quinta-feira, 21 de julho de 2011

A NECESSIDADE DE UMA SOCIEDADE CIVIL LONGE DOS GRUPOS DE PRESSÃO

Por: Belarmino Van-Dúnem

A crise financeira e económica que abalou o mundo em 2008, teve efeitos desproporcionais tanto ao nível dos países, regiões, tal como no que respeita as classes sociais. Por exemplo, os efeitos nos países ocidentais cujos sistemas financeiros estão consolidados e interconectados não foram os mesmos que nos países emergentes onde o sistema financeiro está em franca expansão e a dinâmica económica está voltada para dentro, ou seja, os mercados são extremamente promissores, há uma classe media em ascensão e o capital flui de tal maneira que, em países como a China ou Brasil, a crise financeira serviu para demonstrar ao mundo a sua importância, chagando mesmo a financiar instituições como o FIM ou a compra da dívida externa de potencias económicas mundiais como aconteceu com a China relativamente aos EUA.
Nos países em vias de desenvolvimento a crise financeira/económica foi e é, a abono da verdade, uma crise económica e, só depois podemos falar de uma crise financeira. É nesse contexto que eu gostaria de abordar aqui, com artigo, a falência da sociedade civil nos países em desenvolvimento, um espaço cada vez mais ocupado pelos grupos de pressão ou colectivista do novo tempo que passam uma imagem negativa tudo que se faz a nível dos poderes políticos instituídos. Fazem-no independentemente da conjuntura, do partido que estiver no poder ou da situação, em termos de segurança.
A força dos grupos de pressão é tal que a maioria dos cidadãos, mesmo aqueles que têm a firme convicção de estarem a promover uma sociedade equilibrada e mais justa com os regimes instituídos, são levados a ter uma espécie de vergonha do status quo instalado. Essa realidade provoca a inexistência do debate enriquecedor na sociedade que se quer moderna. Aqueles que estão dentro do sistema, como são chamados, fogem ao debate e como consequência há um monólogo por parte dos grupos de pressão que vão bombardeando os cidadãos com liturgias de descontentamento e do desespero, criando um espírito de dúvida dogmática, de crítica induzida, de preconceito, intolerância, cólera de quem obtém algum sucesso, falta de rigor nas análises e pouca lucidez sobre o futuro. Todos criticam tudo, desde que seja algo que tenha alguma vantagem ou beneficio para o poder instalado.
No nosso país há um desequilíbrio assustador entre o sector público e o das organizações sem fins lucrativos ou seja a chamada sociedade civil. O debate descamba sempre para as questões relacionadas com a política nacional. Ainda estamos numa fase em que não se consegue ver para além da nossa própria realidade, uma espécie de falta de abstracção. Portanto, não há a promoção de um modelo de intervenção que nos permita intervir com a sensação de estarmos a fazê-lo dentro da sociedade civil. Há a sensação de estarmos cercados de “bófias da sociedade civil”, andam a caça de quem tem tendências condescendentes com o sistema para descredibilizar, criar o terrorismo intelectual, aliás criou-se o estigma de que só é inteligente aquele que se laça na procura do que ainda está por se fazer, ou seja, tem credibilidade aquele que diz como deveria ser, esquecendo como foi e como está.
Mas esta incapacidade de reacção também se verifica a nível dos sindicatos de empresas públicas e privadas, nas ordens e associações profissionais privadas. Alias, esses grupos também têm uma estrutura burocrática extremamente pesada, caras e cheias cargos dispensáveis para as dificuldades financeiras e de infra-estruturas que esse tipo de organização enfrenta. Mas há necessidade de tornar a sociedade civil mais activa, para que dê contributos no sentido de levar o poder do Estado a agir em beneficio do bem público, que permita o surgimento de uma sociedade mais justa, com qualidade de vida, com possibilidade de mobilidade social, um país onde todos os angolanos e angolanas sintam em si a esperança de uma vida com dignidade.
È evidente que muitos poderão não estar de acordo com o pensamento acima exposto, mas na verdade há necessidade de esclarecer que a sociedade civil “é o nome de toda a actividade social exterior à acção do Estado. Não deve por isso ser apropriada por um subgrupo restrito de grupos de pressão”. Alguns autores, como David Henderson, apelidaram esses activistas de (Martin Wolf 2008:374).
