quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

COOPERAÇÃO ENTRE OS ESTADOS ACP-UE CARECE DE REFLEXÃO PROFUNDA

Cooperação entre estados ACP-UE carece de reflexão profunda

Angop
Especialista em Relações Internacionais, Belarmino Van-Dúnem

Luanda - O especialista em Relações Internacionais Belarmino Van-Dúnem referiu hoje, em Luanda, que a cooperação entre os estados de África, Caraíbas e Pacífico e a União Europeia (ACP-EU) carece de uma reflexão profunda e realismo, assim como também de um maior pragmatismo e boa vontade por parte dos europeus para com os estados destas regiões.

O também docente universitário fez esta afirmação quando falava em entrevista exclusiva à Angop a propósito da 18ª sessão Parlamentar Paritária ACP-UE, que o país acolhe a partir de hoje com as reuniões preparatórias e até ao dia 3 de Dezembro.

Belarmino Van-Dúnem argumentou que "se fizermos uma avaliação da execução do 9º Fundo Europeu para o Desenvolvimento (FED) veremos que a agricultura, sendo a chave para o desenvolvimento e combate à fome, apenas foi designada como sector prioritário por quatro países, dos 79 que integram os ACP-UE, enquanto outros 15 apresentaram o desenvolvimento rural como prioritário".

Por outro lado, acrescentou que tendo terminado o quinquénio do 9 º FED em 2008, o que aconteceu é que apenas sete porcento deste total disponibilizado, do valor global avaliado em cerca de 13,5 mil milhões de euros, foram utilizados para o desenvolvimento rural, enquanto que à agricultura coube cerca de 1,1 porcento.

“Com a passagem do 9º para o 10 º a UE determinou que o remanescente não passasse de um para o outro, embora reconheçamos que houve uma subida dos fundos de 13,5 mil milhões, no 9º, para 22.7 mil milhões, no 10º FED”, disse.

O docente universitário argumentou que isto reflecte também o facto de os mecanismos de desembolsos dos financiamentos serem muito complexos.

Referiu ainda que do total do FED, cerca de 400 mil milhões ficam com a própria União Europeia para os estudos de viabilidade, os processo burocráticos de desembolso e monitorização da implementação destes fundos.

Realçou que este valor é mais do que o apoio que se dá a um país como Angola que está a desenvolver-se e, por isso, considera injusto, embora se reconheça que as instituições sitiadas nos estados ACP possam não ter, por vezes, a capacidade técnica para realizar os estudos.

Sendo assim, defendeu que estes mesmos fundos deveriam ser utilizados para que estes países se pudessem capitalizar e potencializar no sentido de possuir técnicos e instituições capazes.

Outrossim para este especialista em relações internacionais é de que os fundos, pelo menos através dos juros, viessem parar aos bancos ou as instituições financeiras africanas, que estão sedeadas nos países beneficiários.

Por este motivo, acrescentou, “é necessário que todos reflictamos cada vez mais sobre as parcerias económicas, porque também vimos que em 2007, ano em que deveriam terminar estas parcerias a maior parte dos estados não conseguiu negociar dentro das organizações económicas regionais e criou inclusive retrocessos no processo de integração económica ao nível do continente”.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

O HOMEM “LIGHT” NA SOCIEDADE HODIERNA

O HOMEM “LIGHT” NA SOCIEDADE HODIERNA

Por: Belarmino Van-Dúnem

A grande revolução na comunicação aparece com a massificação da televisão, como o próprio nome sugere «tele + visão», ver de longe, doravante as pessoas, para além de ouvirem também vêem, assim a palavra é relegada para o segundo plano em detrimento da imagem. O locutor tenta comentar as imagens, mas, por sua vez, o telespectador segue ao mesmo tempo, podendo assim ter uma sensibilidade diferente em relação às mesmas. "... Na televisão o ver prevalece sobre o falar, no sentido em que a voz off ou falante é secundária, está em função da imagem. Daí que o telespectador, seja mais um animal que vê do que um animal simbólico".
A publicidade, através da televisão acaba por homogeneizar toda a sociedade, na cidade ou no campo, no norte ou no sul, no oriente ou no ocidente há uma tendência generalizada para um padrão único de pensar, estar e agir, todos alimentam-se da mesma coisa, (Hambúrguer), bebem o mesmo liquido, (coca-cola), vestem-se da mesma forma, (NIKE ou o terno e a gravata), escutam o mesmo discurso, (Democracia, Privatização e Liberação, ou seja, o mercado é bom como no Ocidente), enfim, o Homem transformou-se num objecto da televisão, o aparelho é uma espécie de pronto a vestir, uma caixa de soluções, a reflexão é dispensada, tudo nos é dado.
Doravante, o Homem questiona-se apenas sobre as formas para obter o seu bem-estar pessoal, o prazer imediato, poucos são os que ainda se preocupam com outras questões que também fazem parte integrante da vida do ser pensante, todos o transformaram-se em «Homem light», Rojas Rodrigues (2000:8) definiu da seguinte forma: "...trata-se de um Homem, relativamente bem informado porém, com escassa formação humana, entregue ao pragmatismo, por um lado e, a bastantes lugares comuns, por outro. Tudo lhe interessa mas só a nível superficial; não é capaz de fazer uma síntese daquilo que recolhe e por conseguinte, foi-se convertendo num Homem trivial, vão, fútil que aceita tudo mas carece de critérios sólidos na sua conduta, nele tudo se torna etéreo, leve, volátil, banal, permissivo. Presenciou tantas mudanças, tão rápidas e num tempo tão curto, que começa a não saber a que ater-se ou, o que é o mesmo, faz suas afirmações como «tudo vale», «tanto faz», ou «as coisas mudaram»".
Embora tenhamos que reconhecer que existe um conjunto de esquemas montados que têm como função fazer o telespectador crer que aquilo que vê é a verdade, em muitos casos é feito uma transformação ou deformação da imagem para que este fim seja atingido, "...não se vê o que é, vê-se o que não é, e assim o que não é, é (trata-se de uma calunia ignóbil) e o que é, não é...".
Pessoas há, que continuam a não pensar, deixam-se guiar pela emoção, pelo disse me disse, têm uma informação fragmentada da vida e do que os rodeia, em consequência, agem como se o outro não fosse o outro, não tem vida própria, portanto, deve fazer o que eu acho que deve ser feito para ele e os seus e não o que ele pensa ser bom para si.
Caminhamos para uma sociedade, onde todos querem beber cerveja, mas sem álcool, comer carne de porco sem gordura e, sobretudo, viver sem envelhecer. Mas, a verdade é uma ninguém pode impedir que o sol se ponha no fim da tarde.
Cabe à cada um de nós fazer a sua parte, porque se o normal e o que a maioria faz, se essa maioria estiver a primar por uma via pouca salutar, mas vale ser anormal. Na caminha da busca da verdade, o “cogito” é individual, por isso cada deve se sentir responsável pelo futuro da sua própria sociedade.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A FOME NO PRIMEIRO MUNDO

