quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A REVOLUÇÃO EGÍPCIA E A DISILUSÃO

Por: Belarmino Van-Dúnem
 
Nas comemorações do segundo aniversário da revolução egípcia, o país ficou dividido entre os apoiam as reformas políticas e sociais com a mesma tendência religiosas para todos, uma espécie de islamização do Estado. Noutro lado, os que acusam a irmandade muçulmana, no poder, de estar a trair os preceitos que levaram o povo egípcio a se unir contra o regime do Presidente Mubarak.

No dia 11 de Janeiro de 2011, o Presidente Mubarak abdicou oficialmente do poder na sequência das manifestações em todo o país, com destaque para a Praça Thair cuja fama tem ombreado, nos últimos dois anos, com as Pirâmides. Nas manifestações participaram todas as tendências políticas, a vitória foi atribuída ao povo, mas na verdade por detrás de todo o alvoroço estava o poder da Irmandade Muçulmana que a muito procurava uma oportunidade para pôr a prova a sua popularidade que não era desconhecida pelo regime no poder e pelas potências ocidentais que têm uma fobia visceral da islamização da sociedade, medo que se agudizou depois do fatídico acontecimento do dia 11 de Setembro em Nova Iorque.

O resultado do pleito presidencial no Egipto não foi novidade, a irmandade muçulmana venceu, embora um terço da população tenha votado contra, mostrando a diversidade religiosa e cultural existente naquele país do norte de África que desempenhava o papel de equilíbrio região, sobretudo nos tempos do Presidente Mubarak.

Depois da vitória, o Presidente Mohammed Morsi mostrou-se equilibrado ao se distanciar das tendências radicais, fazendo discursos inclusivos e pouco ou nada fez contra as altas figuras do antigo regime, alias os militares continuavam a ser os timoneiros do país de facto. Mas foi sol de pouca dura! O Ocidente tentou puxar por Morsi, dando-lhe destaque num dos últimos embates entre Israel e o Partido Hamas da Palestina. Na altura, Hillary Clinton afirmou: "o Presidente Morsi está a mostrar que quer ser o líder da região e o Egipto irá retomar o seu papel de potência na região e no conjunto dos países árabes".

“A realidade é como o azeite, soube sempre”, o Presidente Morsi propôs um referendo para aprovar uma Constituição que lhe dá poderes absolutos, inclusive acima do parlamento. As regras de convivência social foram claramente islamizadas e as liberdades individuais e colectivas profundamente trinchadas. As mulheres e as pessoas sem confissão religiosa foram claramente atingidas, a luz da nova constituição, é proibido ser laico. A ciência e a investigação devem estar ao serviço da verdade de deus.

As pessoas ficaram boquiabertas, mas o Presidente Morsi já mostra o que pensa e qual o seu verdadeiro sentido de governação, o islão deve estar no centro das decisões, dentro e fora do Egipto. O facto de ter manifestado que é contra a intervenção francesa no norte do Mali criou um grande mal-estar na cimeira da União Africana.

Os egípcios continuam a ir para a Praça Thair, clamando por mais liberdade, igualdade e unidade da Nação. A irmandade muçulmana faz ouvidos mocos, e afirma que em democracia quem vence governa os restantes cumprem. Estamos perante a ditadura da democracia, mas o que esperar quando todos sabíamos que nas sociedades de maioria islâmica a tendência é homogeneizar a sociedade e anular a diversidade.

No caso da Primavera Árabe, posso afirmar sem reservas que o inverno político ainda está a começar porque, pelo andar da carruagem, no norte de África vai cair granizo e a estabilidade tardará. A revolução está a ser uma autêntica desilusão.

 

FRANÇA/AFRIQUE: LONGA ODESSEIA



Por: Belarmino Van-Dúnem

A odisseia francesa pelo continente africano é muito longa e, entre altos e baixos, a França tem estado umbilicalmente ligada às intervenções nos Estados Africanos. A intervenção começou na Argélia, perante a revolta de Cabilia, cujo saldo estima-se em mais de 20 mil mortos argelinos. No ano de 1947 enfrentou mais uma insurreição numa das suas colónias em África, desta vez no Madagáscar, a intervenção da França para manter o seu domínio no arquipélago africano custou a vida a mais de 80 mil malgaxes.

