quinta-feira, 31 de maio de 2012

Kuduro Enquanto Marca

Por: Belarmino Van-Dúnem
O estilo musical Kuduro já entrou no cardápio musical de Angola. Na década de 90, embora já se fazia ouvir nas noites africanas, esse estilo musical não tinha a dimensão internacional que assistimos hoje.

A primeira polémica no que refere à autoria do estilo foi protagonizada entre o artista Sebem e o Rei Hélder. Tudo começou com a música “Felicidade”, que “Rei Hélder” teria plagiado sem respeitar os direitos autorais. O erro foi reconhecido pelo “Rei Hélder” que acabou por gravar um CD com Sebem que, em abono da verdade, não fez tanto sucesso, “bateu na rocha” como dizem agora.

O que as pessoas não tinham muito conhecimento é que a personagem principal do Kuduro é o artista Tony Amado que terá iniciado o estilo, segundo o mesmo, o nome de Kuduro está relacionado com a dança praticada por ele na altura. Pondo as polémicas de parte, o Kuduro se internacionalizou e vários foram os artistas que deram o seu contributo.

No início da década de 2000 começou a surgir, nas periferias de Luanda, vários grupos que, se foram afirmando no mercado nacional e internacional e existem questões que preocupam no Kuduro:

1. Sem desprimor nenhum, preocupa o facto das rivalidades se transformarem em violência, sobretudo com a expansão da ideia de “Gang” em que se destaca o grupo “Os Lambas” cujo líder do grupo “Nagrelha” se auto-denomina como chefe do Estado-maior do Kuduro. Os Lambas gritam ao microfone que são “os demónios do Sambizanga”. As pessoas respondem com gritos e apupos, os jovens entrem em transe, incentivando o artista Nagrelha nos seus pronunciamentos pouco sociáveis, como por exemplo “quando o tiro não vos mata, eu chego aqui para matar”. Pode ser simbólico, mas, assim é bom? Claro que não!    

2. Outro assunto que preocupa no Kuduro é a letra das músicas. Não se pode negar que houve uma evolução na métrica e nas rimas, mesmo no ritmo do Kuduro na última década. Mas o conteúdo da maior parte das letras é bastante pobre e, em alguns casos, ofensivo ao decoro social. Embora devamos reconhecer várias mensagens positivas nas letras de “Dog Murras”, “Lambas”, “Puto Lilás”, “Os Kalunga Mata” “Puto Prata”, “Pai Banana”, “Agre G” e outros putos que fazem sucesso no kuduro. Sem deixar de criticar as rimas forçadas e os chamados “bifes”.

3. O surgimento de artistas do sexo feminino é um fenómeno positivo. Mas as letras não têm se distanciado muito dos chamados “bifes” entre umas e outras. Noite e Dia, Fofando, Própria Lixa, Gata Agressiva, passando pela Titica que foi considerada (o) pelo Jornal o País como personalidade do ano 2011, a indumentária caracteriza-se pelo colorido e pelo pansexualismo.

4. Os estilos de dança também têm provocado algum burburinho entre os mais conservadores. Há alguns anos, a dança era Kuduro, agora o estilo da dança que acompanha a musica Kuduro também tem nome. A que mais polémica suscitou foi a dança “Du Cambua”, cujos movimentos poucos se atrevam a executar em pleno gozo do seu juízo, não seria nenhum exagero afirmar que a dança “Du Cambua” é pouco familiar. Ninguém se sente muito confortável quando a sua filha ou esposa toma a iniciativa de dar “du cambua”.

 Os “toques” actuais do kuduro corrompem qualquer estigma moral de outros tempos, tenho a certeza que os nossos netos irão perguntar se dançamos “du cambua”.

5. Existe pouco controlo do uso da patente “Kuduro” fora do território angolano. Não deixa de ser preocupante que a maior parte das pessoas que se dedica aos assuntos da cultura nacional fique passivo quando se assiste a perversão de algo que é nacional. Há uma percepção errada em assumir que todo o estilo musical cuja letra se refira ao Kuduro pertença a esse estilo.

6. O artista Lecenzo, num duo com Dom Omar, interpretou a musica “Danza Kuduro” com um ritmo latino, por outro lado, o artista português José Malhoa também interpretou “Morena Kuduro”. Embora eu não tenham muitos elementos para avaliar a essência do Kuduro, me parece que, de Kuduro aquelas musicas só têm o refrão que evoca o “Kuduro”. Mas a rítmica não se assemelha nada ao Kuduro que tanto furor faz actualmente em Angola. No entanto, o artista Sebem, no programa “Sempre a Subir” da TPA, afirmou que aquelas músicas também faziam parte do estilo Kuduro.

Alias um a parte, agora o programa “Sempre a Subir”, é apresentado por dois artistas “Presidente Gasolina” e “Ouro Negro” cuja linguagem é imperceptível. Por não se tratar de nenhuma língua nacional, nem ser característico de nenhuma região penso que não há necessidade de promover aquele tipo de pronunciamento e/ou linguajar.

Neste momento em que a sociedade angolana começa a se estruturar, há necessidade de criar ídolos nacionais que possam concretizar a móbiles político nacional. O Kuduro é um dos factores que apresentam Angola no exterior, posso afirmar que Angola “está a bater pelo kuduro” e podemos ter duas atitudes: aproveitar ou fingir que não estamos a ver.

É necessário chamar a atenção dos teóricos da cultura sobre a urgência em normatizar o kuduro enquanto património nacional. O blues, Jazz, Rock and Roll, hip hop e mesmo o Fado português são estilos que nasceram nos subúrbios, mas hoje fazem parte do património cultural, tanto dos Estados Unidos da América como de Portugal.

Na actualidade não há festa angolana sem kuduro. Este estilo musical tem versões nas principais línguas internacionais, inglês, francês e espanhol. Para além de ser interpretada em Português, já começa a ser usual ouvir kuduro em línguas nacionais. Portanto, o Kuduro enquanto marca angolana faz parte do património nacional. Há necessidade de padronizar esse estilo musical, procurando eleva-lo a patamares que possam contribuir para dignificação da cultura nacional, tal fez Amália Rodrigues relativamente ao Fado ou Louis Amstrong com relação ao Jazz. Não estranho ver por ai, pessoas a darem “du cambua”, sobretudo depois de algum estímulo em liquido na calada da noite, então nos preocupemos com a marca kuduro, quer na sua qualidade ou na sua preservação.