Numa sociedade em ascensão, num país em vias de desenvolvimento, as criticas devem variar, entre a contundência e o sentido pedagógico porque, enquanto membros da sociedade civil, o objectivo é levar os agentes políticos a agir em beneficio do bem-estar social, incentivar as boas práticas e desenvolver acções que inibam os responsáveis do poder político na prática de acções que prejudiquem os destinatários da acção governativa, portanto a sociedade civil é ou deveria ser um coadjuvante, parceiro do Estado e não uma espécie de contra-poder.
A emergência das chamadas “redes sociais” sempre foram muito temidas pelas organizações internacionais porque é através delas que os grupos anti-globalização faziam a mobilização para pressionar essas organizações a mudar a sua agenda que é caracterizada pelo liberalismo económico desmedido. Os estudos recentes, mostram que existe uma falência dos grupos da sociedade civil, os que ainda subsistem com uma lógica purista são os que consistem em organizações não-governamentais de carácter ambientalista, defensoras dos direitos humanos ou da igualdade entre os sexos, igualdade do género (idem).
Em Angola é o Estado que tem ocupado esse espaço: para a igualdade de género são as organizações políticas femininas como a OMA e a LIMA, tendo mesmo imposto os 30 por cento de representação feminina no parlamento. Há um Ministério do ambiente, mas vemos poucas associações pro-ambientais a interagir no sentido da protecção do meio ambiente. Por exemplo: na requalificação dos acessos à ilha de Luanda ficamos todos satisfeitos com a qualidade das obras, mas fez-me espécie ver aquelas árvores seculares a ser arrancadas pela raiz ao longo das praias, perguntei-me se não havia outra solução e pensei nas organizações pro-ambiental. A nível da defesa dos direitos humanos há uma maior proactividade da sociedade, mas as organizações que mostram ter esse cariz misturam as suas actividades com outras áreas ou sectores como o económico e político, por exemplo. O executivo também tem um Secretário de Estado que vela pelo cumprimento dos Direitos Humanos em Angola. Portanto, clama-se pela emergência de uma sociedade civil pura, em detrimento dos grupos de pressão que proliferam um pouco por todo país, inclusive a partir do exterior com impacte a nível nacional.
Sem atingirmos o desenvolvimento necessário, estamos a negar os sacrifícios que levam aos patamares das chamadas potências. Defendemos o bem-estar da comunidade e esquecemos o esforço individual, queremos o Estado de bem-estar social, mas pedimos uma economia com a lógica do mercado, fazemos uma filosofia pro-colectivista mas pedimos mais liberdade, defendemos o tradicional mas almejamos a mudança e a modernidade. Todo Esse paradoxo não pode significar o desejo de um totalitarismo nacionalista como os que aconteceram na Europa durante as primeiras décadas do século XX, tendo constituído os maiores desastre políticos e sociais da humanidade, como são as duas guerras mundiais. Portanto para o equilíbrio social, para a existência de uma sociedade mais justa e igualitária, sem negar o desenvolvimento, assumindo as consequências que dai advêm, há necessidade de fazer emergir a sociedade civil, criar uma filosofia filantrópica cujo fim seja o Homem em si, sem desprimor pela ambição que cada individuo tem direito a ter em qualquer sociedade.

A FALTA DE VALORES DA ANGOLANIDADE

Por: Belarmino Van-Dúnem

Os valores morais que consubstanciam a base de uma determinada sociedade devem ser cultivados e cultuados por todos. No mundo cada vez mais globalizado existe a sensação de desorientação colectiva, as pessoas não sabem bem ao que se ater ou que tipo de princípios se deve postular.
O liberalismo económico e das ideias passou concomitante para um liberalismo comportamental. A tríade saber ser, saber fazer e saber estar está desarticulado e a maior parte dos indivíduos que compõem a sociedade atem-se a um desses aspectos que deveriam constituir o todo da vivencia humana em comunidade.
O problema começa nas correntes da educação, onde existe um consenso relativo sobre a necessidade de uma educação para a liberdade mas, por outro lado, há dissonâncias sobre o propósito de educar para que o individuo se transforme num cidadão cosmopolita ou em alguém que esteja em plena ligação com a sua mundividência, sem perder de vista a universalidade do mundo interdependente.