A FOME NO PRIMEIRO MUNDO

Por: Belarmino Van-Dúnem*

Segundo os dados apresentados pela FAO na reunião sobre Segurança Alimentar que decorreu em Roma, 16-18 de Novembro de 2009, “mais de dois biliões de pessoas passam fome crónica no mundo”. Jack Diof, Director-Geral da FAO, que observou uma grave de fome para se solidarizar com as vítimas da fome no mundo, afirmou que “ é necessário US$ 30 biliões para recuperar o sector agrícola e evitar conflitos violentos no futuro por causa da comida. Em 2006, o mundo gastou US$ 1,2 trilião em armamento, mas também desabafou que o excesso de consumo pelos obesos chegou US$ 20 biliões e o desperdício de comida nos países desenvolvidos rondou os US$100 biliões”. Portanto, disse que “não entendia como não é possível dispor de US$ 30 biliões por ano para permitir que 862 milhões de pessoas famintas possam usufruir do mais fundamental dos direitos humanos, o direito à comida e, assim, o direito à vida”.
Esses desabafos foram feitos perante uma plateia composta maioritariamente por chefes de Estado e de governo de países que aguardavam pelas verbas reclamadas por Jack Diof porque os líderes das potências industrializadas boicotaram a reunião. Os países em vias de desenvolvimento, para além de serem os mais pobres, como é evidente com mais pessoas a sofrerem com a fome crónica, são os que irão enfrentar e albergar mais pessoas em situação de fome.
As projecções da ONU (2009) estimam que até 2050 a população mundial passará de 6.8 biliões para 9.1 biliões. O continente africano será o principal responsável por este crescimento porque a sua população irá aumentar em cerca de 108%. África atingirá os 910 milhões de habitantes. Está realidade aprofunda as dificuldades de combate a pobreza que o continente enfrenta e aumentará o número de pobres já existentes.
Os países "periféricos ou subdesenvolvidos", na sua maioria, encontram-se em guerra explícita, são governados por regimes ditatoriais ou com deficiências democráticas, foram colónias com todos os prejuízos, vivem em constante instabilidade social e, como se não bastasse, sofrem uma constante pressão, feita pelos países denominados desenvolvidos para encaminharem as suas economias de acordo com os interesses capitalistas/neo-liberais.
Entre essas directrizes podem ser destacadas a democratização dos regimes políticos, a privatização das empresas públicas geradoras de lucro e a liberalização da económica, estas directrizes que constituem a “santíssima trindade” do sistema capitalista que têm contribuído para o aprofundamento da degradação das estruturas burocráticas e sociais africanas. A intervenção do Estado fica limitada às áreas que têm encargos como a saúde, educação, segurança e a garantia do funcionamento da burocracia pública (Octávio Ianni, 1996:59).
A fome e a pobreza, longe de serem problemas exclusivos dos países em vias de desenvolvimento, também são realidades nos Estados chamados desenvolvidos e os dados são claros: Até 2005, mais de 36 milhões de americanos vivia abaixo da linha da pobreza e cerca de 1,7 milhões de jovens, entre os 16 e 24 anos de idade, estavam fora do sistema escolar e no desemprego, portanto, vivendo na extrema pobreza.
Cerca de 8 milhões de cidadãos americanos coabitam, no seu dia-a-dia, com a pobreza e, aproximadamente 40% dos residentes urbanos vive na pobreza (Center for American Progress, April 2007). Este ano, um estudo do departamento para agricultura dos EUA mostrou que milhões de famílias americanas passam fome entre as quais muitas crianças. Segundo esse estudo, em 2008, o número de americanos a viver abaixo da linha da pobreza subiu para 49 milhões contra os 13 milhões registados nos anos anteriores. O número de crianças em situação de insegurança alimentar subiu de 327 mil em 2007 para 506 mil em 2008. O Presidente Obama pretende mudar o cenário até 2015.
A Comissão Europeia irá dedicar o ano de 2010 ao combate a pobreza, reconhecendo que este fenómeno ainda faz parte da vida dos cidadãos europeus. Esta realidade é tal que 73% dos europeus acha que a pobreza é um dos principais problemas do seu país e 89% pede a intervenção do Estado para solucionar o problema (eurobarometro 2009).
Mais de 80 milhões de cidadãos da União Europeia, ou seja 16% da população, vive abaixo da linha da pobreza. Enfrentando grandes dificuldades no acesso ao emprego, habitação, serviços sociais e financeiros, sobretudo, com o problema da exclusão social. Até meados de 2009, Cerca de 52% da população da Comunidade europeia enfrentava o desemprego e 29% não usufruía de qualquer pensão ou serviço social. Portanto, há muito de terceiro mundo no primeiro mundo.
Os subsídios para agricultura, o proteccionismo, o egocentrismo tecnológico, a discriminação na justiça internacional e todo show of sobre o desenvolvimento não são globais nem sociais, uns jogam o prato no ar para manter a linha e outros andam com a barriga colada nas costas por falta de comida, este é o nosso mundo.

*Analista Politico

terça-feira, 10 de novembro de 2009


A SITUAÇÃO ACTUAL NA REGIÃO DOS GRANDES LAGOS

POR: BELARMINO VAN-DÚNEM*

A designação de Grandes Lagos advém do facto daquela região ser banhada por um número considerável de lagos:
Lago Tanganica (32 900 km² / 1 433m)
Lago Vitória (68 100 km² / 82m)
Lago Malawi (30 900 km² / 706m)
Lago Turkana (6 405 km² / 109m)
Lago Albert (5 270 km² / 51m)
Lago Eduardo (2 150 km² / 117m)
Lago Kivu (2 700 km² / 485m)
Lago Kioga (1 720 km² / 5,7 m)
A região dos Grandes Lagos é a região mais populosa do continente e tem grandes potenciais tanto em recursos naturais como do ponto de vista da agricultura.
Ao contrário do que aconteceu noutras regiões do continente africano, na região dos Grandes Lagos, a estrutura de pequenas monarquias locais pré-coloniais foi mantida pelas potências colonizadoras. Por esta razão, a região é constituída por um grande número de pequenos países que tentam desestabilizar os estados com alguma viabilidade, como exemplo podem ser destacados o Ruanda, o Burundi e o Uganda.
Se a referência em causa for geográfica os países dos Grandes Lagos são os seguintes: Burundi, Malawi, Moçambique, Quénia, República Democrática do Congo, Ruanda, Tanzânia, Uganda e a Zâmbia. Mas, se a análise for política, sobretudo para efeitos de compreensão dos conflitos, o número de países diminui significativamente conforme demonstra o mapa abaixo apresentado.
A região dos Grandes Lagos é composta por um grande número de grupos étnico/linguístico, o caso mais flagrante é a composição populacional da RDC que ultrapassa as 35 e mais de 50 variações linguísticas. Se por um lado se pode falar de uma grande riqueza cultural, não deixa de ser verdade que essas clivagens trazem alguns problemas principalmente quando a cidadania não é abrangente, ou seja, a discriminação de um determinado grupo em detrimento de outro. Isso acontece tanto na participação política como do ponto de vista do usufruto da exploração das riquezas nacionais.
Mapa1 - Região dos Grande Lagos

Fonte: Agencia FP

Os problemas etnicos, polítios e sociais da região dos Grandes Lagos existiram sempre, primeiro devido a desputa pelas terras ferteis no periodo pre-colonial e mais tarde pela forma como os ocidentais fizeram a coloização da região, dividindo os povos e hierquzando os grupos. O critério era mostrar que uns grupos eram superiores aos outros, portanto deveriam ter um tratamento especial.
Esse facto foi marcante entre os grupos Hutus e Tutsis no Burundi, facto que actualmente cria uma grande instabilidade em toda a região devido a emigração com especial destaque para à RDC, Uganda e até no Ruanda onde, em 1994 ocorreu um dos maiores genocidios da humanidade.
O alerta para a catastrofe na região dos Grandes Lagos foi dada a conhecer ao mundo como o genosidio ocorrido no Ruanda em 1994 com o genosidio de mais de 800.000 pessoas. Nos dois anos que seguiram a ONU registrou mais um massacre no Burundi, acusando o Presidente Melchior Ndadaye, um Hutu, que provocou uma movimentação de violência com outros grupos, nomeadamente os Tutsis que tiveram que se refugiar na Tanzânia.
A expansão do conflito para outros países da região tem sido uma realiade incontestavel. Os Hutus que cometeram os crimes de genosidio em 1994, depois de serem derrotados, fugiram para RDC e constitiram as chamadas milicias Interahamwe (Ex-FAR), denominando-se actualmente de Foças Democraticas para a Libertação do Ruanda (FDLR), principal opositor do regime de Paul Kagame.
A RDC que começou a conhecer os seus verdadeiros problemas relacionados à questão etnica, a partir de 1996/98 também teve que ser classificada como um país com sinais de genosidio. O conflito da RDC é actualmente o maior exemplo da transnacionalização dos conflitos africanos. Os grupos rebeldes variam consuante as regiões e caracterizam-se por criar o terror as populações civis.
Durante o conflito, o país ficou dividido em três regiões: O grupo Rassemblement Congolais pour la Démocratie et la Libération du Congo (RCD, sigla em francês), liderado por Laurent Kunda e fortemente apoiado pelo Ruanda; O MLC (Moviment pour la Libération du Congo) apoiado pelo Uganda e as forças Governamentais.

