terça-feira, 10 de novembro de 2009


A SITUAÇÃO ACTUAL NA REGIÃO DOS GRANDES LAGOS

POR: BELARMINO VAN-DÚNEM*

A designação de Grandes Lagos advém do facto daquela região ser banhada por um número considerável de lagos:
Lago Tanganica (32 900 km² / 1 433m)
Lago Vitória (68 100 km² / 82m)
Lago Malawi (30 900 km² / 706m)
Lago Turkana (6 405 km² / 109m)
Lago Albert (5 270 km² / 51m)
Lago Eduardo (2 150 km² / 117m)
Lago Kivu (2 700 km² / 485m)
Lago Kioga (1 720 km² / 5,7 m)
A região dos Grandes Lagos é a região mais populosa do continente e tem grandes potenciais tanto em recursos naturais como do ponto de vista da agricultura.
Ao contrário do que aconteceu noutras regiões do continente africano, na região dos Grandes Lagos, a estrutura de pequenas monarquias locais pré-coloniais foi mantida pelas potências colonizadoras. Por esta razão, a região é constituída por um grande número de pequenos países que tentam desestabilizar os estados com alguma viabilidade, como exemplo podem ser destacados o Ruanda, o Burundi e o Uganda.
Se a referência em causa for geográfica os países dos Grandes Lagos são os seguintes: Burundi, Malawi, Moçambique, Quénia, República Democrática do Congo, Ruanda, Tanzânia, Uganda e a Zâmbia. Mas, se a análise for política, sobretudo para efeitos de compreensão dos conflitos, o número de países diminui significativamente conforme demonstra o mapa abaixo apresentado.
A região dos Grandes Lagos é composta por um grande número de grupos étnico/linguístico, o caso mais flagrante é a composição populacional da RDC que ultrapassa as 35 e mais de 50 variações linguísticas. Se por um lado se pode falar de uma grande riqueza cultural, não deixa de ser verdade que essas clivagens trazem alguns problemas principalmente quando a cidadania não é abrangente, ou seja, a discriminação de um determinado grupo em detrimento de outro. Isso acontece tanto na participação política como do ponto de vista do usufruto da exploração das riquezas nacionais.
Mapa1 - Região dos Grande Lagos

Fonte: Agencia FP

Os problemas etnicos, polítios e sociais da região dos Grandes Lagos existiram sempre, primeiro devido a desputa pelas terras ferteis no periodo pre-colonial e mais tarde pela forma como os ocidentais fizeram a coloização da região, dividindo os povos e hierquzando os grupos. O critério era mostrar que uns grupos eram superiores aos outros, portanto deveriam ter um tratamento especial.
Esse facto foi marcante entre os grupos Hutus e Tutsis no Burundi, facto que actualmente cria uma grande instabilidade em toda a região devido a emigração com especial destaque para à RDC, Uganda e até no Ruanda onde, em 1994 ocorreu um dos maiores genocidios da humanidade.
O alerta para a catastrofe na região dos Grandes Lagos foi dada a conhecer ao mundo como o genosidio ocorrido no Ruanda em 1994 com o genosidio de mais de 800.000 pessoas. Nos dois anos que seguiram a ONU registrou mais um massacre no Burundi, acusando o Presidente Melchior Ndadaye, um Hutu, que provocou uma movimentação de violência com outros grupos, nomeadamente os Tutsis que tiveram que se refugiar na Tanzânia.
A expansão do conflito para outros países da região tem sido uma realiade incontestavel. Os Hutus que cometeram os crimes de genosidio em 1994, depois de serem derrotados, fugiram para RDC e constitiram as chamadas milicias Interahamwe (Ex-FAR), denominando-se actualmente de Foças Democraticas para a Libertação do Ruanda (FDLR), principal opositor do regime de Paul Kagame.
A RDC que começou a conhecer os seus verdadeiros problemas relacionados à questão etnica, a partir de 1996/98 também teve que ser classificada como um país com sinais de genosidio. O conflito da RDC é actualmente o maior exemplo da transnacionalização dos conflitos africanos. Os grupos rebeldes variam consuante as regiões e caracterizam-se por criar o terror as populações civis.
Durante o conflito, o país ficou dividido em três regiões: O grupo Rassemblement Congolais pour la Démocratie et la Libération du Congo (RCD, sigla em francês), liderado por Laurent Kunda e fortemente apoiado pelo Ruanda; O MLC (Moviment pour la Libération du Congo) apoiado pelo Uganda e as forças Governamentais.

A instabilidade no Ruanda, Uganda e na RDC fizeram com que os países vizinhos também fossem afectados. Por um lado pelo fluxo de refugiados e por outro, pela transposição dos conflitos e da sua violência porque os grupos rebeldes atravessam deliberadamente as suas fronteiras para se instalar ou fazer saques nos estados vizinhos.

