feira, 8 de junho de 2009

EUA: Da Estratégia Militar à Ajuda para o Desenvolvimento

Belarmino Van-Dúnem (*)

Os Estados Unidos da América só estabeleceram uma política específica para África em 1958, ano em que foi criado o “US State Department’s Bureau of African Affairs”. A política norte-americana para África, desde os finais da década de 50 até aos anos 80, tinha como base o apoio a líderes africanos e movimentos insurrecionistas que tivessem posições anticomunistas ou se declarassem como tal. Portanto, a contenção do comunismo e da expansão da URSS constituíam as principais preocupações dos EUA.
A intervenção americana em África era feita por várias vias:
- Ofertas económicas e ajuda militar (Assistência técnica e material bélico);
- Imposição de sanções económicas contra líderes comunistas e/ou apoiados pela URSS;
- Intervenções directas através da CIA (Central Intelligency Agency), planeando acções contra líderes comunistas ou próximos da URSS. Entre essas acções, podem ser destacados o apoio norte-americano dado a Mobutu Sese Seko para o assassinato de Patrício Lumumba, então primeiro-ministro do Zaire, actual RDC (Peter J. Schraeder 1996:191). A cooperação norte-americana com o Zaire (RDC) e com a África do Sul na década de 70, para além dos interesses económicos, tinha como principal finalidade fazer desses Estados parceiros para a contenção do comunismo na região Austral de África.
O fim da Guerra-Fria provocou mudanças na política norte-americana para África. O fim da ameaça soviética fez com que os apoios que muitos Estados e grupos armados recebiam dos EUA fossem reduzidos. Esse facto fez com que a política na área militar fosse substituída por uma política de apoio institucional com critérios, como a boa governação por exemplo, que deixavam de fora a maioria dos Estados africanos.
Quando a administração Bush (pai) tomou posse em 1989, a assistência, que era dada a alguns países no âmbito da Guerra Fria, já tinha terminado, mas a assistência para o desenvolvimento económico e social continuou. Em consequência disso, o Gabinete do Departamento do Estado para os Assuntos Sociais esteve muito activo na intervenção diplomática para a resolução de conflitos em África.
A relação entre a ajuda americana para África e a Guerra Fria pode ser confirmada com os dados apresentados por Raymond W. Copson (2002), “A assistência americana para África atingiu o seu máximo em 1985 com cerca de 2,5 biliões de dólares. Esse valor baixou para cerca de 1,3 biliões em 1990, valor que se manteve até 2001. Os apoios avultados durante os anos 80 reflectem a intensificação da Guerra Fria, em que a competição entre os EUA e a ex-URSS, a nível internacional, estava no auge”. Segundo o autor, o fim da competição entre os EUA e a ex-URSS provocou o fim do continente africano como região estratégica, levando a diminuição da ajuda americana para África. Entre 1985 e 1994, a assistência militar norte-americana para África baixou de USD 279.2 milhões para USD 3.8 milhões, sem contar com os USD 2 milhões concedidos anualmente ao Egipto. O Fundo de Apoio Económico também diminuiu nesse período de USD 452.8 milhões em 1985 para USD 15 milhões em 1994. Mas é de realçar que a ajuda para o desenvolvimento teve um aumento de USD 1.14 biliões no ano fiscal de 1984 para USD 1.34 em 1994.
A administração Clinton, em 1995, deu continuidade à lógica de diminuição da ajuda para a área da segurança em África. No seu primeiro orçamento, a ajuda para África foi estruturada em quatro categorias:
- Desenvolvimento Sustentável (USD 990 milhões)
- Assistência Humanitária (USD 68.3 milhões)
- Construção da Democracia (USD 23.8 milhões)
- Promoção da Paz [USD 0.5 milhão] (Schraeder 1996:194).
A partir de 2001, o continente africano passou a ser contemplado pela ajuda americana no âmbito da luta global contra o terrorismo. O fortalecimento das instituições democráticas e a boa governação passaram a ser os critérios para a elegibilidade dos Estados que beneficiavam da ajuda.
A administração americana criou um conjunto de programas que incluíam o apoio directo aos Estados africanos e através de instituições internacionais. As áreas prioritárias passaram a ser: reforma económica, direitos humanos, educação para a democracia e outros objectivos sociais. Para a efectivação desses programas, o Governo norte-americano criou um conjunto de programas específicos para cada área: para fins sociais e económicos, foi criado o Economic Support Fund (ESF); para os programas de manutenção da paz PKO (Peace-Keeping Programmes); para responder às iniciativas de resposta às crises em África ACRI (African Crisis Response Initiateve); para o fortalecimento da capacidade de manutenção da paz, o financiamento tem sido feito através do Foreign Military Financing (FMF); No que concerne à educação militar, os EUA criaram o International Military Education and Training (IMET) que tem servido para a luta contra o HIV/Sida no seio das forças armadas africanas; para as operações de manutenção da paz, foi criado o CIPA (Contribution to International Peacekeeping Activities). É no âmbito desse programa que os EUA têm financiado as operações de paz da ONU em África. As operações de paz da ONU na Serra Leoa, ao longo da fronteira entre a Etiópia e a Eritreia e na RDC são alguns exemplos.
A ajuda para o fortalecimento das instituições democráticas do Estado, desenvolvimento económico, erradicação do analfabetismo, a luta contra a expansão do HIV/Sida e, sobretudo, contra regimes radicais propensos à implementação ou desenvolvimento de grupos terroristas são, sem dúvida, as prioridades da administração de Jorge W. Bush. O programa Millenium Challeng e Account é disso um exemplo. Continua…


