segunda-feira, 19 de agosto de 2019

DA MORALIZAÇÃO DA SOCIEDADE

Da Moralização da Sociedade

Por: Belarmino Van-Dúnem

A existência do mal no mundo é um facto incontestável (guerras, sofrimentos físicos e morais, limitações de toda a ordem, desastres naturais, fome, injurias, exclusão, ameaças e como se não bastasse, o último mal sob o qual ninguém pode fazer nada, a morte.
Na tentativa de se encontrar uma saída para todo o mal que graça pelo mundo os homens e as mulheres interrogam-se sobre o valor do próximo e os meios mais eficazes para que todos possam fruir do mínimo de bem-estar enquanto membros da sociedade com plenos direitos.
Quando a sociedade chega a conclusão que todos indivíduos são iguais perante a lei e, por esta via têm direitos e deveres que devem ser garantidos começa a procura de mecanismos para implementar acções que levam ao alcance do bem-estar comum. Entra-se desta forma no campo da moral.
Segundo o psicólogo Émile Boirac “a moral não é um simples estudo dos costumes humanos: tem antes por objectivo as regras dos costumes, a moralidade ideal e perfeita. Propõe-se a saber não como os homens vivem de facto, mas como devem viver”. Ora, nesse sentido a moral é a ciência dos costumes tal como devem ser e não como são. Assim existe a necessidade de fazer recurso à noção de bem e de mal, ou seja, quando fazemos apelo a moralização da sociedade, estamos implicitamente a dizer que há uma ausência do bem ou daquilo que deveria ser.
Se a constatação é factual, então existe a necessidade de se indicar aquilo que deve ser (as obrigações, os deveres, as responsabilidades, os juízos de valor que passarão a fazer parte dos conteúdos da consciência moral). O filosofo Kant no seu livro sobre a Crítica Razão Prática afirma que “o homem, através da razão prática cria as suas leis morais que se impõem à vontade como imperativos categóricos dignos de todo o respeito e, por isso de obediência”.
Para este grande filosofo “nada pode ser tido por bom, excepto a boa-vontade. Esta boa-vontade não consiste em querer o bem proveniente de qualquer principio exterior, mas de bem querer”. Devemos bem querer aos outros e a nós próprios, daí a máxima: Faça aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti. Kantianamente falando diríamos “age de tal modo que gostarias que a tua acção recaísse sobre ti.”
A moral sendo a ciência dos costumes tal como devem ser é diferente dos valores. Do ponto de vista da axiologia o valor é individual, está intrínseco a cada pessoa. Cada um atribui uma determinada qualidade às coisas que lhe são apresentadas, os valores também podem ser abstratos ou materiais: ser humilde ou boa pessoa é interior ao individuo, mas dar mais valor à uma viatura do que às pessoas é material.
Portanto, os valores morais seriam os costumes desejáveis pela sociedade, aqueles hábitos e costumes que levariam os homens e as mulheres a alcançarem a felicidade. Para que tal aconteça a sociedade ou o grupo de pessoas sobre as quais recai a necessidade de alcançar e praticar valores morais deve definir que tipo de valores se pretende, sensibilizar, consciencializar, padronizar, corrigir, indicar, cultivar e cultuar os valores desejáveis, que passam a ser valores morais, premiando o bem e reprovando o mal.
As pessoas só irão agir com moral se por um lado, sentirem que o bem compensa na pratica e por outro lado, se o mal tiver consequências negativas. Portanto, a moralização da sociedade não só implica uma hierarquia de valores que elevam o que é desejável e minimizam o indesejável, mas também um conjunto de acções concretas que induzam as pessoas a praticar o bem-comum em detrimento do mal.
A campanha sobre a moralização da sociedade lançada pelo MPLA é uma iniciativa boa que deverá agora ser assumida por toda a sociedade porque, em principio todos os cidadãos querem o bem. O lançamento da campanha constitui um factor da agenda política, a eficiência e a eficácia da mesma irá depender das acções que forem implementadas.
Para que tal aconteça é necessário mobilizar os Ministérios da Educação, da Acção Social Família e Promoção da Mulher, da Juventude, da Justiça, do Interior e da Defesa. As organizações da sociedade civil e as igrejas para que todos possam estar em harmonia com a campanha.

