sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

COTE D`IVOIRE: O LEGADO DE HOUPHOUET-BOIGNY

COTE D`IVOIRE: O LEGADO DE HOUPHOUET-BOIGNY
Por: Belarmino Van-Dúnem

A Cote D´Ivoire situa-se na região do Golfo da Guiné, com cerca de 322.463 Km2, ao norte faz fronteira com Mali e Burkina-Faso, ao Sul é banhada pelo Oceano Atlântico, a Leste com o Gana e a Oeste com a Guine e a Libéria. Está dividida em duas grandes regiões naturais: o Sul mais chuvoso e coberto por uma densa selva tropical, possui grandes plantações de produto de exportação (café, cacau e banana), nesta região encontram-se instaladas várias empresas estrangeiras; o Norte, planalto granítico, é coberto de savanas, onde pequenos proprietários cultivam sorgo, milho e amendoim. São essas potencialidades agrícolas que fizeram da Cote D´Ivoire um país de imigração desde a chegada dos europeus.
As divisões étnicas e suas complexidades constituem o cerne da crise que assola o país. Porque o aproveitamento politico das clivagens étnicas/sociológicas é uma constante, mas o principal mentor da situação actual é, sem sobra de dúvidas, aquele que também é considerado pai da Nação Ivoiriense, Félix Houphouet-Boigny. A população está inserida em quatros grupos principais subdivididos em outros grupos menores, autentico cocktail étnico/linguístico propenso à manipulações:
1- Na região de Sudoeste, existe o grande grupo Akan, cujas populações constituintes são provenientes do este, do actual Gana, considerados primos dos Ashanti e dos Fanti, vindos em muitas migrações entre 1690 e 1740; os Baule que procedem do oeste pelos Abron e os Anyi; outros pequenos grupos denominados lacunares ou Akan meridionais e também Abidjan, são de origens diversas, provenientes na maioria do leste; os Akan de origem ou assimilados, cujas designações iniciam todas por A: Adioukrou e Abidji( só estes vieram do oeste), Attié, Abbey, Avikam, Alladian, Ébrié, Abouré, Éhotilé e Nzima ou Appoloniens e ainda mais três ou quatro.
2- No sudoeste as populações são oriundas da Libéria e da Guiné, o grupo Krou, que é composto pelos Krou própriamente ditos, os Bakwé, os Godié, os Gueré e os Wobé ( que constituem o conjunto dos Wé), os Beté e os seus primos Dida, todos particularmente habitantes das florestas ( com excepção dos Krou da costa ).
3- No Noroeste do país bem como no centro, instalaram-se os Mandinga/Malinké própriamente ditos e os Mandé meridionais: Dan ou Yakouba, Toura, Gagou ou Gban e Gouro ou Kouéni.
4- Em torno dos enclaves malinké estão fixadas as etnias do grupo Voltaique; os Sénoufo (agricultores sólidos e pacíficos); a nordeste, os Koulango ou Dangoba, vindos do leste e os Lobi, grupo arcaico marginalizado há bastante tempo (Philippe David 1986:16-35).
As sucessivas crises políticas que a Cote D´Ivoire tem conhecido ao longo da sua história, sobretudo depois da independência, são um exemplo claro dos problemas étnicos e da imigração descontrolada que atravessa quase todo continente africano. Vejamos a descrição histórica da crise política/militar que o país atravessa.
A rebelião que se passou na Costa do Marfim a 19 de Setembro de 2002 é corolário das diversas crises étnicas/políticas que tem afectado a sociedade ivoirense. Segundo diversos autores desde a independência, o Estado ivoiriense nunca foi verdadeiramente nacional e democrático. Os sucessivos governos que se foram tiveram sempre na sua base critérios étnicos, facto que tem levado a exclusão e, consequentemente o descontentamento de vários grupos, que vêem o governo como propriedade de um grupo étnico. A exigência da identidade Ivoirense para participar nas disputas eleitorais é um dos factores de discriminação que tem contribuído para o domínio das etnias provenientes do sul em detrimento do norte. Mas as disputas entre os vários grupos étnicos e, em alguns casos, no seio da mesma etnia também são factores que não devem ser descorados na análise das crises sucessivas que têm assolado a Cote D´Ivoire.
Ao longo da presidência de Félix Houphuet-Boigny, 1960 a 1993, todos os ministros da defesa eram escolhidos no seio da sua etnia, inclusive na família directa (seu sobrinho Konan Bonny, por exemplo), tudo com o objectivo de assegurar o poder e a longevidade da influência do seu grupo e os sucessivos governos que se foram formando eram constituídos, na sua maioria, por pessoas provenientes da etnia dos betés, favorecida pelo poder central. A situação se tornou mais grave porque se desenvolveram um conjunto de preconceitos pejorativos com o objectivo de descriminar os demais grupos étnicos do país.
Os betés “seriam os selvagens, pessoas violentas e sem organização política, por esta razão indignos do poder do Estado; As etnias oriunda do Norte seriam uma espécie de estrangeiros, os seus ancestrais provem do Mali, Burkina-Faso e da Guiné Konakri, estes estariam destinados a servir de mão-de-obra na plantações ou como empregados domésticos nas casas das famílias provenientes do sul”( Tiemoko Coulibaly 2000:16). Por outro lado, aos estrangeiros e aos seus descendentes era negada a nacionalidade da Costamarfinense independentemente do tempo de residência no país, por esta razão estavam excluídos de gozar a cidadania Ivoirense.