A instabilidade no Ruanda, Uganda e na RDC fizeram com que os países vizinhos também fossem afectados. Por um lado pelo fluxo de refugiados e por outro, pela transposição dos conflitos e da sua violência porque os grupos rebeldes atravessam deliberadamente as suas fronteiras para se instalar ou fazer saques nos estados vizinhos.

A guerra de 1996/98 que levou a ascensão da família Kabila ao poder e ao consequente derrube de Mobutu na RDC ficou conhecida como guerra mundial africana. Nela se envolveram mais de seis países, procurando defender os seus interesses, sejam eles de segurança ou de natureza económica e política.

O mapa que se segue monstra a forma como os países se posicionaram no conflito. Embora todos estivessem a tentar derrubar o regime de Mobutu, na verdade os interesses post-conflict não eram os mesmos. Enquanto Angola, o Zimbabué e a Namíbia recorreram aos acordos de defesa mútua da SADC para intervir, o Uganda e o Ruanda alegavam que a segurança das suas fronteiras estava em jogo.
A intervenção dos países da SADC deveu-se ao avanço considerável do Movimento Nacional para a Libertação do Congo (MNLC), lideradas por Jean-Pierre Bemba, com especial destaque para o Leste do País. O assassinato do Presidente Kabila (pai) levou ao diálogo e a primeira tentativa de democratização do país, os grupos rebeldes não encontraram uma plataforma para derrubar por via das urnas o regime instalado.
Mapa 2 - África com os Estados envolvidos no conflito da RDC

Fonte: Governo francês 2009


Actualmente a situação é animadora porque o ano de 2009 começou coma iniciativa do Ruanda e do Uganda em fazerem alianças com a RDC para ultrapassar as respectivas diferenças. O prisão do líder rebelde Laurent Kunda e a tentativa do Uganda em capturar Joseph Kony em colaboração com as autoridades congolesas constituem uma verdeiro impulso para a paz na região.
A operação feita entre a RDC e o Ruanda foi um bom sinal. A captura de Konda, por parte do Ruanda (vide artigo sobre o assunto neste blog) deviria ser o inicio de uma nova era. Mas as desconfianças matem-se e o rebelde está sob os aspicios do Ruanda com a RDC a reclamar a sua deportação. Mais uma vez os interesses não convergiram apesar da aliança no campo da batalha.
A presença da MONUC, da EUROFOR e dos contigentes da região dão uma nova esperança para o alcance da paz em toda região dos Grandes Lagos. Para além dos países da região, a ONU através da resoluções 1291 de 24 de Fevereiro de 2000 e 1304 de 16 de Junho de 2000, o Conselho de Segurança solicitou à organização para que realizasse uma conferência sobre democracia, paz e segurança na região dos grandes lagos, cujo objectivo era dar aos países africanos as condições para resolverem os próprios problemas. A verdade é que até a data a região continua bastante instável e sem probablidades de resolução a vista.
LUANDA, 2009

*Analista Politico

PERCURSO DA SOBERANIA NA LEI CONSTITUCIONAL ANGOLANA

PERCURSO DA SOBERANIA NA LEI CONSTITUCIONAL ANGOLANA

Por: Belarmino Van-Dúnem

A República de Angola desde a sua independência sempre se afirmou como um Estado soberano. A Lei Constitucional da Republica Popular de Angola de 12 de Novembro de 1975 define no seu artigo 1º que “A República popular de Angola é um Estado soberano, independente e democrático, cujo principal objectivo é a total libertação do Povo Angolano dos vestígios do colonialismo e da dominação e agressão do imperialismo e a construção dum país próspero e democrático, completamente livre de qualquer forma de exploração do homem pelo homem, materializando as aspirações das massas populares”. Portanto, a soberania sempre esteve na base da constituição angolana, o povo, na primeira fase, detinha as prorrogativas da soberania através da democracia popular.
No artigo 2º afirma que “toda a soberania reside no povo Angolano. Ao M.P.L.A., seu legitimo representante, constituído por uma larga frente em que se integram todas as forças patrióticas empenhadas na luta anti-imperialista, cabe a direcção política, económica e social do poder popular”. Neste sentido a soberania reside em cada dos cidadãos. Mas importa realçar que os pressupostos da soberania estavam, já na altura da independência, assentes na independência em relação às influências externas.
Um dos discurso do primeiro Presidente da República Popular de Angola, Doutor Agostinho Neto, dizia que “Angola é e será trincheira firme da revolução em África” e que “Angola não seria totalmente independente enquanto existisse algumas povos da região sob o jugo colonial ou outras formas de dominação”. Este discurso e espírito de ver a soberania já pressupõem a interdependência entre os Estados, uma vez que não é possível afirmar-se como soberano e independente de forma absoluta.

Já a lei constitucional de 7 de Fevereiro de 1978, consagra o Conselho de Revolução como um dos órgãos de soberania nacional, em substituição da Assembleia do Povo, o órgão supremo do poder do Estado e o presidente representa a Nação Angola (artigos 31 e 35 respectivamente). Nota-se que a soberania interna passa a ter órgãos representativos, facto que dará origem aos órgãos de soberania nacional que hoje existem. Esta concretização foi feita pela lei constitucional de 23 de Setembro de 1980, no artigo 37º que destaca a Assembleia do Povo como “ o órgão supremo de poder do Estado na República Popular de Angola e exprime a vontade soberana do povo Angolano…”.
A revisão da lei constitucional de 6 de Maio de 1991 marca uma reviravolta no conceito de soberania ao estabelecer, no artigo 1º, que a República de Angola é “uma Nação soberana e independente que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade livre, democrática, de paz, justiça e progresso social”. O artigo 3º estabelece que a soberania reside no povo, que exerce o poder político através do sufrágio universal periódico para a escolha dos seus representantes, através do referendo e por outras formas de participação democrática dos cidadãos na vida da Nação. Neste caso, não devemos perder de vista que passamos de uma democracia popular para uma democracia multipartidária, esta é, sem sombra de dúvidas, a grande viragem no exercício da soberania por parte do povo angolano.
No artigo 6º aparece a delimitação do exercício da soberania por parte do Estado angolano “o Estado exerce a sua soberania sobre o território, as águas interiores e o mar territorial, bem como sobre o espaço aéreo, o solo e subsolo correspondentes”. Tendo como órgãos de soberania “o presidente da República, a Assembleia do Povo, o Governo e os Tribunais”. O artigo 50º afirma que “a Assembleia do Povo exprime a vontade soberana do povo Angolano e promove a realização dos objectivos gerais da República Popular de Angola.
A revisão da lei constitucional de 16 de Setembro 1992, no seu artigo 2º define a República de Angola como “um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a unidade nacional, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo de expressão e de organização política e o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como individuo, quer como membro de grupos sociais organizados” e o artigo 3º reafirma o facto da “soberania residir no povo”. A Assembleia Nacional aparece como o órgão supremo de soberania que expressa a vontade soberana do povo angolano.
No concerne à soberania internacional, Angola sempre esteve consciente do facto de não ser possível se afirmar de forma absoluta e que o respeito pelas leis internacionais, nomeadamente a Carta das Nações, da ex-OUA actual União Africana e o respeito pela soberania dos Estados limítrofes constituem as bases para uma excelente coabitação internacional.
O espírito de interdependência faz com que Angola desde a sua independência aderisse a Organização de Unidade Africana, participa activamente como membro fundador da actual Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, desde os tempos da organização dos Países da Linha da Frente, está presente na CEEAC, na Comissão do Golfo da Guiné e continua a primar pelo respeito em relação aos princípios explanados na Carta da ONU.
Neste momento, o país se encontra de novo perante um processo constituinte para se estabelecer na Lei mãe, como os angolanos irão exercer a sua soberania. Os ânimos estão ao rubro, principalmente entre os políticos. Mas não existem dúvidas que o MPLA será o partido responsável pela nova lei constitucional por ter a maioria absoluta na Assembleia Nacional, órgão que votará a última versão.
Apesar desta realidade, com verdadeiro sentido de Estado, o processo está a ser inclusivo. Todos angolanos são chamados a dar o seu contributo e as proposta dos partidos políticos com assento parlamentar serão colocadas à discussão pública, este facto dá um cunho verdadeiramente nacional ao modelo de constituição que será aprovado.
Tendo em conta o processo e a fase actual do desenvolvimento económico e social de Angola, mas também a consolidação da reconciliação nacional, penso que a nova lei constitucional deverá espelhar o actual contexto nacional em todos aspectos da sociedade porque no fundo o contexto é que conta para a eficiência e Eficácia da lei. A forma de exercer a soberania por parte do povo deve estar bem definida, ou seja, como os angolanos irão transmitir o seu poder aos detentores do poder politico e importa ainda realçar que todos os modelos são bons, tudo depende do contexto. Os três projectos em debate: a) Sistema Presidencialista; b) Sistema Semi-Presidencialista e; c) Sistema Presidencialista Parlamentar têm pontos bastantes positivos, mas também algumas debilidades, portanto tudo depende da conjuntura e das circunstancia em que Angola se encontra.
Importa reflectir sobre as palavras do Presidente José Eduardo dos Santos que já em 1980 dizia: “Nós temos afirmado e reafirmado que não nos importa que as nossas opções políticas e ideológicas não agradem aos outros. O que importa é que elas sirvam ao nosso povo. Por isso, nem as hostilidades diplomáticas e militares, nem as pressões políticas impedirão que o povo angolano se afirme no mundo, com a sua personalidade própria, como Nação livre e soberana".