* Professor Universitário – especialista em
Assuntos Africanos

BRASIL TRANSGRIDE A PRÓPRIA LEI DE ACESSO AO SEU TERRITÓRIO

Por: Belarmino Van-Dúnem*

A lei Nº 9.076, de 10/07/95 que define o Estatuto do Estrangeiro no Brasil não prevê outros condicionalismos para entrar em território nacional se não o visto concedido pelo consulado. Segundo o artigo 1° “Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais”. Portanto, fazendo fé nas declarações do Embaixador do Brasil em Angola (Os Vistos apresentados pelos cidadãos angolanos impedidos de entrar no território brasileiro são autênticos) e, tendo a certeza de que aqueles cidadãos não perigavam, nem perigam a segurança nacional brasileira não existe matéria legal para impedir o acesso ao território brasileiro e o consecutivo repatriamento.
O Artigo 2º da mesma lei estabelece: “Na aplicação desta Lei atender-se-á precisamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socio-económicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional”. Atendendo à esses pressupostos cabe analisar qual deles está na base das acções que as autoridades brasileiras têm tido com relação aos angolanos, mas também é necessário reflectir, com base nos interesses superiores nacionais de Angola, quais as melhores acções para ultrapassar a situação de tensão que está a criar um certo mal-estar e repugnância na sociedade angolana.
O artigo 4º define os seguintes tipos de visto: I - de trânsito; II - de turista; III - temporário; IV - permanente; V - de cortesia; VI - oficial; e VII - diplomático. A leitura que se pode fazer da definição do Estado brasileiro para estes vistos, os cidadãos angolanos, na situação aqui analisada, só poderiam ter o segundo tipo de visto, ou seja, o visto de turista. Tendo em consideração que, à luz do artigo 9º da mesma lei “O visto de turista poderá ser concedido ao estrangeiro que venha ao Brasil em carácter recreativo ou de visita, assim considerado aquele que não tenha finalidade imigratória, nem intuito de exercício de actividade remunerada”.
Já é do conhecimento público que a maior parte dos cidadãos angolanos impedidos de entrar em território brasileiro, com visto legal, pretendia fazer compras com o intuito de revender em Angola, portanto pode ser considerado que aqueles cidadãos iam em negocio e possuíam visto de turismo, mas não deixa de ser verdade que, a lei aqui analisada até ao momento não prevê visto de negocio. Poderíamos concluir que os cidadãos angolanos que pretendam deslocar-se ao Brasil para o efeito (fazer compras) não têm outra alternativa legal.
Mas o site da embaixada do Brasil em Luanda – sector consular (consulta feita aos 04/02/09 - 20h:30), na categoria dos vistos temporais, estabelece um visto de negócios (visto temporário II – Negocio), este visto pode ser concedido aos cidadãos “que viagem ao Brasil sem remuneração em território nacional”. Nesta categoria de visto enquadram-se perfeitamente os cidadãos angolanos que se deslocaram ao Brasil e foram impedidos de entrar naquele território, sendo repatriados sem justa causa, portanto um atropelo flagrantes ao direito internacional que estabelece as relações entre os Estados.
Na secção desta categoria de visto (visto temporário II – Negocio), há um item, destacado a “negrito” (Compras – Trabalho informal) cuja documentação exigida para à concessão do mesmo visto é a seguinte: cartão de vendedor ambulante; cartão de contribuinte; DAR; cópia do alvará e; carta do local de trabalho (mercado); os emolumentos consulares são de US$ 60 (sessenta dólares) e US$ 10 (dez dólares) adicionais caso a documentação dê entrada no consulado por via de terceiros que estejam em condições legais de o fazer.
O site da Embaixada do Brasil em Luanda não apresenta qualquer outra condição para entrar em território brasileiro se não o visto. Alias, segundo a lei federal brasileira “o visto é uma permissão federal que o Brasil concede para que o estrangeiro possa ingressar no País”. Portanto, se os cidadãos angolanos impedidos de entrar em território brasileiro possuem o visto, elemento essencial e legal para ter acesso ao território brasileiro e estavam acompanhados do Certificado Internacional de Vacinação contra a Febre Amarela, cuja falta implica o impedimento de entrada em território brasileiro e respectivo repatriamento, as pessoas deviam terminar a sua viagem sem qualquer impedimento. Portanto, só a falta daquele certificado ou qualquer outro comportamento doloso à lei brasileira e/ou internacional poderia justificar o ocorrido.
Se legalmente não existe qualquer justificação para as autoridades brasileiras agirem como tal, o que estará a motivar essas acções? Qual deve ser a posição do Estado angolano e dos cidadão directamente visados?
Uma primeira explicação pode estar no novo posicionamento de Angola com relação à migração. Actualmente o território angolano é um destino de imigração e, atendendo à este facto as autoridades brasileiras podem estar a reagir contra às regras que existem para à concessão de vistos aos cidadãos daquele Estado que os permita entrar no território angolano. Lembremos que o Embaixador brasileiro acreditado em Angola fez questão de frisar que “nos últimos cinco meses deste ano já foram concedidos mais de 13 mil vistos a cidadãos angolanos, principalmente para turismo, negocio e estudo”; afirmou também que “em 2008 houve momentos em que foram concedidos cerca de mil vistos de curta duração a angolanos por semana”, e que o Brasil, de forma unilateral, decidiu conceder vistos de curta duração com múltiplas entradas com a validade de um ano aos cidadãos angolanos.
Todos esses argumentos podem espelhar alguma frustração no que se refere à um tratamento igual. Mas é evidente que as condições e os interesses dos cidadãos brasileiros que pretendem entrar no território angolano não são as mesmas que a dos angolanos que viajam para o Brasil. Portanto, pode existir a intenção de criar alguma tensão para que o Estado angolano tome uma outra medida com relação ao cidadãos brasileiros, alias, o Brasil fez o mesmo com Portugal e conseguiu os seus intentos.
O Estado angolano deve analisar a situação atendendo os mais altos interesses nacionais e protegendo os seus cidadãos contra humilhações ou qualquer outro tipo de tratamento que fragilize a imagem do país e atropele as leis internacionais que estabelecem as relações diplomáticas e consulares, nomeadamente as convenções de Viena de 1961 e a de 1963. Mas também deve atender aos fundamentos da política externa, nomeadamente, à efectividade da acção a ser tomada e aos interesses económicos de médio/curto prazo.
Os cidadãos visados devem exigir uma indemnização pelos danos materiais/morais causados e procurar todos o meios legais para que seja respeitada a lei brasileira de acesso aquele território. Caberá também às organizações da sociedade civil em Angola dar o apoio necessário para que tal se concretize, auxiliando o governo angolano na defesa dos direitos dos cidadãos nacionais. Estariam mostrar que são, de facto, organizações da sociedade civil e defensores dos direitos humanos e/ou civis.
As autoridades brasileiras estão a transgredir a sua própria lei. O repatriamento dos cidadãos angolanos nessas condições constitui uma falta de coerência com base no reconhecimento e na reciprocidade de tratamento já que os cidadãos angolanos estavam legalmente documentados. Não tendo justificação legal, oficial e plausível, o Brasil está a desenvolver acções que podem ser classificadas como Patologia Diplomática, reprováveis à luz do Direito Internacional. Urge voltar à diplomacia legal, ao diálogo, a informação e a negociação para se ultrapassar esta situação pouco amigável e deselegante que não coincide com a imagem do Brasil perante os angolanos nem com os laços históricos e sociais existentes entre os dois Estados.
* - Professor Universitário
- Especialista em Assunto Internacionais