Em 1970 surgiu umas das primeiras crises mais significativas, a “crise do Guebie” que opôs a etnia dos baolés contra os betés que contestavam o domínio político dos primeiros. Kragbe Gnagbe, originário dos Guebie e líder da revolta, exigiu a formação de um partido da oposição, como de resto rezava o artigo 7º da constituição nacional. Por este motivo foi acusado por Hophouet -Boigny, então presidente, de pretender uma sucessão, orientando uma repressão violenta na região dos betés (Tiemoko Coulibaly 2002:16). Através de sucessivas repressões, os Akans acabaram por consolidar o seu poder na Cote D´Ivoire, originando a ideologia da “akanidade”, segundo a qual os akans estariam pré-destinados a governar o país em detrimento dos outros grupos étnicos/linguísticos existentes.
Em 1991 no interior da etnia Akan (detentora do poder) se opuseram os dois sob grupos que compõem essa etnia, os Agni e os Baoulé, o presidente Houet-Boiny provem precisamente deste último grupo. Os Agni acusavam os Baoulés de praticarem o tribalismo e por esta razão revoltaram-se, ensaiando uma sucessão para se juntarem ao Gana, berço dos Akans. Mas a tentativa foi violentamente reprimida pelo poder central. Segundo Philip Camará (2002:8-13), o Presidente Hophoeuet-Boigny favoreceu abertamente a sua etnia, mobilizando recursos do Estado para dotar a sua aldeia natal (Yamousoukro) de todas as infra-estruturas para ser a capital política do país, com especial destaque para Basílica da Nossa Senhora da Paz, uma réplica da Basílica de S. Pedro em Roma. A submissão das populações do norte às do sul, pode ser explicada pelos acordos que o então presidente, Hophuet-Boigny, fez com os chefes das tribos do sul, dada ao peso e a influência que esses chefes têm, os seus súbditos aceitavam passivamente as suas directrizes. O Sucessor de Hophuet-Boigny, Kanan Bedie que pertence a mesma etnia e há que diga que é filho biológico do antigo presidente, também seguiu a politica do seu antecessor, apoiava-se na etnia Akan para formar o Governo.
Em 1999, o General Robert Guei liderou um golpe de Estado e efectuou uma mobilização militar com vista a ter o exército a seu favor, para esse fim afastou os generais cuja origem era do norte (general Abdoulaye Coulibaly e Palenfo acusados de orquestrarem um Golpe de Estado em 2000), por outro lado, os militares provenientes do norte começaram a sentir-se ameaçados, acabando por refugiar-se no Gana, onde receberam apoio do Presidente Blaise Campaoré do Burkina-Faso. Entre esses refugiados encontrava-se Coulibaly um dos líderes da rebelião de 2002. Em 2000 o actual Presidente, Gbagbo venceu as eleições, dois anos depois na tentativa de um Golpe de Estado Guei foi morte nos arredores de Abidjan, o mesmo aconteceu com a sua esposa.
Gbagbo, depois de ter sucedido Guei, tem feito reformas para que algum equilíbrio e ter o exército a seu favor. Mas também tem escolhido homens da sua etnia para os postos centrais (na defesa Lida Kouassi, segurança Boga Doudou e no posto de chefe Estado o general Mathias Doue, este favoreceu a formação de milícias betés fieis ao Presidente), em conjunto têm feito tudo para livrarem-se das tropas recrutadas por Robert Guei, levando a cabo uma desmobilizando das tropas, alegando “falta de verba e necessidade de modernização das forças armadas”, paradoxalmente houve desde 2000 o recrutamento de jovens provenientes da sua etnia o que tem provocado descontentamento por parte do grupo dos akans.
Desde a tentativa de Golpe de Estado em 2002, o processo democrático ficou esbarrado. Entre interferência estrangeira, do continente africano e da França, a questão da nacionalidade e da cidadania estão no centro da crise. No processo de registo eleitoral até se fez recurso à analises de ADN que levou à exclusão de um quarto da população, num universo de 20 milhões de habitantes, mas, mesmo assim, os problemas vão surgindo.
O Presidente Gbagbo tem um projecto de refundação da sociedade ivoiriense que conquistou uma boa parte da juventude que vê o futuro malparado devido à existência de muitos imigrantes, alguns exibindo BI nacional. A última cartada do Presidente foi a de acusar a Comissão Eleitoral Independente (CEI) de ter introduzido ilegalmente 5000 a 4000 eleitores do Norte nas listas eleitorais. Como consequência, destituiu a CEI e o Governo liderado por Guillaume Soro, líder das Forças Novas que controlavam o Norte do país até os acordos de Ouagadougou em 2007, no entanto foi reconduzido no cargo de Primeiro-Ministro.
Gbagbo deu 48 horas à Soro para apresentar o novo Governo, sob pena deste ser destituído do seu cargo. O prazo não foi cumprido, até o dia 17 de Fevereiro do corrente ano, não havia Governo, apesar das consultas feitas por Soro ao seu quartel-general no Norte e na capital do país. Há quem diga que o Presidente Laurent Gbagbo já tem na cartola um novo Primeiro-Ministro, Alcide Djedjé, actual representante da Cote D´Ivoire na ONU e conselheiro diplomático do Presidente Gbagbo. Caso isso aconteça veremos se os anos de governação de Soro enfraqueceram a sua influência militar e se o Norte irá aceitar tal decisão. Uma coisa é certa: A União da Oposição liderada pelo ex-Presidente da República Konan Bedie e pelo ex-Primeiro-Ministro Alassane Quattara já disse que não reconhecem Gbagbo como Presidente e a destituição do Governo é mais um Golpe de Estado no país. As eleições presidenciais para este ano de 2010 estão, mais uma vez, em causa.