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

30 ANOS DE INDEPENDÊNCIA A EDUCAÇÃO COMO NOVA PAIXÃO

30 ANOS DE INDEPENDÊNCIA A EDUCAÇÃO COMO NOVA PAIXÃO

Por: Belarmino Van-Dúnem


30 Anos após a independência, Angola parece finalmente estar em condições de sair do marasmo em que se encontrava por razões sobejamente conhecidas. Uma vez que “a paz veio para ficar”, como vulgarmente se diz entre os angolanos, estão criadas as condições de estabilidade para que as autoridades governamentais, o sector privado e a sociedade civil de modo geral comecem a desenvolver o país rumo ao progresso económico e social tão almejado para o bem-estar de todos os angolanos e angolanas.

A comemoração da independência em paz, facto que tem acontecido desde 2002, tem-se reflectido positivamente no crescimento do produto interno bruto de Angola conforme demonstram os dados do FMI.

Crescimento do PIB Real

Fonte: FMI (2005)


Como se pode verificar no gráfico, depois de 2003 altura em que a paz já grassava pelo país, o PIB tem subido de forma acentuada e as perspectivas para os anos vindouros são bastante encorajadoras e, é de salientar que, de 2003 à 2005 o índice de desenvolvimento humano subiu dois dígitos, o que demonstra que a paz está a fazer bem ao país.


As áreas sociais, saúde, educação e o melhoramento do meio começam a ser prioritárias. Sem desprimor pelas outras áreas, devido à interdependência existente entre elas, a educação se configura como a nova paixão que poderá catapultar o país para os níveis de desenvolvimento desejados de forma integrativa e sustentada. A importância da educação para o desenvolvimento harmonioso de um país é inquestionável. Segundo Jacques Véron (1996), a educação é uma componente de bem-estar social. É, simultaneamente, um factor do crescimento do bem-estar pela relação directa que matem com os outros, demográficos (a fecundidade por exemplo), sociais (é um factor de mobilidade social, transforma o status quo à favor da igualdade de género e dos mais desfavorecidos) e políticos (aspiração à democracia e à liberdade de expressão). Portanto, a educação tem uma influência determinante no desenvolvimento de um país.

A educação, enquanto fenómeno intrinsecamente ligada à sociedade, pode ser compreendida em dois sentidos: primeiro, a educação pode ser compreendida no sentido lato, nesse aspecto diz respeito à todos os comportamentos, hábitos, habilidades, atitudes e conhecimentos de modo geral que a pessoa adquire no meio sócio/cultural onde se encontra inserido, neste sentido a educação é hab eterna, acompanha o Homem ao longo de todo o seu ciclo de vida. Segundo, a educação pode ser entendida no sentido restrito do termo, assim compreendida, a educação tem a finalidade de dar ao indivíduo um conjuntos de conhecimentos teóricos e técnicos que lhe permitam ter uma concepção cientifica dos fenómenos que passam no mundo, tal como a sua integração consciente e activa na sociedade de que faz parte. Esse tipo de educação deve ser administrada com processos metodológicos, seguindo os ditames da pedagogia e da didáctica, trata-se da instrução. A educação tem como pressupostos o saber ser e o saber estar, está ancorada na moral, por conseguinte é valorativa. A instrução pressupõe também o saber ser e o saber estar, mas sobretudo o saber fazer e cabe ao governo de cada Estado determinar que tipo de instrução quer dar aos seus cidadãos, fá-lo de acordo com a sua realidade cultural, histórica, geográfica, ideológica, económica, politica etc. Nessa ordem de ideia, a educação como nova paixão da governação é a condição sine quo non para o desenvolvimento social e económico de Angola. É na dimensão do saber fazer que um país se desenvolve e os angolanos estão conscientes desse facto.

Nos últimos anos a educação tem merecido uma atenção especial, embora se reconheça que ainda há muito por fazer. Segundo os dados do Ministério da Educação, a frequência de alunos na escola primária passou de 1.117.047 em 2000 para 2.172.772 em 2003, um aumento na ordem dos 51 por cento. Com vista à melhorar a qualidade do ensino e a frequência de crianças no ensino primário o Ministério da Educação reformulou o Plano-Quadro de Reconstrução do Sistema Educativo cujo objectivo principal é superar os cerca de 1,2 milhões de alunos inscritos em 2002, para 5 milhões em 2015. Os esforços feitos nos últimos anos fizeram com que o número de inscrições de crianças no ensino primário atingisse aproximadamente 2 milhões de alunos no lectivo de 2004. Dentro dos esforços para o melhoramento da qualidade do ensino/aprendizagem, em parceria com a UNICEF, o Ministério da Educação tem desenvolvido planos de capacitação pedagógica para os professores, tal como dos módulos de ensino.

No que concerne ao ensino técnico, Angola sempre teve uma grande tradição. Ao longo destes trinta anos de independência centenas de técnicos profissionais foram formados no país, mas a continuidade desse esforço terá efeitos positivos se a filosofia da educação no país basear o ensino/aprendizagem no dom, na capacidade e aptidão, tendo a meritócracia como alicerce de todo o processo de instrução ou do ensino/aprendizagem. Para que esse objectivo seja atingido, a orientação vocacional deverá figurar como um dos conteúdos programáticos de destaque. A administração dos cursos deverá estar na razão directa das necessidades do país, tanto a nível nacional como local. O conhecimento das novas tecnologias de informação como suportes de aprendizagem e abertura para o mundo globalizado, também deve ser prioritário. A expansão do ensino será o presente mais adequados para o povo angolano pelos 30 anos de independência nacional e 3 anos de paz efectiva.