terça-feira, 2 de junho de 2009

Angola: Nossa Sociedade


Belarmino Van-Dúnem

De casa para o trabalho e vice-versa é uma tristeza. O caminho está infestado, fezes por tudo quanto é lado, de todos os feitios, tamanhos e cores, é um autêntico multicolor. Algumas são arredondadas, outras compridas e até há as bolinhas. Castanho, castanho claro com pinguinhos vermelhos e, às vezes, verdes. Parece que alguns estão mesmo doentes, aquilo ocupa todo perímetro do caminho.
Cada cidadão arranjou a sua moda para passar ali. Eu passo de pés de bico com passos largos, mas há outros que vão aos pulinhos, as mamãs, por sua vez, apenas conseguem fazer ziguezague, cada um tem a sua astúcia para não pisar no material. Enquanto uma mão leva a pasta, a outra vai para o nariz, "eh pa, aquilo fede bwé". Mas como é que os nossos citadinos agora atendem o chamamento da natureza só assim? Um à frente do outro, uma dica daqui, outra de lá, tudo debaixo da luz do sol. Outra vez, escutei uma amena cavaqueira. Pareceu-me mulher e marido, ela tinha ido acompanhar o outro. É estranho, mas o cavalheiro estava de cócoras, gemendo e dando explicações de forma exaltada. Alguns porcos estavam na expectativa para fazer o reconhecimento do espólio ali deixado. Noutro dia, o meu vizinho me deu um kandandu, mas também estava a vir ali de baixo. Eu sanei a mão e continuei atento porque podia transportar algo na sola do sapato. O que será que ele estava ali a fazer? Pucha… Assim não há entidade que consiga limpar nem micróbio que não consiga viver. Agora então que a chuva está a chegar, eh…
O chamamento da natureza, na sua versão menor, já não é constrangimento para ninguém. As senhoras? Eh…, tapam com o pano, só dum coro e, é ali mesmo debaixo da nossa barba. O caudal de água escorre consoante a inclinação do terreno sinuoso, eu próprio tive que dar uma saltada com agilidade para não acabar com os sapatos descolados pela humidade. Ora essa…, então já não há pudor? Até me lembrei dos meus tempos de canuco. Assim não há valores que resistam. Os companheiros então… nem vale a pena, saem do carro, tiram a mangueira e não se dão ao trabalho de ver para o lado, é mesmo ali. Às vezes é na roda do carro do outro que está lá dentro com os miúdos à espera da dama que foi às compras, mas vamos fazer mais como? É só fechar os olhos e continuar a procura da fuba para as crianças. Mas se cada um fazer a sua parte tudo pode melhorar porque afinal tudo não passa de saber ser, saber estar e saber fazer.