A moralização da sociedade significa fazer a divulgação de valores morais, chamar a atenção para a necessidade das pessoas agirem com ética, orientar a sociedade para padrões de comportamento que elevem o ser humano e permitam a sã convivência entre todos. Os valores a serem distinguidos não devem apenas ser cultivados, mas sobretudo cultuados por todos. Uma sociedade saudável é aquela em que todos vivam com alguma previsibilidade sobre os actos dos outros.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

10 Falácias da Zona de Comércio Livre da SADC

Por: Belarmino Van-Dúnem 

Entre nós há um acérrimo debate sobre a zona de comércio livre da SADC uma vez que Angola caminha com passos largos, já atrasada, para a sua adesão. 
Os empresários estão preocupados, segundo eles próprios que, por via de algumas associações e/ou confederações, têm se manifestado. 
Os pesquisadores e opinion makers também têm mostrando algum cepticismo. Os argumentos de uns e de outros são sempre os mesmo: “a economia angolana não é competitiva e por isso não devíamos aderir”!
É neste momento que começam as FALÁCIAS. 
1. Numa zona de comércio o consumidor final ganha sempre porque uma vez retiradas as taxas aduaneiras,  os produtos chegam sempre ao mercado com preços mais baixos;
2. Se os nossos empresários quase nada produzem que tipo de concorrência pretendemos fazer? Talvez seja uma oportunidade para os empresários comerciantes importarem produtos da região mais baratos; 
3. As trocas comerciais intra-regionais e até Intra-africanas são quase nulas. Há mais trocas comerciais entre os países da região com a China e com a UE e até com os EUA do que entre os países africanos;
4. Numa zona de comércio livre o Estado mantém a sua soberania econômica, o que significa que a qualquer momento, caso seja necessário, os órgãos afins podem e devem agravar este ou aquele produto, substituindo por outro para perfazer as percentagens exigidas pela Organização Mundial do Comércio para que o Estado faça parte de uma zona de comércio livre;
5. O desarmamento da pauta aduaneira, em princípio, atende as potencialidades internas, isto significa que os produtos cuja probabilidade de produção interna são maiores ficam ou ficaram fora do grupo cujas taxas aduaneiras foram retiradas, pelos menos  esperemos que assim tenham procedido os técnicos nacionais que trabalharam no dossiê da adesão da zona de comércio livre da SADC;
6. Alguns pensadores e opinion makers afirmaram que Angola deve ter em atenção a África do Sul, tendo em conta as potencialidades e o desenvolvimento industrial daquele país. 
O que esses intelectuais omitem, propositadamente ou por ignorância, é que para África do Sul deverá existir um acordo preferencial ou mesmo a manutenção dos acordos já existentes; 
7. É importante lembrar que numa zona de comércio livre há livre circulação de produtos constantes na oferta da pauta aduaneira desarmada, mas não há livre circulação de pessoas, portanto essa história do aumento da imigração ilegal não se coloca,  é uma falácia. Aliás, Angola já deu isenção de visto de entrada no território para alguns países da SADC inclusive a África do Sul e o acordo está a funcionar bem!