Émile Durkheim, no seu célebre livro, Educação e Sociologia (2007) afirmou que “ a educação é uma coisa eminentemente social”. Para este sociólogo e pedagogo clássico “cada sociedade possui um determinado ideal de homem. E esse ideal deve ser o pólo da educação”. Durkheim define a Educação como “a acção exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social. Tem por objectivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais que lhe exigem a sociedade política no seu conjunto e o meio ao qual se destina particularmente. Portanto a educação é a socialização da jovem geração”.
Este conceito de educação também é partilhado por Giroux (1993) que embora defenda uma educação liberal do ponto de vista dos paradigmas existentes na academia, este pedagogo comunga da opinião de que “é a partir do cruzamento de valores político e cultural da educação que emerge a possibilidade de elaborar um discurso pedagógico critico constituído como forma de política cultural capaz de expressar os modos particulares como um grupo social sobrevive e significa as suas circunstâncias e condições de vida”.
Há, tanto em Durkheim como em Giroux, um reconhecimento de que a educação é a base de uma sociedade coesa e com valores transversais a todos. Ao contrário daqueles que apregoam uma suposta educação neutra e universal, a transmissão de valores, hábitos e costumes, habilidades e técnicas que se adaptem a realidade local é essencial para que se construa uma sociedade preparada para interagir como o seu meio e, automaticamente, com outras realidades que o circunscrevem.
Segundo Durkheim, o cosmopolitismo não é menos social que o nacionalismo. Mas ao contrário da subordinação dos fins nacionais aos fins humanos ou a colocação da pátria acima de tudo, o que se deve fazer é a harmonização dessas duas dimensões da humanidade. O que se pode afirmar categoricamente é que cada nação, entendida politicamente, tem o seu cosmopolitismo, o seu humanismo próprio, em que se reconhece o seu génio. Há necessidade de se ultrapassar a dimensão do que é e se pensar no que deve ser. Neste sentido, urge encontrar patrões valorativos nacionais que expressem a angolanidade e coloquem o cidadão perante factos ideais que o circunscrevem na condição de angolano.
No acto de aquisição da nacionalidade francesa, o candidato é submetido a um teste básico sobre a história e os valores sociais da França e no dia da declaração ou outorga da nacionalidade, o cidadão, depois de entoar o hino nacional (La Marseillaise), jura respeitar os valores da república. Face a esse acto simbólico, o indivíduo está vinculado aos valores oficiais da França entre os mais destacados, o humanismo. No Reino Unido até para jogar na Liga Inglesa de futebol o atleta tem que se expressar minimamente em inglês.
Nos últimos tempos transparece na sociedade angolana uma clara ausência de valores comuns. Há falta de uma estratificação nas abordagens sobre o país real, todos falam da mesma coisa e existe um afunilamento do debate social. Sempre houve uma diferença ambígua entre o político e o pedagogo nas sociedades em geral. Eu não tenho dúvidas que o pedagogo deve ser político para poder transmitir valores culturais e não só com fervor patriótico, mas também comungo da ideia de que os políticos têm que ser bons pedagogos.
Em Angola tem existido várias propostas para que se possa discutir valores, sobretudo vindos das confissões religiosas e do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que numa das últimas iniciativas propôs o debate sobre a família angolana. E, alguns políticos têm procurado acompanhar esse tipo de iniciativa que tanta falta faz na nossa sociedade que acaba de sair de um conflito armado e trilha os primeiros passos do desenvolvimento.
Mas o mesmo não se pode falar da sociedade civil organizada que tem estado abafada na discussão de problemas meramente políticos. Não me lembro de uma marcha a favor de uma melhor educação, da família, da compaixão, temperança, da valorização do homem pela méritocracia, da afirmação da angolanidade de que todos nos orgulhamos e defendemos. Realização de concursos sobre história de Angola, sobre a realidade nacional contemporânea, sobre os símbolos nacionais, revistas que retratem a biografia e o pensamento dos políticos angolanos, pesquisas e outros assuntos que ultrapassa a mera vivência concupiscente.