A Moda Incomoda ou Não?


Belarmino Van-Dúnem

Não há dúvidas que a moda, “algo que seja usado pela maioria das pessoas ou grupos sociais”, movimenta grandes paixões, somas incalculáveis e, em alguns casos, desvirtua as boas maneiras implementadas na sociedade.
A moda é algo que vai do 8 ao 80, desde as calças rotas até ao smoking para os mais formais e retraídos.
Não vão muitos anos, as mulheres estavam na linha da frente no uso da moda, mas, actualmente, os homens também dão o ar da sua graça, seguindo a fluidez da moda.
Até aos finais da década de 60, a moda tinha uma ligação directa com a indumentária que cada um apresentava e, para os mais radicais, o corte do cabelo mais ou menos extravagante. Hoje, a moda passa também pela transformação do próprio corpo: brincos por tudo quanto é sítio “piercing”, tatuagens, ginástica, culturismo, o andar, o olhar, o falar e o gesticular têm que estar “in”; Os rapazes copiam o american life espelhado nos rappers e no hip pop; falam com a boca torta, como se tivessem escapado de um AVC, aliás, esta doença está na moda em Luanda, para confirmar, o senhor leitor veja a página de necrologia do Jornal de Angola, morte súbita para quase todos.
Enquanto os rapazes exageram no tamanho das roupas, as mulheres, claramente, fazem uma poupança de tecido que deixa qualquer um fora do sério. A barriga já há muito tempo que faz parte da coisa pública; os decotes deixaram de existir, porque os seios estão a mercê da vista desarmada. Saias, vestidos e calções? Éh pa… é precisamente essa situação que tem que mudar! As calças, vestuário que a três décadas era usado só por homens, são tão apertadas que para vestir é preciso untar as pernas com banha. Os homens, pelo contrário, agora usam umas calças, que não sei se são calções, tão largas/os que o fundilho arrasta no chão.
Os apêndices oculares ocupam toda a cara ou são exíguos para dar um ar de intelectual.
Tudo isso não faz mal, desde que estejamos na moda, mas existem valores que não podem sair da moda, são eternos, contribuem para o bom funcionamento da sociedade.
Um desses valores é o respeito pelas instituições: Escolas, tribunais, instituições públicas e de prestação de serviço público, igrejas e demais.
Ninguém tem o direito de usurpar à atenção do professor (a) quando o dever deste (a) é orientar o saber. Não se pode raciocinar em condições quando ao redor as pessoas procuram despertar os instintos humanos mais íntimos.
O que o indivíduo diz fica esvaído pela atenção que a sua aparência desperta. Talvez poucos concordem com essa posição, mas vejamos: Imagine uma viúva que reclama os seus direitos com relação aos bens deixados pelo defunto: Um ano depois apareça grávida, choramingando e lamuriando que não esqueceu o grande amor da sua vida, o defunto.
Se o defunto já não usufrui dos seus direitos maritais mais sagrados como é que ela se encontra naquele estado? A reclamação dos seus direitos é legítima, mas a forma como se apresenta é completamente descabida para provar o seu lamurio.
O advogado que vá defender uma cliente que recebeu ordem de despejo por mau uso da habitação, se esta aparecer perante o juiz com uma saia daquelas que não tapam nada, pode confirmar a tese do senhorio, por outro lado, o juiz pode supor que a advogado está a receber em espécie… e o caso está perdido.
Talvez alguém me chame de machista, não sou. Sou africano e o pudor é um valor que faz parte da educação, até porque a luta contra o assédio sexual é uma das bandeiras actuais das sociedades hodiernas. Mas se passarmos a vida a despertar os instintos humanos mais íntimos, o assédio continuará do masculino para o feminino e vice-versa.
É necessário se adequar às circunstâncias. A moda incomoda ou não incomoda? Talvez incomode a todos aqueles que não estão na moda.