8. Angola não pode continuar de meio corpo no processo de integração econômica regional quando todos os países já avançaram há vários anos cuja experiência das instituições públicas e dos seus empresários já é considerável. Sendo assim é pertinente que entremos agora do que apanhar o comboio noutra fase onde as características são mais profundas, como a livre circulação de pessoas e bens e a perda da soberania econômica à favor da região. Os Estados passam a ter uma política comercial comum. Este facto acontece logo a seguir à zona de comércio livre, ou seja, na União Aduaneira. 
9. Num processo de integração econômica regional, não se pode pensar só nas vantagens competitivas. É mais importante pensar nas vantagens completares e nas vantagens comparativas. O que significa que devemos procurar produzir o que os outros não produzem ou se o fazem não têm vantagem competitiva e por outro lado, procurar complementar as indústrias regionais com insumos ou prestação de serviços, quer através dos transportes (caminho de ferro de Benguela e os diferentes portos nacionais) assim como ao nível da prestação de serviços.
Angola tem vários planos de industrialização não concretizados que podem servir de base para atender o processo de integração econômica regional de forma equitativa e racional. O Estado deve separar as vantagens públicas das ambições e expectativas privadas. 
As orientações e a regulação da banca devem funcionar. A banca deve cumprir com seu real papel. 
As instituições públicas voltadas para a economia e para comércio devem ser realistas e atender à expectativas e necessidades reais empresários, sobretudo os produtores (agricultores e industriais) potencializa-lós e integra-los. Fugindo da pressão que muitos grupos organizados fazem e depois importam produtos das mais variadas regiões do mundo, ficando o produto final mais caro para o consumidor final, neste caso para todos angolanos e angolanas; 
10. Por último e não o último, Angola não tem outro caminho se não juntar-se aos demais países da região, sob pena de ficar sozinha, num isolamento desconfortável que pode atingir outros sectores e o país continuar no marasmo econômico.
Há necessidade de implementar uma estratégia de política externa de longo prazo com os princípios devidamente traçados numa espécie de Política Externa Perene onde mudam as estratégias e as acções, mas não os princípios fundamentais, aliás este ensaio já existiu e tem dado frutos até este momento em  que houve uma mudança significativa na diplomacia angolana com uma maior proactividade e emprenho presencial do Presidente João Lourenço enquanto principal actor da política externa de Angola a luz da Constituição da República.
Se as instituições não conseguirem acompanhar a pedalada que o Presidente João Lourenço tem estado a imprimir com os seus discursos e com a sua desenvoltura pessoal, aí sim, talvez os efeitos não sejam os esperados. 
A verdade é uma: As desvantagens que são propaladas entre nós por causa da breve adesão de Angola à zona de comércio livre da SADC só serão efectivas se continuarmos no mesmíssimo hábito do conforto e não fazermos o trabalho de casa. São muitos anos desde 2008. Chegou a hora de Angola dar um sinal de boa-vontade e juntar-se aos restantes países da região  Austral de África a SADC.