A guerra de 1996/98 que levou a ascensão da família Kabila ao poder e ao consequente derrube de Mobutu na RDC ficou conhecida como guerra mundial africana. Nela se envolveram mais de seis países, procurando defender os seus interesses, sejam eles de segurança ou de natureza económica e política.

O mapa que se segue monstra a forma como os países se posicionaram no conflito. Embora todos estivessem a tentar derrubar o regime de Mobutu, na verdade os interesses post-conflict não eram os mesmos. Enquanto Angola, o Zimbabué e a Namíbia recorreram aos acordos de defesa mútua da SADC para intervir, o Uganda e o Ruanda alegavam que a segurança das suas fronteiras estava em jogo.
A intervenção dos países da SADC deveu-se ao avanço considerável do Movimento Nacional para a Libertação do Congo (MNLC), lideradas por Jean-Pierre Bemba, com especial destaque para o Leste do País. O assassinato do Presidente Kabila (pai) levou ao diálogo e a primeira tentativa de democratização do país, os grupos rebeldes não encontraram uma plataforma para derrubar por via das urnas o regime instalado.
Mapa 2 - África com os Estados envolvidos no conflito da RDC

Fonte: Governo francês 2009


Actualmente a situação é animadora porque o ano de 2009 começou coma iniciativa do Ruanda e do Uganda em fazerem alianças com a RDC para ultrapassar as respectivas diferenças. O prisão do líder rebelde Laurent Kunda e a tentativa do Uganda em capturar Joseph Kony em colaboração com as autoridades congolesas constituem uma verdeiro impulso para a paz na região.
A operação feita entre a RDC e o Ruanda foi um bom sinal. A captura de Konda, por parte do Ruanda (vide artigo sobre o assunto neste blog) deviria ser o inicio de uma nova era. Mas as desconfianças matem-se e o rebelde está sob os aspicios do Ruanda com a RDC a reclamar a sua deportação. Mais uma vez os interesses não convergiram apesar da aliança no campo da batalha.
A presença da MONUC, da EUROFOR e dos contigentes da região dão uma nova esperança para o alcance da paz em toda região dos Grandes Lagos. Para além dos países da região, a ONU através da resoluções 1291 de 24 de Fevereiro de 2000 e 1304 de 16 de Junho de 2000, o Conselho de Segurança solicitou à organização para que realizasse uma conferência sobre democracia, paz e segurança na região dos grandes lagos, cujo objectivo era dar aos países africanos as condições para resolverem os próprios problemas. A verdade é que até a data a região continua bastante instável e sem probablidades de resolução a vista.
LUANDA, 2009

*Analista Politico

PERCURSO DA SOBERANIA NA LEI CONSTITUCIONAL ANGOLANA

PERCURSO DA SOBERANIA NA LEI CONSTITUCIONAL ANGOLANA

Por: Belarmino Van-Dúnem

A República de Angola desde a sua independência sempre se afirmou como um Estado soberano. A Lei Constitucional da Republica Popular de Angola de 12 de Novembro de 1975 define no seu artigo 1º que “A República popular de Angola é um Estado soberano, independente e democrático, cujo principal objectivo é a total libertação do Povo Angolano dos vestígios do colonialismo e da dominação e agressão do imperialismo e a construção dum país próspero e democrático, completamente livre de qualquer forma de exploração do homem pelo homem, materializando as aspirações das massas populares”. Portanto, a soberania sempre esteve na base da constituição angolana, o povo, na primeira fase, detinha as prorrogativas da soberania através da democracia popular.
No artigo 2º afirma que “toda a soberania reside no povo Angolano. Ao M.P.L.A., seu legitimo representante, constituído por uma larga frente em que se integram todas as forças patrióticas empenhadas na luta anti-imperialista, cabe a direcção política, económica e social do poder popular”. Neste sentido a soberania reside em cada dos cidadãos. Mas importa realçar que os pressupostos da soberania estavam, já na altura da independência, assentes na independência em relação às influências externas.
Um dos discurso do primeiro Presidente da República Popular de Angola, Doutor Agostinho Neto, dizia que “Angola é e será trincheira firme da revolução em África” e que “Angola não seria totalmente independente enquanto existisse algumas povos da região sob o jugo colonial ou outras formas de dominação”. Este discurso e espírito de ver a soberania já pressupõem a interdependência entre os Estados, uma vez que não é possível afirmar-se como soberano e independente de forma absoluta.