O (in)Sucesso do Micro-Crédito


Belarmino Van-Dúnem *

O conceito de desenvolvimento afasta-se cada vez mais do “economicismo” para se voltar para o bem-estar humano que, na maior parte dos casos, não coincide com o crescimento económico.
A pessoa humana está na base do desenvolvimento. Devido a esse facto, o Estado e a Sociedade Civil, de modo geral, devem providenciar mecanismos para que os mais desfavorecidos possam viver com dignidade.
O micro-crédito tem sido um dos principais mecanismos de combate à pobreza utilizado nos países em vias de desenvolvimento. O grupo alvo deve ser o pequeno empreendedor, principalmente com baixo rendimento nas zonas rurais e urbanas. Os sectores primário e secundário devem ser os privilegiados (agricultura, comércio e prestação de serviços).
O(s) proprietário(s) ou beneficiário(s) deve(m) traba-lhar directamente no empreendimento e acumular as funções de produzir e gerir. Não se vai dar o caso do indivíduo que beneficia do micro-crédito passar o dia na ilha porque agora é empresário. O micro-crédito serve para gerar pequenos rendimentos familiares sem prejuízo da expansão do negócio.
A pergunta que surge é a seguinte: Qual é o segredo para o sucesso do micro-crédito?
Existem vários factores que concorrem para o insucesso do micro-crédito, desde o já famoso “tio cunha”, que beneficia quem não precisa, até à falta de formação, monitorização e avaliação dos projectos de financiamento em forma de micro-crédito. Para evitar a perda dos fundos, deve-se ter em conta os seguintes procedimentos:
A concessão de crédito deve priorizar a criação de cor-rentes produtivas. Não se deve financiar 20 carpinteiros e um ou dois importadores de mobiliários na mesma zona, porque concorrem directamente entre si;
O processo deve prever o escoamento do produto;
Deve-se facilitar a compra de insumos;
Criação e manutenção da demanda para os produtos;
Comercialização da produção por meio de convénios e contratos em que o consumo dos produtos locais tenham preferência;
Fazer estudos de viabilidade do empreendimento pretendido pelo beneficiário;
O caso das senhoras merece uma atenção especial porque o seu trabalho beneficia não só a família, mas também contribui para a igualdade de género e; Protecção contra choques externos.
Além do Estado, as ONG têm desempenhado um papel fundamental nesta área de desenvolvimento como alternativa ao financiamento. Mas a verdade é que o trabalho comunitário não se faz sentir ou não tem tido o resultado esperado.
As filosofias de financiamento não obedecem aos critérios culturais locais. Os beneficiários gerem as receitas do empreendimento sem qualquer noção técnica de gestão de negócios: o dinheiro do pão para o mata-bicho sai das vendas do dia anterior; os que tinham duas damas arranjam mais duas, para não falar daqueles que compram meios rolantes para fazer banga e aumentar o trânsito na cidade.
Quando não existe formação, a monitorização é deficiente e os beneficiários acabam por perder a oportunidade de ser financeiramente auto-suficientes.
O micro-crédito é um direito do cidadão e concorre para o desenvolvimento, portanto, o acesso a este tipo de financiamento deve ser facilitado, se não as pessoas continuarão a recorrer ao kilapi que está generalizado nos meios urbanos.

*Professor Universitário (Mestre em Estudos Africanos -Desenvolvimento Social e Económico em África: Análise e Gestão).

A Busca de Vantagens entre A África e a União Europeia

Belarmino Van-Dúnem*

In: Jornal de Angola (2008-04-10)