A Universidade Agostinho tem acompanhado toda a história de Angola independente como única instituição pública de ensino superior. A sua origem remonta a institucionalização do ensino superior em Angola em 1962, ano da criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola, integrados nas universidades portuguesas. Em Dezembro de 1968, essa instituição foi transformada em Universidade de Luanda. Depois da proclamação da independência, em 1976, a Universidade de Luanda se transformou em Universidade de Angola e, em 1985, em memória à sua excelência Dr. António Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola e Reitor da Universidade, a Universidade de Angola passou a chamar-se Universidade Agostinho Neto. Como universidade pública tem vários institutos superiores e faculdades espalhados por algumas províncias: Luanda (Faculdade de Ciências, Direito, Economia, Engenharia, Letras e Ciências Sociais e Institutos Superiores de Educação e Enfermagem); Lubango (Instituto Superior de Educação); Benguela (Instituto Superior de Educação); Huambo (Instituto Superior de Educação e Faculdade de Ciências Agrárias); Cabinda (Instituto Superior de Educação); Uíge (Instituto Superior de Educação); Lunda Norte (Instituto Superior Pedagógico). Deve-se salientar que a Universidade Agostinho Neto também possui núcleos de alguns cursos nas províncias. Para além da Universidade Agostinho Neto existem algumas universidades privadas instaladas no país, entre as quais podem ser destacadas a Universidade Católica, Piaget, Lusófona, Independente, Lusíada, ISPA e outras.

Como se pode verificar a expansão da formação na área das ciências da educação é bastante acentuada, o que deixa subentender que a formação e qualificação do pessoal docente é uma prioridade daquela instituição de ensino superior angolana. Portanto tudo leva a crer que doravante a educação continuará a merecer um lugar de destaque nas prioridades governamentais, a julgar pelos aumentos significativos que o Orçamento Geral do Estado tem destinado para esse sector chave. Portanto, a educação deverá constituir a nova paixão para governar Angola livre e independente, que finalmente comemora o seu trigésimo aniversário em paz e estabilidade.

Coreia do Norte: O Novo Gigante:

O Novo Gigante: Coreia do Norte

Por: Belarmino Van-Dúnem

No fim da 2ª guerra mundial a Península Coreana, situada na Ásia Oriental, ficou divida depois da Segunda Guerra Mundial em 1945. Depois de expulsar os Japoneses, as tropas da ex-URSS ocuparam a parte norte do país e as forças americanas a região sul, divisão feita com base no chamado paralelo 38. Na sequência formaram-se dois países, ambas reclamando o direito de toda a Península e a representação do respectivo povo.

As reclamações com base em meios pacíficos manteve-se até 25 de Junho de 1950, data em que a Coreia do Norte decidiu invadir a Coreia do Sul. As alianças não se fizeram esperar: Os Estados Unidos da América ocorreram em auxilio do regime da Coreia do Norte, mas do outro lado veio a resposta, a China e a União Soviética posicionaram-se ao lado da parte invasora, Coreia do Norte. O armistício entre os norte-coreanos e a ONU foi assinado em 1953 com o compromisso de se criar uma zona desmilitarizada entre as duas partes em conflito. Desde então os dois lados da Península seguiram caminhos opostos.

Naturalmente, a Coreia do Norte seguiu o modelo político e económico dos seus aliados: regime ditatorial e economia centralizada/planificada, características que se mantém até hoje. Até a década de 70, o país registrou um grande desenvolvimento industrial, sobretudo da indústria pesada impulsiona pelas relações económicas com a União Soviética. A realidade mudou completamente com a implosão da União Soviética, tal como a maioria dos países comunistas/socialistas, a Coreia do Norte entrou numa profunda crise económica, mas Kim II Sung, presidente até a sua morte em 1994, manteve-se fiel aos ideias comunistas. Substituído pelo filho, Kim Jong II, o país continuou com a mesma politica. Uma grande parte do orçamento do Estado destina-se as forças armadas, existem relatos de fome, o país é assistido pelas Nações Unidas. Mas, o show of com demonstrações de força. A questão é de se saber a verdade: é apenas bluff ou o país está em condições de enfrentar o Japão e seus aliados do Ocidente?


MECANISMOS DE TOLERANCIA E ÉTICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS

MECANISMOS DE TOLERANCIA E ÉTICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Por: Belarmino Van-Dúnm
“1. Todos entendem quanto é louvável num príncipe ser fiel à palavra dada e viver com integridade e não com astúcia. No entanto, a experiência dos nossos tempos revela-nos príncipes que fizeram grandes coisas tendo pouco em conta a sua palavra, antes sabendo com astúcia cativar a mente dos homens. E no fim superaram aqueles que se basearam na lealdade.

2. Deveis, pois, saber que há duas formas de combater: uma com as leis, a outra com a força. A primeira é própria do homem, a segunda, das bestas” (Maquiavel 2003:Cap.XVII, 1 e 2 Sec. XIV).

“O mais forte, nunca é suficientemente forte para se afirmar como mestre, se não transformar a sua força em direitos e a obediência em dever… Pois, nenhum Homem tem naturalmente autoridade sobre os seus semelhantes e como a força não produz nenhum direito, restam as convenções para servir de base de toda autoridade legitima para os homens” (Rosseau 1999:33-SEC. XVII).

Os autores acima citados são conhecidos, vulgarmente, em duas perspectivas: o primeiro pelo facto de ter afirmado que “os meios justificam os fins ou que a política é conquista e a manutenção do poder”. O segundo, por defender que o homem é naturalmente bom e que a sociedade é que cria as condições para a sua deterioração psicológica e comportamental. Aqui são apresentados numa perspectiva de padronização da acção dos actores políticos para que as suas acções tenham efeitos positivos sobre os seus súbditos.

Na época em esses actores viveram, século XIV e XVIII respectivamente, o poder era conquistados pela força ou herdado por direito, no caso das monarquias. No entanto, actualmente a realidade é totalmente diferente porque o vértice do poder passa para os mais fracos, ou seja, o povo, os cidadãos. Estes têm a prorrogativa de transferir o seu poder para um grupo ou uma personalidade que passará a gerir os bens públicos, capitaliza-los e redistribui-los com justiça e equidade.
Na medida em os métodos, os ideais, os sonhos e as parcerias se diferenciam surgem vários grupos ou personalidades com o desejo de prestar esses serviços. Neste caso emerge a competição politica, dai a sua definição clássica: a toda acção animal cuja finalidade é busca do bem comum e afirmação daqueles que mais se destacam durante as actividades.
Ao longo da competição é possível que os adversários, que não são inimigos, possam encontrar pontos de discórdia e, em alguns casos, poderá existir a necessidade de responder directamente à uma ou outra afirmação. Dependendo da forma, dos meios, da atitude e posição de cada um dos competidores este percurso normal de tentativa de servir em beneficio comum pode descambar em tensão, se não for bem gerida, tanto por leis positivas e consuetudinárias como por mecanismos materiais, a mesma desemboca em violência física ou psicológica.
Neste contexto surge a necessidade de se desenvolver uma atitude de tolerância, por parte dos actores políticos e isto só é possível quando existe um conjunto de normas que norteiam os comportamentos em política, dai a necessidade dos padrões éticos.
A Ética é filosoficamente é definida como “a ciência normativa primordial”, embora a sua origem etimológica remete-nos para a moral porque a palavra latina mores, costumes, tem grandes ligações com a palavra grega ethika, também entendida como costume, portanto, os dois conceitos podem ser entendidos como a ciência dos costumes. Mas na verdade, para os fins que nós pretendemos aqui e do ponto de vista filosófico/política é nosso entender que a definição apresentada, “ciência dos costumes”, não é rigorosa porque a moral não é uma ciência positiva que descreva apenas os costumes; não tem como objecto propor o modo como os Homens viveram ou vivem, assim não se distinguiria da etnografia, por exemplo, portanto a ética regula, dirige, expondo o modo como os Homens devem viver; é a ciência dos costumes tal qual devem ser. A ética implica o recurso do bem e do mal[1], de dever, de obrigação, de responsabilidade, de juízo de valor, que são conteúdos da consciência moral e indicam o que deve ser.
Neste caso, existe a necessidade de estipular um conjunto de normas para regular o comportamento dos indivíduos ou pessoas colectivas, dai as leis. Segundo S. Tomás de Aquino, a lei em geral é uma ordenação da razão promulgada por aquele que tem a seu cargo uma comunidade para bem da mesma. Hoje a definição não foge muito, a lei positiva é, portanto, uma ordenação da razão, prudente da vontade livre do legislador que se vem juntar á lei natural para a determinar e explicar.