Todos discutimos política, falamos de ideais políticos, propomos e criticamos o que é feito. Não usufruímos das nossas belezas naturais, raramente nos submetemos a tertúlias académicas, menosprezamos os que da vida procuram cogitar, percebendo que o mundo é feito de valores transversais. Quantos cidadãos ainda se lembram de entoar o hino nacional do princípio ao fim? Qual é a proporção entre os angolanos que já tiveram ocasião de visitar um país estrangeiro e os que deslocaram-se a propósito a Malange para conhecer a Palanca Negra Gigante, ao Namibe conhecer a Welwitschia mirabilis, apreciar as cascatas da Tundavala ou a Serra da Leba na Província da Huila, quantos conhecem o nome completo dos Ministros ou pormenores sobre a independência do país, quais são os ídolos nacionais? Tudo isso causa arrepio e desespero e, então, há a sensação de desorientação porque o que desejamos está para além da nossa realidade, uma como o mundo das ideias em Platão que tem tanto de ideal como de utópico.
Há necessidade urgente de reencontrarmos outros focos de discussão e de debate. Desmitificar a utopia sem esquecer o ideal, temos que fazer uma espécie de cartasse para a coesão e identidade dos angolanos sem radicalismos nem complexos, mas simplesmente nos aceitarmos tal como somos e criar as bases que sejam transversais a todos angolanos.

Presidente Abdoulaye Wade a Crise da Democracia no Senegal

Por: Belarmino Van-Dúnem

O Presidente Abdoulaye Wade é um dos veteranos da política africana que acompanhou todo o percurso da democracia do Senegal que é tida, por muitos, como o exemplo mais estável do continente.
Nas suas actividades como Docente, todos reconheciam em Abdoulaye Wade uma forte capacidade de influência carismática e muito cedo se transformou num líder político. Mas a sua primeira tentativa para o cargo de Presidente da República foi em 1978, na altura concorreu contra o líder considerado pai da Nação senegalesa e um panafricanista de renome, Léopold Sédar Senghor, que venceu sem grandes dificuldades.
Dai nunca mais parou, tendo sido candidato em todos os pleitos presidenciais. Até que em 2000, depois de ter ficado em segundo lugar na primeira volta, conseguiu vencer na segunda volta, o então Presidente da República Addou Diouf, tornando-se no terceiro Presidente do Senegal.
Os mandatos presidenciais no Senegal são de 7 anos com possibilidade de um segundo mandato, perfazendo 14 anos, a semelhança do que acontece em França. O Presidente Wade, liberal por convicção, apareceu na política senegalesa como a esperança de um Chefe de Estado moderno em rotura com as práticas até então defendidas pelos líderes que estiveram na base das independências. Portanto, não foi difícil granjear a simpatia de outros líderes africanos com projectos que iam para além das soberanias nacionais.
O Presidente Wade é um dos defensores do projecto imediatista da União Africana, liderado pelo Presidente da Líbia, Muammar Kadafi. Mas Wade também esteve ligado ao projecto que criou a Nepad (Nova Parceria para o Desenvolvimento de África), através do seu projecto interno denominado OMEGA, cujo objectivo era criar as bases para a auto-suficiência alimentar do Senegal, a partir da eficiência e eficácia das instituições públicas nacionais e no reforço da industrialização e da agricultura.
Durante o primeiro mandato, Abdoulaye Wade teve o benefício da dúvida e governou sem grandes constrangimentos internos. Embora não tenha sido muito visível, Wade estava a preparar o seu filho, Karim Wade para o suceder. Os primeiros sinais, desse facto, foram constatados quando Wade (o pai), apontou o filho como candidato a Câmara de Dakar em 2009, apesar de não ter sido, na altura, o favorito nas sodagens. O teste foi desastroso, Karim Wade perdeu a favor de uma coligação dos partidos da oposição que haviam boicotado as legislativas de 2007, alegando fraude na reeleição do Presidente da República, Abdoulaye Wade.
Na altura já se aventava a vontade da família Wade em ver Karim na disputa do pleito presidencial de 2012. Como uma derrota não significa objectivamente o fim da batalha, o Presidente Wade, que já tinha o filho como seu Conselheiro principal, aumentou a presença de Karim Wade no Governo dando-lhe o estatuto de super-ministro. Karim Wade ocupa as pastas de Ministro de Estado para a Cooperação Internacional, Administração do Território, Desenvolvimento Regional, Transportes Aéreos, Infra-estruturas e Energia.