A cimeira Europa/África que decorreu em Lisboa, Dezembro de 2007, mostrou que os Chefes de Estado e de Governo dos dois lados, Europa e África, não estavam ali para meias palavras.
O objectivo principal era o de encontrar um mecanismo legal que permitisse a continuidade das relações multilaterais entre os Estados europeus e o continente africano, consubstanciados nas duas organizações que congregam a maior parte dos Estados da Europa Ocidental e de África, nomeadamente a União Europeia e a União Africana.
As relações económicas entre as duas organizações estavam fora da conjuntura actual, segundo os europeus. Os Acordos de Cotonu, como referência das relações comerciais, já não faziam sentido porque é necessário uma parceria em vez de ajuda para o desenvolvimento.
A cooperação entre os países ACP (África, Caraíbas e Pacífico) e a União Europeia começou com a assinatura da Convenção de Yaoundé, Camarões, em 1964 e prosseguiu por mais quatro convenções de Lomé. A última caducou em Fevereiro de 2000.
Até a esta data, os acordos eram preferenciais, não recíprocos a nível comercial. Os Estados africanos tinham a prerrogativa de colocar os seus produtos transformados no mercado europeu sem preocupações tarifárias (nunca aconteceu).
Decorridos mais de meio século, os Estados africanos só colocaram na Europa matéria-prima. Por outro lado, a ajuda para o desenvolvimento não teve qualquer impacto. Pelo contrário, alguns estados foram obrigados a implementar programas que ajudaram a afundar mais a economia, como foi o caso dos Programas de Ajustamento Estrutural liderados pelo FMI.
Como houve ajuda sem desenvolvimento e a nova conjuntura internacional não é a mesma desde o fim da guerra-fria, claro: a culpa é sempre da “globalização”. A União Europeia decidiu que era necessário um novo cenário para as relações Europa/África e a nova parceria foi assinada em Cotonu no dia 23 de Junho de 2000.
Os acordos têm cinco princípios gerais: Dimensão política global; Promoção de abordagens participativas; Estratégias de desenvolvimento e concentração no objectivo de redução da pobreza; Estabelecimento de um novo quadro de cooperação económica e comercial e Reforma da cooperação financeira. Estes são os princípios que dão os pressupostos para os famosos Acordos de Parceria Económica (EPA) que constituem objecto de discussão a nível do comércio Europa/África.
Os africanos têm argumentado que, durante os anos de ajuda que o Ocidente prestou ao continente, não tiveram qualquer impacto estrutural. A África participa no comércio mundial com cerca de 4% das importações e 3% das importações.
Tudo o que é exportado acaba por voltar para o continente em forma de produtos acabados ou transformados, por conseguinte mais valorizado. O comércio intra-africano é apenas de 10% e, se retirarmos a fatia das exportações da África do Sul e dos países exportadores de petróleo, pode-se afirmar que não existem trocas comerciais entre os Estados africanos. Com excepção da África do Sul, os Estados africanos não têm vantagens competitivas (falta de quadros qualificados ou mal aproveitados, inexistência de tecnologia, falta de indústria transformadora, analfabetismo e disfunção burocrática.
O PIB do continente africano subiu para 5,8 em 2007, contra os 5,7 em 2006, tudo devido à grande subida dos preços dos produtos de base a nível mundial, com particular incidência para o preço do barril do petróleo. Mas também é verdade que houve melhorias a nível da estabilidade política e macro-económica, aumento do fluxo de capitais, redução da dívida de alguns estados e bom desempenho em sectores não-petrolíferos como a agricultura e o turismo.
A UE quer reciprocidade no comércio porque as regras da OMC assim o exigem. Mas os Chefes de Estado e de Governo de África não aceitaram. Alguns levantaram a voz, outros preferiram o silêncio.
O Presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, foi o mais crítico, afirmando que a Europa quer submeter o continente na dependência eterna e que o seu país não assinava o acordo, o mesmo tom teve o Presidente da Líbia.
Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, foi pragmático e directo: “esta é uma política com África e não para África”. Os APE são necessários para a existência de uma base legal de cooperação entre os povos de África e da Europa, razão suficiente para os estados que dependem das ajudas para o seu funcionamento e existência pensarem duas vezes antes de negar a assinatura.
Actualmente, o cenário é desolador para os africanos. As organizações económicas regionais ficaram desagregadas e o processo de integração regional está comprometido.
Na África Ocidental, o Ghana, a Cote d’Ivoire e os Camarões concluíram acordos interinos; na África Austral, a razia da UE foi maior porque o Lesotho, Swazilândia, Botswana, Moçambique e a Namíbia rubricaram acordos transitórios, a África do Sul mantém o seu acordo preferencial.
Angola não assinou nenhum acordo e o Zimbabwe, Ilhas Maurícias, Madagáscar, Zâmbia e, surpreendentemente, a Tanzânia desertaram da SADC e assinaram acordos transitórios em nome da Comunidade da África do Leste (CAE).
O continente africano está numa situação de “salve-se quem poder”. Os APE não são para a África, mas com África.
E agora?

*Professor universitário e analista de política internacional

Maturidade de Angola na recepção ao Papa

Maturidade de Angola na recepção ao Papa

Belarmino Van-Dúnem*

In: Jornal de Angola (2009-03-23)

O povo angolano está de parabéns, a visita do Santo Padre à Angola mostrou a capacidade e a maturidade dos angolanos na preservação da unidade e dos valores nacionais. Sua Excelência o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, esteve à altura dos acontecimentos, deslocou-se ao aeroporto 4 de Fevereiro, fez um discurso de boas-vindas e disse que o povo angolano estava desejoso e disponível para receber calorosamente Sua Santidade, o Papa Bento XVI.

Mas no discurso feito no Palácio Presidencial, o Presidente fez uma radiografia do país real, mostrando que não está alheio à situação do povo que dirige. A Polícia Nacional, por sua vez, não defraudou. Numa acção que não se via há algum tempo, comunicou atempadamente as ruas que estariam vedadas à população em geral, 12.000 efectivos oficialmente disponíveis e uma demonstração de disciplina, sem nenhuma ocorrência de excesso que ponha em causa a acção da corporação.

O principal aspecto é mesmo a discrição com que a segurança do Santo Padre foi feita, os uniformes foram substituídos pelo fato acompanhado da respectiva gravata, dando um ambiente de rigor e credibilidade a todo o evento. A Igreja também esteve ao mais alto nível, num acto de verdadeira humildade e união espiritual: as mais altas figuras da Igreja Católica em Angola fizeram um retiro reflexivo e contemplativo total, dando o protagonismo às suas ovelhas.