2 – OS PARTIDOS POLÍTICOS

Nas sociedades democráticas os partidos políticos são indispensáveis para a associação voluntária da sociedade com vista a alcançar um determinado ideal ou objectivo. Portanto, os partidos reúnem as pessoas que partilham os mesmos valores, costumes e atitudes para as suas regras politicas. Mas nunca devemos perder de vista que os partidos são produto do meio em que surgem, como tal devem operar dentro da estrutura económica e no contexto dos interesses da redistribuição dos bens e dos recursos, incluindo a expansão da saúde, segurança e bem-estar da sociedade em geral. Os partidos políticos constituem um instrumento de acção colectiva, através da criação de uma elite politica que desencadeia acções concretas para o controlo dos recursos e da governação com vista a implementar um determinado ideal ou programa politico (Leiserson 1995), mas para weiner (1967), nos sistemas políticos competitivos, os partidos são organizados pelos políticos para ganhar as eleições; nos sistemas autoritários, os partidos são organizados para condicionar as atitudes e os comportamentos da população. Tanto num como no outro caso, os partidos precisam de ter uma organização interna, um conjunto de quadros, meios de sustentabilidade e, sobretudos, procedimentos internos que resumam o acordo comum.
Se essas condições, que constituem os pré-requisito, não estiverem compridas, a sobrevivência do partido está comprometida, logo também desaparece a esperança de concretização do projecto de sociedade a volta do qual o grupo se reunia, assim sendo, a probabilidade de alguns desses elementos formarem grupos insurrectos é grande.

3 – O SISTEMA MULTIPARTIDARIO

O fim da guerra-fria, para além de marcar o desmoronamento do império soviético, provocou grandes transformações politicas que se traduziram em processos de transição de regimes autoritários para regimes democráticos. Esse processo decorreu principalmente, na Europa dos Leste, na América Latina e em África. À esse dinamismo de democratização global Samuel Hutington (1994) denominou de terceira onda de democratização.

O processo de transição em África tem clivagens bastante diferentes dos processos da América Latina e do Leste Europeu pelo facto dos estados africanos terem herdado um legado de ditaduras coloniais e implementarem regimes de partido único no pós-independência . Os processos de transição têm sido fictícios, a partir da super estrutura, por intermédio de pressões externa factos que condicionam a competição justa e a consolidação da democracia. As democracias africanas são virtuais ou inexistentes. A maior parte dos processos acaba em violência e os mais visados são as populações que têm dado uma grande lição de adaptação e cidadania, ocorrendo as urnas sempre que são chamadas. Esta constatação permite concluir que o problema do fracasso das democracias africanas não está nas populações nos cidadãos, mas nas elites políticos que não cumprem com os princípios normativos estipulados e aceites, a prior, para entrar na competição política, portanto existe uma falta de ética a nível dos partidos políticos liderados por personalidades concretas, permitindo a responsabilização.

4. FORMAS DE INTOLERANCIA

O discurso é a via mais utilizada para exprimir e informar os cidadãos sobre os objectivos e os meios que se pretende utilizar para alcançar o poder. Dependendo do tom da voz, das palavras utilizadas, o vestuário com o qual o orador se apresenta, a indumentaria dos militantes, simpatizantes, amigos e apoiantes, os gestos e a forma com se olha para a população causa um efeito psicológico que pode fazer eclodir focos de violência.
Em situações de campanha política ou de competição existe a necessidade de se criar padrões de comportamento que evitem a personalização do competidor e façam sobressair os projectos, os planos e os ideais.
O aproveitamento da não consolidação do estado nação em África tem sido um dos principais factures de violência. Porque os partidos políticos surgem em função de um grupo étnico ou nação dentro do Estado e não como projectos globais e transversais à todo território nacional controlado ou internacionalmente reconhecido como pertencente ao estado. Esta é uma premissa que leva a violência porque as populações sentem-se excluídas do processo. Quem perdeu não foi o projecto, que talvez não estava bem afinado com as expectativas da maior parte da população, mas sim o grupo.
Como a sustentabilidade da democracia depende da confiança que as populações mantêm nos políticos, a confiança dos grupos políticos, a justiça e equidade dos procedimentos, a adopção de mecanismos preventivos é essencial.
A propaganda como via de reter ou conquistar o poder deve ser evitada; as injustiças sociais; a manipulação e mal gestão dos meios de comunicação social e o controlo da acção dos órgãos de defesa e segurança são as chaves para o sucesso de processos eleitorais.
Os órgãos que controlam o processo eleitoral devem agir e manifestar publicamente a sua isenção, mas também devem estar abertos aos partidos políticos e a população em geral para esclarecer e orientar sobre as formas legais de proceder no processo em causa. A relação das comissões eleitorais como a comunicação social é uma base viável para a abertura e transparência de todo o processo.

[1] O bem é o que é necessário fazer e o mal o que é preciso evitar.

Somália: Um Estado Falhado?

Somália: Um Estado Falhado?

Por: Belarmino Van-Dúnem


Desde a sua independência em 1960 a Somália viveu sempre momentos conturbados. A evolução politica tem sido bastante influenciada pela conjuntura na Etiópia e pela conjuntura internacional, facto que tem provocado um autêntico caos no país.

A comunidade internacional decidiu pôr fim ao caos na Somália através da formação de um governo de transição com base nas várias facções que se formaram no território. As instituições do Governo Nacional de Transição formadas em 2004 nunca foram capazes de controlar o território, alias, a sua formação nunca foi feita em território somali:

Os 275 parlamentares foram seleccionados pelos chefes da guerra e aprovados pelos chefes tradicionais conforme as prorrogativas dos clãs existentes que têm uma enorme influência no país. Mas desde a sua investidura, em Agosto de 2004, o parlamento esteve instalado no Quénia e só se reuniu pela primeira vez um ano e meio mais tarde, em Fevereiro de 2006, em Baïdoa, capital politica da Somália por falta de segurança em Mogadíscio, capital oficial do país.

Em Outubro de 2004, os parlamentares elegeram o Presidente da República, Abdullahi Yusuf Ahmed, antigo chefe de uma facção rebelde. O presidente escolheu como primeiro-ministro, Ali Mohamed Gedi, personalidade sem grandes bases politicas no país, que isso nunca conseguiu reunir consenso no seio das várias facções.

As instituições são geridas pela Carta Nacional de Transição cujo objectivo principal é pôr fim a guerra civil no território nacional. Apesar dos dez anos de negociações que culminaram com a formação desse governo de transição, a Somália nunca encontrou o caminho da paz, o Governo Nacional de Transição (GNT) funcionou sempre na região de Baïdoa (250 Km de Mogadíscio) sobre protecção da Etiópia.

A maior parte do centro e do Sul do país é controlada, desde o início de 2006, pelas forças islâmica que constituíram a União Islâmica com a formação de um governo paralelo nas regiões onde controlam. A Somalilândia, região que representa mais de um quarto do território da Somália, auto-proclamou a sua independência em 1991 e a região de Puntland, que também se auto-proclamou autónoma, tem uma administração própria, recusando-se a acatar qualquer directiva do governo de transição. Portanto, o governo instaurado sobre os auspício da Comunidade Internacional não tem qualquer poder efectivo.

Desde Julho de 2006 que as forças islâmicas controlam a capital do país, Mogadíscio, e o seu avanço rumo a Baïdoa. Nas regiões ocupadas tem sido implementado a lei “Sharia”, facto que tem preocupado a comunidade internacional de forma geral, sobretudo a Etiópia que vê nas facções islâmicas uma ameaça para a sua segurança interna.