Essa mega - pasta ministerial de Karim Wade tem causado algum mal-estar nos círculos políticos senegalês. Mas as coisas têm andado interna e internacionalmente, onde a família Wade tem procurado alianças para a batalha que se aproxima em 2012. Na arena internacional, as parcerias têm sido boas, sobretudo com a bênção da França que tem feito os bons ofícios para a promoção da imagem de Karim Wade. Num último acto, ainda em 2011, o Presidente Zarkozy apresentou pessoalmente o seu afilhado, como é chamado, Karim Wade, ao Presidente Norte-Americano Obama.
Na política externa não há bons ofícios sem condicionalismos, em função das dificuldades que a NATO enfrenta para convencer os estadistas africanos sobre a lógica da ofensiva na Líbia, a França encontrou em Abdoulaye Wade o primeiro estadista africano a quebrar o espírito de unidade no continente. Wade deslocou-se a benghazi e expressou o seu apoio aos insurgentes, apelando ao Presidente Kadhafi que abandone o poder. Essa foi uma acrobacia política bastante arrojada para Wade porque todos conhecemos as suas posições na defesa dos assuntos africanos, alias, essa postura era visível já que o Presidente Wade tratava o líder líbio como irmão, tanto na fé islâmica como na defesa dos interesses do continente.
A estratégia internacional tem feito bons resultados, mas o desafio está no Senegal. O Presidente Wade tentou mais uma acrobacia interna, propôs um decreto presidencial para alterar a Constituição da República: 1º o candidato que obtiver 25% na primeira volta é considerado vencedor; 2º durante a primeira volta é eleito também o vice-presidente; 3º os mandatos presidenciais passam de 2 para 3, permitindo ao actual Presidente a disputa de mais um mandato. O que foi entendido como tentativa de levar Karim Wade nas costas para a presidência:
Wade pai candidatava-se, vencia a primeira volta com 25% e depois desistia ou renunciava o mandato por quaisquer razão, incapacidade por exemplo, já teria entre 83 ou 84 anos de idade, deixando o vice-presidente a frente do país, como é evidente, o seu filho Karim Wade.
Esses três itens fizeram a população sair a rua, os protestos foram de tal ordem que vários edifícios públicos e privados ficaram completamente destruídos, inclusive propriedades de alguns dirigentes. Face a situação, o Presidente Wade retirou a proposta do Parlamento. Mas como a oposição está sempre a espreita de algum deslize para aumentar a possibilidade de governar, os protestos continuam. A situação é tão grave que já há quem avente o Senegal como o primeiro país, na África subsariana, a ser afectado pela chamada primavera do Norte de África, subentende-se os protestos que colocaram fora do poder os presidentes da Tunísia, Egipto, afectam a Síria, Marrocos e outros Estados Árabes.
Neste momento, não se sabe bem qual será o futuro político no Senegal, para alem de estar em causa a fim do 2º mandato de Abdoulaye Wade, é pouco provável que existam condições para a candidatura as presidenciais de Karim Wade em 2012. Segundo a oposição, existem mercenários no país, cerca de 150 de nacionalidade Ganesa e Nigeriana, contratados pela presidência. Por enquanto, Karim Wade, “Ministro da Terra, do Céu e do Mar ” como é apelidado no Senegal, mantêm-se sereno e já anunciou a compra de mais algumas aeronaves a empresa francesa Airbus para o reforço da nova companhia aérea senegalesa “Senegal Airlines”.
Agora é esperar para ver, como São Tomé, se em 2012 a família Wade conseguirá a sucessão do Wade (pai) para o Wade (filho).

NOVAS GUERRAS

Por Belarmino Van-Dúnem

Desde 1945 que a comunidade internacional saída da primeira Guerra Mundial, criou todos os mecanismos para que o conceito de soberania tivesse respaldo junto dos Estados, ou seja, o espaço nacional seria respeitado e caberia as autoridades com legitimidade reconhecida manter a ordem e fazer cumprir.
O objectivo nº 1 da Carta da ONU era “manter a paz e a segurança internacionais e para esse fim: tomar medidas colectivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à e reprimir os actos de agressão, ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos, e em conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajustamento ou solução das controvérsias ou situações internacionais que possam levar a uma perturbação da paz”; vemos que na base desta organização multilateral estão princípios benevolentes que concorrem para a paz internacional. Mas na verdade esse organismo se tornou num meio para as potências mundiais agirem e intervirem um pouco por todo o mundo. Longe de se pensar na paz ou na ameaça da paz internacional, na verdade, a ONU está a concorrer para a existência de Estados fracos, sem capacidade de manter a lei e ordem interna, como se diz na gíria, “hoje por hoje” nenhum decisor político dos Estados em desenvolvimento tem certeza do que pode ou não ordenar no seu território.