ANGOLA E A ZONA DE COMÉRCIO LIVRE DA SADC

Por: Belarmino Van-Dúnem

Os Pronunciamentos dos Ministério da Economia e Planeamento e do Ministério do Comércio dão como dado adquirido que Angola irá aderir à Zona de Comércio Livre da SADC em Agosto deste ano, mês em que se realiza a Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo daquela organização económica regional.
No que concerne a adesão existem duas abordagens que devem merecer a atenção das autoridades e dos técnicos ligados à matéria: De um lado existe a vertente politica que tem um grande simbolismo. O Estado angolano sendo um natural e factualmente um dos países director da região Austral de África, a segunda maior economia, logo a seguir a África do Sul e com um grande prestígio no sector da defesa e segurança, não tendo aderido à zona de comércio livre estava isolado dos demais e era uma manifesta atitude de não estar em consonância com os parceiros da região. Outra questão que ficou um pouco ultrapassada com a aprovação da Zona de Comercio Livre continental africana em 2018, é a dupla filiação, ou seja, Angola pertence à SADC e a CEAAC e caso a SADC passe para fase da União Aduaneira esse status não será possível.  
Por outro lado, e não menos importante encontra-se a vertente técnica/económica. Neste caso as análises são diversificadas e pouco convergentes. De um lado os empresários que sempre demostraram algumas reticencias tendo em conta a concorrência e a competitividade que serão maiores. Mas também o facto de existir a necessidade de abordar a questão da integração económica regional a partir de pressupostos económicos e comerciais reais, nomeadamente a avaliação das economias dos países da região do ponto de vista comparativo, competitivo e da complementaridade porque só deste modo é possível elaborar uma métrica dos efeitos desta decisão para o sector produtivo nacional.
A decisão de apresentar duas propostas aduaneiras, uma para África do Sul e outra para restantes países da região, faz todo o sentido, tendo em conta que a África do Sul domina todos os itens de exportação e importação de África. No que toca as exportações intra-continentais, segundo a Comissão Económica das Nações Unidas para África (2019), a África do Sul domina com 45 por cento do total em três dos cinco principais sectores. Nomeadamente, equipamentos de maquinas e transportes (60.2 por cento), alimentos (28.9 por cento), mineiros e metais (25.4 por cento). Portanto justifica-se a adopção de um tratamento diferenciado. Embora seja necessário prestar uma atenção especial à outros países da região, tal como o Reino de Eswatini (ex Botsuana) que detém uma média de 20.1 por cento das exportações de produtos agrícolas no continente africano. A Namíbia tem 3.1 por cento do total das exportações para África, enquanto o Zimbabwe tem 2.7 por cento do total das exportações para dentro do continente.
Os dados acima apresentados servem para que o Estado angolano, no acto da apresentação da proposta de desarmamento da pauta aduaneira possa equilibrar, sabendo antecipadamente que tipo de produtos é que poderão entrar no país no âmbito da Zona de Comércio Livre e a sua origem, protegendo tecnicamente de algum modo eventuais produtos nacionais.
 Angola não está entre os 15 países que mais exportam no continente africano ou mesmo na região Austral de África, por isso é urgente acelerar a produção de alguns produtos de preferência manufacturados e não matérias-primas para participar de forma efectiva na zona de comércio livre da SADC. Este facto requer uma análise comparativa e da complementaridade relativamente aos outros Estados que fazem parte da organização porque não adianta entrar na lógica da competitividade tendo em conta as outras fases do processo de integração económica em que o desarmamento da pauta aduaneira será total, nomeadamente na fase da União Aduaneira.
A adesão de Angola à Zona de Comércio Livre da SADC poderia ter um impacte directo na arrecadação de receitas aduaneiras provenientes das taxas de importação, mas Angola praticamente não importa produtos com origem nos países da SADC. A África do Sul, como foi acima referido, terá um tratamento diferenciado dos restantes treze países da região. Portanto, pode-se perspectivar uma redução no preço de alguns produtos no mercado nacional, melhorando o poder de compras dos cidadãos que tem decaído nos últimos anos.
É necessário insistir na realização de seminários e outras acções de formação e informação para todos os potenciais intervenientes no processo, sobretudo as instituições públicas e privadas, assim como os empresários para o esclarecimento de eventuais dúvidas e das características técnicas inerentes à uma zona de comércio livre.
É necessário também que se saiba que numa zona de comércio livre existe livre circulação de produtos dos países da região constantes da lista de desarmamento da pauta aduaneira, mas o Estado mantém a sua soberania económica. Nesta fase do processo de integração económica regional não existe livre circulação de pessoas, embora esta questão seja relativa tendo em conta os acordos de supressão de vistos que foram subscritos por Angola.
O sucesso da inserção de Angola no processo de integração económica regional só será possível caso se acelere o inicio efectivo da produção agrícola e das industrias transformadora com base, reafirmo, nos princípios comparativos e complementares. Daí a necessidade de actualização dos estudos sobre as capacidades produtivas efectivas e potenciais, assim como os respectivos produtos que esses países exportam para que Angola possa aproveitar os nichos de oportunidade dentro da cadeia comercial já existente e se possível introduzir novos produtos que complementem as industrias desses países, criando mais-valia na região da SADC.