As relações entre a Somália e a Etiópia, na maior parte das vezes foram conturbadas:
- 1964: conflito armado entre os dois países devido a região de Ogaden, província etíope habitada por uma população maioritariamente somali, por está razão reclamada por Mogadíscio desde a independência em 1960; 1977/78: Novo conflito armado pelas mesmas razões. As tropas etíopes, com o apoio das forças cubanas e assessoria soviética, impuseram uma forte derrota às forças da Somália; 1988: um acordo de paz entre os dois países põe fim a dez anos de hostilidades e as relações diplomáticas são restabelecidas; 1991: A queda do regime de Mohamend Siad Barre, no poder desde 1967 na sequência do assassinato de Shimake então presidente eleito, levou o país a guerra civil. As relações entre os dois países complicaram-se devido ao apoio que Mogadíscio acusava a Etiópia de prestar a alguns grupos hostis ao governo; 1996: As forças armadas etíopes fizeram uma incursão bases militares islâmicas instaladas no território somali devido a vaga de ataques terroristas reivindicados por um movimento islâmico; 2000/2004: A Etiópia expressa o seu apoio à uma aliança dos chefes de guerra que se opunham ao GNT instalado em 2000 em Mogadíscio, o governo somali, por seu lado, acusava a Etiópia de ocupar partes do território nacional; Junho/Julho de 2006: As forças islâmica, depois de ocuparem a capital do país, declararam “guerra santa” (Jihad) contra a Etiópia, acusando-a de apoiar o governo de transição instalado nos finais de 2004; 12 de Dezembro de 2006: As forças islâmicas deram o prazo de uma semana para que as forças etíopes abandonassem a Somália sob pena de sofrerem “ataques de grande escala”. 20 de Dezembro: Violentos combates eclodiram depois do término do ultimato das forças islâmicas. As forças do Governo Nacional de Transição recebem apoio das forças etíopes; 24 de Dezembro de 2006: O Governo da Etiópia reconhece o seu envolvimento no conflito da Somália, mas justifica que os ataques aéreos são de carácter preventivo, ou seja, visam defender a soberania nacional.

O facto do governo etíope ter reconhecido oficialmente que está a apoiar o Governo Nacional de Transição da Somália poderá ser o inicio para escalada do conflito em toda região do “Corno de África” e, sobretudo, para o anunciar de uma “Jihad” islâmica, já que os ataques têm como objectivo enfraquecer a União islâmica na Somália. Alias, a Eritreia já declarou a sua oposição a essa oposição à intervenção etíope, acusando esse país de ser uma “marioneta” dos EUA. A liga Árabe e o Egipto também já manifestaram a preocupação com relação à situação na Somália.

A verdade é que a Somália não está em condições de decidir soberanamente porque o governo reconhecido pela comunidade internacional não tem qualquer poder de facto e os grupos que governam efectivamente não têm o reconhecimento internacional. Portanto, estamos perante um Estado sem governo e vice-versa. Enquanto isso a liga dos tribunais islâmicos continuam a fazer do território seu santuário, o no presidente também não consegue arrumar a casa. O financiamento para repor a ordem não existe, mas todos os Estados industrializados, incluindo a China e o Japão que estavam ausentes de missões internacionais na área militar, encontraram formas de enviar homens, material bélico e grandes fragatas para proteger o seu negocio dos piratas no Golfo do Éden.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

AGOSTINHO NETO NAS PALAVRAS DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

AGOSTINHO NETO NAS PALAVRAS DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

Por: Belarmino Van-Dúnem


Neste momento em que comemoramos a semana do herói nacional, qualquer angolano lembra-se do homem que resume a luta heróica do nosso povo que é o Dr. António Agostinho Neto cuja obra e sentido de Estado dispensam quaisquer comentário.

O povo angolano sofreu um golpe duro em 1979 quando a passação física do Presidente Agostinho Neto aconteceu. Tendo sido substituído pelo actual Presidente da República, José Eduardo dos Santos. Desde que este facto sucedeu, ao contrário do que muitas vezes passa na imprensa, nas ocasiões que o actual Presidente se pronunciou sobre o seu antecessor, há reconhecimento e dos maiores elogios que alguma vez foram feitos ao herói maior do povo angolano e, para constatar este facto fizemos uma revisão dos discurso do Presidente José Eduardo dos Santos destinados ao Presidente Agostinho Neto.

No discurso de investidura no cargo de Presidente da República em 1979, José Eduardo do Santos dizia “Submetendo-me à decisão do CC do nosso Partido, cumpro hoje o honroso dever de prestar juramento, nesta cerimonia solene de investidura, para assumir os cargos de Presidente do MPLA – Partido do Trabalho, Presidente da República Popular de Angola e Comandante em Chefe das FAPLA. Funções que vinham sendo desempenhadas com brio invulgar, com dedicação, coragem e perspicácia de estadista genial, pelo nosso querido e saudoso Camarada Presidente Agostinho Neto que, inoportunamente, faleceu a 10 de Setembro, em Moscovo. Não é uma substituição fácil, nem tão pouco me parece uma substituição possível. É apenas uma substituição necessária” (José Eduardo dos Santo, 21/09/1979). Há neste discurso um misto de reconhecimento dos méritos do Presidente Agostinho Neto, mas também existe a consciência da tarefa árdua na substituição daquele que conduziu a luta de Libertação de Angola contra o Jugo colonial e fez a declaração da independência Nacional.

Todos os discursos do actual Presidente angolano, manifestam um apreço profundo e, até certo ponto, uma admiração expressa em palavras de Estado, mas muitas vezes emotivas. No 4º aniversário da independência de Angola, o Presidente José Eduardo dizia, referindo-se à Agostinho Neto: “ A nossa alegria e a nossa satisfação confundem-se de quando em vez com a tristeza e a saudade que sentimos por aquele que nos ensinou a fazer a guerra para criar a paz com os olhos secos e nos elucidou sempre a justeza da nossa luta, que nos ensinou a ter certeza na vitória e a resistir intransigentemente contra os inimigos do povo, que nos ensinou a não chorar os mortos para transformar as derrotas momentâneas em êxitos mais retumbantes contra o colonialismo, o imperialismo e os seus agentes”. Agostinho aparece neste discurso como o ícone da liberdade e guia de todo o processo de libertação de Angola, o reconhecimento político confunde-se com o apreço e admiração pessoal, há uma valorização do político e do homem.

O desejo de eternizar a figura do Presidente Neto, por parte do Presidente José Eduardo dos Santos e do MPLA, consta-se no discurso de 1980 dizendo: “…para que lhe seja prestada a homenagem eterna de mérito pela envergadura da sua obra revolucionária, pela dimensão da sua estatura como poeta e estadista proeminente, não bastará termos o seu corpo entre nós, repousando silenciosamente no sarcófago que os nossos artistas lhe oferecerão com a maior dedicação e carinho. Será necessário manter sempre viva a chama revolucionária que acendeu com o seu aparecimento na cena política nacional…”. A continuidade do pensamento e dos feitos políticos e o seu exercício intelectual constituem uma base para manter vivo o espírito de uma Angola progressista e independente.

A continuidade desse reconhecimento e apego podem ser identificados no discurso de celebração do aniversário do Presidente Neto, em 1980: “…Viemos aqui para recordar este dia que, sendo triste, também é de festa, uma festa não muito alegre, mas festa de facto, porque homens da estatura de Agostinho Neto marcam épocas, não pertencem a um só povo, mas pertencem à humanidade inteira”. Há neste discurso uma inspiração rara, um misto de poesia shakespeariana e uma elevação da figura de Neto à herói e homem da humanidade. Alias, Agostinho Neto é um dos poucos nacionalistas africanos que não defraudou o verdadeiro espírito do panafricanismo iniciado pelos afro-americanos nas Antilhas e nos EUA.

Ao contrário de muitos nacionalista da época, Neto foi sempre fiel à solidariedade e ao apoio a favor dos povos oprimidos de África e do mundo, tendo declarado que “Angola é e será, por vontade própria, trincheira firme da revolução em África”. Este pensamento encontra continuidade em José Eduardo dos Santos, cuja liderança levou Angola a ser reconhecida, na actualidade, como parceiro necessário para a paz e reconstrução em África. Portanto existe uma concomitância entre os dois líderes, fica forçoso falar de roturas no processo político angolano.