Até a queda do muro de Berlim, a principal controvérsia estava na divisão entre os pro-liberais e aqueles que defendiam um economia planificada. Entre os que encaminhavam os seus regimes políticos com base nas democracias neoliberais e os Estados que primavam por regimes mono partidários, esses eram considerados pelo Ocidente como os maus, alvos a abater e levados à abrir as portas aos ventos da democracia. A verdade é que a década de 90 trouxe a democracia, os Estados uniformizaram as políticas nacionais, todos implantaram o multipartidarismo. Os resistentes tiveram que aderir ao liberalismo económico. A comunidade internacional experimentou novas formas de intervencionismo, no Libéria, Serra Leoa, Guiné-Bissau, Somália, Iraque e a Bósnia são alguns exemplos, mas foi sol de pouco dura. A maior parte dos conflitos eram internos e a ONU se sentiu impotente, onde esteve presente não conseguiu evitar ou apaziguar as tensões, algumas se tornaram mais violentas e expandiram-se para os meios urbanos como foi no caso de Angola, que depois da abertura democrática, em 1992, o povo conheceu os piores anos da sua história pós independência. As guerras, envolvendo actores internos, em que um dos contundentes reclamava democracia persistiram até o início da década de 2000.
Por incrível que pareça, nenhum artigo da Carta das Nações Unidas faz referência a democracia ou a qualquer outro tipo de regime político legítimo. Alias, a maior parte dos Estados do sistema internacional, em 1945, não tinham regimes políticos democratizados. Incrível, mas o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos também omite o termo democracia, as organizações regionais, por sua vez, é que tem vários instrumentos (protocolos, tratados, memorandos, cartas e outros) onde os Estados parte se comprometem com a democratização do regime politico através do multipartidarismo, querendo expressar com essa disposição a prorrogativa dos seus cidadãos disporem de direitos políticos. Para o bem e para o mal, as novas guerras provocadas e feitas pela comunidade internacional têm como bandeira os direitos humanos, que se convencionou serem aplicáveis ou tangíveis só em regimes democráticos multipartidários.
Se na década de 90, os conflitos violentos estavam centrados na África Subsariana, a 2ª década deste século começou com a viragem do foco de tensão nos países da África do Norte que eram apontados como estáveis, os únicos com viabilidade para atingirem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Ao contrario dos países da África Subsariana que têm nos seus territórios grupo rebeldes que o tempo transformou em beligerantes, nos países da África do Norte as convulsões estão a implodir sem rosto, não há direcção, o amanhã e uma incógnita, os partidos e personalidades nacionais elegíveis e/ou com objectivos de governar têm sido apanhadas na onda das manifestações populares e pouco ou nada conseguem fazer para apanhar boleia e chegar ao poder, com isso o poder político está a cair nas mãos dos militares de mão beijada, embora esses prometam devolve-lo aos civis assim que for oportuno.
Na Tunísia tudo começou no mês de Janeiro quando a população decidiu sair as ruas para se manifestar contra a opressão e defender a liberdade, fazendo uso das novas tecnologias a mensagem foi passando, levando ao derrube do poder instalado. O derrube do Presidente Ben Ali foi festejado não só pelo povo tunisino, mas pela maioria dos países ocidentais que se apressaram em reconhecer a necessidade de mudança no sistema político daquele país, começando por ameaçar o regime, caso não respeitasse a vontade do povo seria responsabilizado. Face a tal situação e não podendo fazer uso dos meios coercivos do Estado como reza a teoria, só o Estado tem a legitimidade de fazer o uso da força para manter a lei e a ordem, o Presidente foi obrigado a partir para o exílio. O fim da história foi interpretado pelos restantes cidadãos dos Estados da região como uma oportunidade para também fazerem a sua revolução.