O Cardeal, os Bispos e os padres estiveram todos na discrição, mostrando que o Papa veio para os angolanos e não apenas para os católicos, uma verdadeira demonstração do Ecumenismo que tanto se apregoa e deseja-se.O povo deu uma lição de organização, fé e boa vontade, demonstrou afecto, carinho e disponibilidade para o ilustre visitante. O cordão humano foi imensurável, os gritos: “Papa Amigo, Angola está Contigo” não pararam, levando o Santo Padre a baixar os vidros do Papa móvel e a irradiar a sua bênção por todos quantos se dignaram deslocar-se para saudar Sua Santidade. Uma palavra de alento e conforto para as famílias que perderam os duas jovens falecidas nos Coqueiros, na esperança de verem e ouvirem a mensagem do Santo Padre para a juventude angolana.

A julgar por tudo o que se passou durante a estadia do Papa em Angola, pela organização de todos envolvidos, África saiu bem representada, Angola foi digna das expectativas. Aqui uma palavra especial para os católicos da África Austral mais São Tomé e Príncipe que estiveram aqui representados, para além de outros convidados que testemunharam a fé e a hospitalidade do povo angolano. A comunicação social estrangeira rendeu-se à organização e à fé do Povo angolano. Aliás, uma palavra também para os meios de comunicação social angolanos públicos e privados que fizeram questão de fazer uma cobertura total ao evento.

A Rádio Nacional de Angola colocou repórteres que cobriram todo o trajecto e as actividades do Santo Padre. A Televisão Pública de Angola fez o mesmo, mas apresentou um recurso que há muito tempo se esperava, um helicóptero garantiu a cobertura de todo o percurso do Papa em Luanda e o Jornal de Angola, único diário nacional, fez manchete todos os dias. É caso para dizer, Angola deu provas de maturidade e organização.

*Analista político- Coordenador do Curso de Relações Internacionais da Universidade Lusíada de Angola

Politica Externa de Angola em 2009

A Politica Externa de Angola em 2009
(Subsídios para a Sistematização)

II

Por: Belarmino Van-Dúnem*

Desde 2008, Angola tem demonstrado que pretende criar as condições para se tornar numa plataforma de cooperação na África Austral e Central.
Depois do advento da paz definitiva, em 2002, o governo angolano desdobrou-se em contactos bilaterais com os estados africanos, permitindo o desenvolvimento da cooperação a nível da segurança. Essa cooperação fez-se sentir tanto na troca de informação como na formação e estruturação das forças de segurança pública e do exército.
Durante o ano de 2007/08, vários estadistas africanos e enviados especiais de governos do continente mantiveram contactos oficiais com o governo angolano com o objectivo de colher experiência, por um lado, e solicitar ajuda para ultrapassar as respectivas crises internas. Não foi necessário passar muito tempo para que as organizações multilaterais, como a ONU e a União Africana reconhecem as capacidades de Angola na área da Defesa e da Segurança e o papel ao nível do continente.
Tendo consolidado o pressuposto da Segurança, fundamento essencial da política externa de qualquer Estado, Angola tem avançado com o pressuposto Económico. Sendo o Estado africano que mais tem cooperado na área financeira/económica e na captação de mão-de-obra com o novo gigante mundial, a China, não deixa de ser verdade que existe uma diversificação da cooperação económica com a entrada no país de empresas vindas das mais diversas paragens do mundo.
Desde a sua nomeação, 1 de Outubro de 2008, o Ministro das Relações Exteriores de Angola, Assunção dos Anjos, tem feito um conjunto de contactos que poderão marcar uma nova era na política externa de Angola.
Da Rússia à Washington, passando por Paris, Berlim e Lisboa, Angola tem procurado chamar para si os parceiros para o desenvolvimento.
A nova era da Política Externa de Angola apresenta uma dinâmica que não se constava nos últimos anos. O Presidente da República tem feito recurso à diplomacia directa. Ao contrária de uma grande parte de estadistas do continente africano, o Presidente José Eduardo dos Santos é conhecido por ser contido nas viagens, fazendo-o apenas quando é estritamente necessário.
O Presidente da República de Angola deslocou-se à China, Alemanha, Portugal, demonstrando que Angola abre uma nova era na sua política externa. Esses contactos têm dado resultados positivos com a assinatura de acordos gerais (instrumento indispensável para o início da cooperação entre dois ou mais estados), mobilização de fundos para a reconstrução nacional e na sensibilização para captar o investimento directo estrangeiro.
Os Acordos Gerais na área do comércio e da justiça são indispensáveis para a cooperação bilateral.
A nível do comércio permite a protecção mútua de capital, a especificação da importação e exportação de produtos e os condicionalismos aduaneiros a que os investidores estão sujeitos.
No que concerne a justiça, permite ultrapassar os problemas quando os respectivos cidadãos entram em conflito com a lei. Não sendo sujeitos do Direito Internacional, o cidadão comum fica submetido ao ordenamento jurídico do Estado em que se encontra. Na maior parte dos casos não tem complementaridade com as leis do seu Estado de origem. Havendo um acordo na área da justiça facilmente se resolve o problema, muitas vezes, recorrendo a extradição.
O último sinal da Nova era da diplomacia angolana foi a deslocação do Presidente, José Eduardo dos Santos, à África do Sul para testemunhar a tomada de posse do seu homólogo, Jacob Zuma. Essa acção pode ser interpretada como premissa para uma aliança que servirá de alavanca para a SADC.
A comemoração do dia de África, oficialmente realizada em Luanda, com a presença do Presidente da Comissão da União Africana, Jean Ping, demonstra que as atenções da política externa de Angola não se resumem às questões inter-estatais. Neste sentido pode-se afirmar que a politica externa de Angola esta direccionada para as duas vertentes: a bilateral e a multilateral.