Já a lei constitucional de 7 de Fevereiro de 1978, consagra o Conselho de Revolução como um dos órgãos de soberania nacional, em substituição da Assembleia do Povo, o órgão supremo do poder do Estado e o presidente representa a Nação Angola (artigos 31 e 35 respectivamente). Nota-se que a soberania interna passa a ter órgãos representativos, facto que dará origem aos órgãos de soberania nacional que hoje existem. Esta concretização foi feita pela lei constitucional de 23 de Setembro de 1980, no artigo 37º que destaca a Assembleia do Povo como “ o órgão supremo de poder do Estado na República Popular de Angola e exprime a vontade soberana do povo Angolano…”.
A revisão da lei constitucional de 6 de Maio de 1991 marca uma reviravolta no conceito de soberania ao estabelecer, no artigo 1º, que a República de Angola é “uma Nação soberana e independente que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade livre, democrática, de paz, justiça e progresso social”. O artigo 3º estabelece que a soberania reside no povo, que exerce o poder político através do sufrágio universal periódico para a escolha dos seus representantes, através do referendo e por outras formas de participação democrática dos cidadãos na vida da Nação. Neste caso, não devemos perder de vista que passamos de uma democracia popular para uma democracia multipartidária, esta é, sem sombra de dúvidas, a grande viragem no exercício da soberania por parte do povo angolano.
No artigo 6º aparece a delimitação do exercício da soberania por parte do Estado angolano “o Estado exerce a sua soberania sobre o território, as águas interiores e o mar territorial, bem como sobre o espaço aéreo, o solo e subsolo correspondentes”. Tendo como órgãos de soberania “o presidente da República, a Assembleia do Povo, o Governo e os Tribunais”. O artigo 50º afirma que “a Assembleia do Povo exprime a vontade soberana do povo Angolano e promove a realização dos objectivos gerais da República Popular de Angola.
A revisão da lei constitucional de 16 de Setembro 1992, no seu artigo 2º define a República de Angola como “um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a unidade nacional, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo de expressão e de organização política e o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como individuo, quer como membro de grupos sociais organizados” e o artigo 3º reafirma o facto da “soberania residir no povo”. A Assembleia Nacional aparece como o órgão supremo de soberania que expressa a vontade soberana do povo angolano.
No concerne à soberania internacional, Angola sempre esteve consciente do facto de não ser possível se afirmar de forma absoluta e que o respeito pelas leis internacionais, nomeadamente a Carta das Nações, da ex-OUA actual União Africana e o respeito pela soberania dos Estados limítrofes constituem as bases para uma excelente coabitação internacional.
O espírito de interdependência faz com que Angola desde a sua independência aderisse a Organização de Unidade Africana, participa activamente como membro fundador da actual Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, desde os tempos da organização dos Países da Linha da Frente, está presente na CEEAC, na Comissão do Golfo da Guiné e continua a primar pelo respeito em relação aos princípios explanados na Carta da ONU.
Neste momento, o país se encontra de novo perante um processo constituinte para se estabelecer na Lei mãe, como os angolanos irão exercer a sua soberania. Os ânimos estão ao rubro, principalmente entre os políticos. Mas não existem dúvidas que o MPLA será o partido responsável pela nova lei constitucional por ter a maioria absoluta na Assembleia Nacional, órgão que votará a última versão.
Apesar desta realidade, com verdadeiro sentido de Estado, o processo está a ser inclusivo. Todos angolanos são chamados a dar o seu contributo e as proposta dos partidos políticos com assento parlamentar serão colocadas à discussão pública, este facto dá um cunho verdadeiramente nacional ao modelo de constituição que será aprovado.
Tendo em conta o processo e a fase actual do desenvolvimento económico e social de Angola, mas também a consolidação da reconciliação nacional, penso que a nova lei constitucional deverá espelhar o actual contexto nacional em todos aspectos da sociedade porque no fundo o contexto é que conta para a eficiência e Eficácia da lei. A forma de exercer a soberania por parte do povo deve estar bem definida, ou seja, como os angolanos irão transmitir o seu poder aos detentores do poder politico e importa ainda realçar que todos os modelos são bons, tudo depende do contexto. Os três projectos em debate: a) Sistema Presidencialista; b) Sistema Semi-Presidencialista e; c) Sistema Presidencialista Parlamentar têm pontos bastantes positivos, mas também algumas debilidades, portanto tudo depende da conjuntura e das circunstancia em que Angola se encontra.
Importa reflectir sobre as palavras do Presidente José Eduardo dos Santos que já em 1980 dizia: “Nós temos afirmado e reafirmado que não nos importa que as nossas opções políticas e ideológicas não agradem aos outros. O que importa é que elas sirvam ao nosso povo. Por isso, nem as hostilidades diplomáticas e militares, nem as pressões políticas impedirão que o povo angolano se afirme no mundo, com a sua personalidade própria, como Nação livre e soberana".