A partir dai, a contestação dos territórios africanos foi aumentando, a solidariedade da revolução árabe foi essencial para o incentivo, uma vez que motivos não faltavam, para que os Estados da África subsaariana intensificassem a sua luta contra o domínio colonial. Tendo em conta o drama das duas tentativas anteriores de conter a sublevação dos povos oprimidos de África, a França arquitectou uma imensa e complexa estratégia de neocolonialismo para África, cujas consequências persistem.

No ano de 1956, a França viu-se obrigada a ceder face ao desejo de autodeterminação do Reino dos Marrocos, da Tunísia e do Sudão. O Egipto foi o primeiro Estado, dentro da revolução árabe a rebelar-se contra a ocupação europeia em África, alcançou a independência em 1952, na sequência do golpe militar que derrubou o regime do Rei Faruk que permitia uma espécie de semi-colonialismo no território. A Argélia só veio a alcançar a sua independência em 1962 depois da Frente Nacional de libertação (FNL) ter liderado uma guerra sem tréguas contra a França desde 1954.

A França aproveitou o facto da maior parte dos Estados africanos ter clivagens internas e regionais muito acentuadas. Os líderes africanos tinham rivalidades internas que transvazavam as fronteiras nacionais, em função dos interesses ou ambições pessoais, era decidido à que grupo dar apoio ao nível continental. No contexto das rivalidades internas, os golpes e contragolpes foram acentuados.

No continente africano surgiram líderes com carisma e determinados a lutar contra a opressão colonial, Mobido Keita, Leopold Senghor, Sekou Touré, Kwame Nkrumah, Julius Nyerere, inclusive Gamal Abdel Nasser e Patrice Lubumba eram motivo de preocupação para as potências ocidentais. Essa situação agudizou-se quando se decidiu que as tropas francesas e inglesas tinham que se retirar do Canal Suez, a partir dessa data ficou claro que as mudanças no cenário internacional eram irreversíveis.

A França forjou a estratégia do Grupo de Brazzaville em 1960, liderado por Senghor, faziam parte do Grupo a maioria das ex-colónias francesas, o primeiro Presidente da Cote D'Ivoire, Félix Houphoet-Boigny, tornou-se num dos principais impulsionadores e defensores desse grupo cujo principal objectivo era defender uma espécie de semi-independência para os Estados africanos. Defendiam a independência política e uma autonomia económica com limitações na política externa. No ano de 1961 surgiu o Grupo de Casablanca liderado por Nasser, com o objectivo de contrapor o grupo anterior.

A Presença francesa em África sempre foi efectiva porque, fruto da guerra fria, os EUA e o Reino Unido cederam a responsabilidade da segurança em África à França. As tropas francesas estão estacionadas no Senegal, na Cote d´Ivoire, no Gabão, Chade e Djibouti. Embora o número de efectivos diminuiu significativamente durante a década de 90, mas com ascensão do Presidente Sarkozi houve um retorno à África.

Os acordos de defesa e segurança são os principais instrumentos que a França utiliza para legitimar as intervenções nas ex-colónias. A França tem acordos com a Mauritânia, Senegal, Mali, Guiné, Cote d’Ivoire, Togo, Benin, Camarões, Níger, Chade, Burquina-Faso, Gabão, RDC, República do Congo, Burundi, Djibouti e Comores.   

A intervenção francesa na Costa do Marfim que levou a queda de Laurent Gbagbo e consequente prisão pelo TPI, assim como o derrube do regime do Presidente Kadafi foram os sinais claros do retorno da França à África depois de uma década e meia de retiro. A intervenção do exército francês que está a decorrer no norte do Mali, embora tenha efeitos positivos e substitui a inercia dos africanos, dará a França a dimensão de potência mundial que sempre almejou.