Quando ninguém esperava, o Egipto um país considerado aliado vital do Ocidente não só na manutenção do status quo entre os países árabes e Israel, tal como no travão aos grupos radicais islâmicos. A população foi se ocidentalizando, o que valeu ao país o título de sociedade mais moderada da irmandade islâmica. No Cairo é era possível ver jovens universitários trajados a moda ocidental e só colocava a burca quem queria. Os líderes religiosos também não tinham assim tanto poder de influência na superstrutura do poder. Alias, a Secretaria de Estado dos EUA, Hillary Cliton começou por elogiar o regime de Hosni Muborak, afirmando que se tratava de um regime estável. O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido também afirmava que não estava dentro da estratégia de Londres cortar relações com o regime de Mubarak. Mas não foi preciso muito tempo para mudar o discurso, actualmente já se fala numa transição pacífica, ampla e participativa. Os militares, até ao momento, reafirmam a sua decisão de entregar o poder aos civis até o mês de Setembro deste ano, mas a verdade é que o futuro está longe da certeza e ninguém sabe quem será o próximo Presidente, ou quais serão os novos ventos do poder no Egipto.
Não há provas, nem experiencia bem sucedida de se substituir um regime por outro via influência directa externa e que tenha conseguido a estabilidade. Mas na verdade essa onda de se tentar democratizar a África do Norte poderá ser mais perigosa do que o que aconteceu na África Subsariana na década de 90, em que se agudizaram os conflitos internos e emergiram novos conflitos armados com os primeiros genocídios no Ruanda e no Burundi, mas foi também o inicio da tentativa de intervenção militar no continente com as Forças norte-americanas no terreno, embora tenha se revelado uma intervenção desastrosa, como todos as intervenções militares do EUA, sempre foram goradas. Assim foi, que o Presidente Bill Clinton jurou que os Estados Unidos da América nunca mais fariam uma intervenção em África. Mas o tempo passou, os discurso mudou e mais uma vez há militares americanos num país africano e, por sinal, na região mais complexa do continente, África do Norte, e com o líder mais sui generis, o Coronel, Muammar Kadafi.
Há uma espécie de Déjá Vu daquele tempo em que os ocidentais deixavam cair todos os líderes que não alinhavam com as suas políticas ou princípios. Antes todos sabiam que a guerra quente em África era alimentada pela guerra fria dos países desenvolvidos. Mas os países da África do Norte foram poupados e depois da queda do muro de Berlim não foram obrigados a democratizar os regimes políticos, nem a liberalizar completamente a economia nacional e a privatização foi liderada pelas autoridades nacionais sem grandes interferências.
A operação “Harmattan” que começou no dia 19 de Março de 2011 na Líbia abre um conjunto de interrogações que só o tempo poderá esclarecer. A primeira questão é qual fé o papel do exército nacional na defesa da soberania do Estado. Outra dúvida é relativa ao princípio de não ingerência nos assuntos internos, embora seja um princípio que caducou há muito tempo, ainda faz parte do ordenamento jurídico internacional. E o direito humanitário internacional que acabou por se transformou num principio base das relações internacionais. Todos sujeitos básicos do direito internacional estão obrigados a agir nos limites da salvaguardas desses princípios sob pena de serem considerados não dignos da sociedade internacional e para repor a ordem, a sociedade internacional poderá mesmo violar o direito humano fundamental que é o direito a vida. Porque nos parece que o respeito pelos direitos humanos estão a ser aplicados de forma desproporcional, ou seja, quem for pró Kadafi não tem direito a ver os seus direitos respeitados e só há população civil no lado dos insurgentes.
Na Reunião Internacional que decorreu no dia 29 de Março de 2011 em Londres, ficou claro que existe uma agenda económica dos países da OTAN, mas não há um plano de sociedade pós Kadafi. A nível da Economia o Qatar vai gerir o petróleo líbio e, relativamente ao regime, ficou assente que caberá ao povo líbio decidir o seu futuro, entenda-se que se pretende anunciar as eleições, alias, a Secretaria de Estado norte-americana afirmou que não têm informações de qualquer grupo, apenas a Autoridade Nacional para a Transição se compromete com a democracia. Mas há equívocos e falácias: primeiro só haverá eleições e gestão do petróleo libio por estrangeiros se/ou Kadafi cair; segundo, a realização de eleições poderá levar ao poder um grupo radical, e muitos já se perfilam. A ver vamos até a onde chegará o Ocidente e quem irá arcar com as consequências futuras da desestabilização da Líbia.