· Professor UniversitárioAnalista de Politica Internacional

A Politica Externa de Angola em 2009

A Politica Externa de Angola em 2009
(Subsídios para a Sistematização)
II

Por: Belarmino Van-Dúnem*

Desde 2008, Angola tem demonstrado que pretende criar as condições para se tornar numa plataforma de cooperação na África Austral e Central.
Depois do advento da paz definitiva, em 2002, o governo angolano desdobrou-se em contactos bilaterais com os estados africanos, permitindo o desenvolvimento da cooperação a nível da segurança. Essa cooperação fez-se sentir tanto na troca de informação como na formação e estruturação das forças de segurança pública e do exército.
Durante o ano de 2007/08, vários estadistas africanos e enviados especiais de governos do continente mantiveram contactos oficiais com o governo angolano com o objectivo de colher experiência, por um lado, e solicitar ajuda para ultrapassar as respectivas crises internas. Não foi necessário passar muito tempo para que as organizações multilaterais, como a ONU e a União Africana reconhecem as capacidades de Angola na área da Defesa e da Segurança e o papel ao nível do continente.
Tendo consolidado o pressuposto da Segurança, fundamento essencial da política externa de qualquer Estado, Angola tem avançado com o pressuposto Económico. Sendo o Estado africano que mais tem cooperado na área financeira/económica e na captação de mão-de-obra com o novo gigante mundial, a China, não deixa de ser verdade que existe uma diversificação da cooperação económica com a entrada no país de empresas vindas das mais diversas paragens do mundo.
Desde a sua nomeação, 1 de Outubro de 2008, o Ministro das Relações Exteriores de Angola, Assunção dos Anjos, tem feito um conjunto de contactos que poderão marcar uma nova era na política externa de Angola.
Da Rússia à Washington, passando por Paris, Berlim e Lisboa, Angola tem procurado chamar para si os parceiros para o desenvolvimento.
A nova era da Política Externa de Angola apresenta uma dinâmica que não se constava nos últimos anos. O Presidente da República tem feito recurso à diplomacia directa. Ao contrária de uma grande parte de estadistas do continente africano, o Presidente José Eduardo dos Santos é conhecido por ser contido nas viagens, fazendo-o apenas quando é estritamente necessário.
O Presidente da República de Angola deslocou-se à China, Alemanha, Portugal, demonstrando que Angola abre uma nova era na sua política externa. Esses contactos têm dado resultados positivos com a assinatura de acordos gerais (instrumento indispensável para o início da cooperação entre dois ou mais estados), mobilização de fundos para a reconstrução nacional e na sensibilização para captar o investimento directo estrangeiro.
Os Acordos Gerais na área do comércio e da justiça são indispensáveis para a cooperação bilateral.
A nível do comércio permite a protecção mútua de capital, a especificação da importação e exportação de produtos e os condicionalismos aduaneiros a que os investidores estão sujeitos.
No que concerne a justiça, permite ultrapassar os problemas quando os respectivos cidadãos entram em conflito com a lei. Não sendo sujeitos do Direito Internacional, o cidadão comum fica submetido ao ordenamento jurídico do Estado em que se encontra. Na maior parte dos casos não tem complementaridade com as leis do seu Estado de origem. Havendo um acordo na área da justiça facilmente se resolve o problema, muitas vezes, recorrendo a extradição.
O último sinal da Nova era da diplomacia angolana foi a deslocação do Presidente, José Eduardo dos Santos, à África do Sul para testemunhar a tomada de posse do seu homólogo, Jacob Zuma. Essa acção pode ser interpretada como premissa para uma aliança que servirá de alavanca para a SADC.
A comemoração do dia de África, oficialmente realizada em Luanda, com a presença do Presidente da Comissão da União Africana, Jean Ping, demonstra que as atenções da política externa de Angola não se resumem às questões inter-estatais. Neste sentido pode-se afirmar que a politica externa de Angola esta direccionada para as duas vertentes: a bilateral e a multilateral.


· Professor UniversitárioAnalista de Politica Internacional