Na outorga da medalha Agostinho Neto a Nelson Mandela, a dimensão do Presidente Agostinho Neto foi, mais uma vez, elevada ao patamar mais alto dos mortais. No seu discurso, José Eduardo dos Santos afirmou: “…Fisicamente desaparecido em Setembro de 1979, o povo angolano sofreu uma incomensurável perda e jamais se esquecerá deste herói da luta pela sua dignidade. Em sua memória, foi instituída a Ordem Agostinho Neto, a mais alta condecoração da RPA, com a qual são distinguidos aqueles que se destaquem na luta pela paz universal, pela dignidade humana e pela liberdade dos povos”. Encontramos a figura do Presidente Agostinho Neto como guia imortal do povo angolano e símbolo máximo do país, cuja outorga da ordem só é feita para individualidades que tenham dado provas indiscutíveis, como é o caso de Nelson Mandela.
O Presidente Agostinho Neto, continua a influenciar o pensamento que norteia o povo angolano. As suas qualidade como líder, que o permitiram reunir ao seu redor pessoas de várias crenças, estratos sociais, raças e/ou grupos étnico-linguísticos fazem dele o principal orquestrador da Nação angolana. “O Dr. António Agostinho Neto foi, é e será sempre a referência maior do nosso processo de libertação nacional… Foi a sua permanente abertura que permitiu que o processo de libertação nacional avançasse e se alargasse à participação de sectores cada vez mais variados da população, o que gerou a energia e a dinâmica que ainda hoje nos empurra para o futuro. O futuro e a paz, a democracia e o bem-estar com o qual sempre ele sonhou antes de todos nós” (José Eduardo dos Santos 2002).

terça-feira, 15 de setembro de 2009

DIPLOMACIA NOS DISCURSOS DO PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS (II)

DIPLOMACIA NOS DISCURSOS DO PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

(II)

Por: Belarmino Van-Dúnem*

No Primeiro artigo sobre está matéria, terminei afirmando que existe uma evolução e adaptação à conjuntura nos discursos sobre diplomacia proferidos pelo Presidente da República José Eduardo dos Santos. Esta realidade pode ser constatada nos discursos feitos pelo Presidente de 1992 à 2004. Neste período, Angola viveu os seus primeiros anos de paz efectiva, num curto período e, os anos de conflito de alta intensidade nunca antes vividos pelo Povo angolano.

Ao contrário do que poderia ser, o Presidente José Eduardo dos Santos usou a diplomacia como instrumento para a busca da paz, na tomada de posse de novos membros do governo, nos conselhos consultivos e nas reuniões metodológicas do MIREX, nos cumprimentos do corpo diplomático acreditado em Angola ou em mensagens de fim de ano dificilmente encontramos o termo “guerra” nos seus discursos. Em vez disso, de forma repetida, existe a insistência de que “a diplomacia angolana deve se afirmar como instrumento de luta pela paz, igualdade e desenvolvimento económico e social dos povos, contra a injustiça e a ingerência nos assuntos internos de outros Estados soberanos” (Luanda, 25/08/1994: 131pp).

Na verdade, a questão da salvaguarda da soberania dos Estados era uma preocupação devido ao recrudescer do conflito interno em Angola que tinha o envolvimento de Estados que fazem fronteira com o nosso país. Sobre este assunto, no mesmo discurso, o Presidente salientava: “Na realidade, a ingerência externa nos seus assuntos continua a ser um dos maiores problemas de Angola…Trata-se de uma ingerência nefasta e inaceitável, que é, a todos os títulos, vestígio de uma ordem mundial caduca, cuja eliminação deveria ser por isso acelerada”. Nesta conjuntura, em que se reconhece o envolvimento de terceiros no conflito angolano, era de esperar que o discurso do Presidente, José Eduardo dos Santos, fosse mais belicoso, mas encontramos de novo as qualidade de diplomata e do uso adequado da diplomacia: “É nesse mundo em mudança que a nossa diplomacia vai desenvolver a sua acção e assumir-se como guarda avançada da defesa dos interesses nacionais junto de outros Estados e Nações e das instituições regionais e internacionais”.

Se até o final da década de 80, o Presidente reconhecia as debilidades das missões diplomáticas nacionais, em 1994 existe o reconhecimento do trabalho que o MIREX vem fazendo fora do país: “O MIREX tem procurado cumprir na medida do possível as suas atribuições e alguns dos nossos diplomatas têm feito um esforço significativo para representar condignamente e defender os seus interesses…” Nos anos 90, a conjuntura internacional passou da guerra-fria para um mundo unipolar, onde o multilateralismo parecia o caminho inevitável para as relações internacionais. Portanto, houve a preocupação de ajustar as estruturas do MIREX: Convém por essa razão proceder à descentralização de competências para áreas geopolíticas, para que estas cumpram o seu verdadeiro papel na definição de politicas e orientações para os órgãos executivos externos de si dependentes. Neste quadro, é de sublinhar que a despartidarização dos princípios que norteiam a politica externa e a diplomacia tem vindo a ser aplicada no respeito pelas novas regras de convivência democrática e multipartidária vigentes no país. Nesta mensagem, pode-se constatar a preocupação de ajustar a diplomacia angolana com a nova conjuntura nacional e internacional, nesse sentido não existe atropelos aos cânones diplomáticos porque apesar do país viver, na época, em guerra, o discurso de paz, diálogo e acção para fazer face aos problemas que se apresentavam está sempre patente.

No ano de 2002, o Presidente alertava: “As nossas missões diplomáticas devem dar a conhecer a real situação que o país vive, a fim de que não se façam deturpações nem quaisquer aproveitamentos de ordem política, que visem aviltar a imagem do Governo de Angola, que tudo tem feito para minorar o sofrimento das populações”. Se nos lembrarmos que as finalidades da política externa do Estado podem resumir-se à cinco, segurança, fim económico, influência política, influência cultural e a criação de imagem, iremos constatar que nos discursos aqui analisados existe a preocupação de abranger todas essas áreas fundamentais para a existência de qualquer Estado.

Nos princípios da década de 2000, Angola predispôs-se a enfrentar novos desafios ao nível da sua politica externa, com este objectivo, na Abertura da Reunião Metodológica do MIREX, Luanda, 10/06/2002, o Presidente dizia: “…Estamos particularmente interessados em contribuir para a resolução definitiva dos conflitos internos dos países que fazem fronteira com a República de Angola, pelos reflexos que os mesmos podem ter no processo de paz e na estabilidade do país. Só em condições de paz poderão os países africanos superar os inúmeros desafios nos domínios económicos, social, cultural e politico, a fim de enveredarem pela via do crescimento e do desenvolvimento sustentado, que possa garantir o combate à pobreza e a superação do atraso cientifico e técnico que os separa dos países desenvolvidos”. Neste mesmo discurso, anunciava também a candidatura de Angola a membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU para o período referente a 2003/2004, numa altura em que Angola iria assumir a Presidência rotativa da SADC e ter uma maior proactividade ao nível da Lusofonia, facto que veio a ser efectivado.

Segundo, o Presidente, os objectivos passavam por “ampliar a contribuição de Angola, através da mobilização da comunidade internacional para às tarefas internas imediatas e para a estabilização e segurança na nossa região. O apoio à solução definitiva dos conflitos armados na República do Congo-Brazzaville, RDC e na Região do Grandes Lagos”. Realçava ainda a situação privilegiada de Angola do ponto de vista geoestratégico, “ Angola tem uma posição geográfica privilegiada no corredor que liga a África Centra à África Austral. O Rio Zaire e o Caminho-de-ferro de Benguela ligam-nos, respectivamente, à África Central e ao Leste de África”. Portanto, estavam lançadas as bases para o novo posicionamento de Angola na arena internacional, no espaço de 5 anos, o país passou de solicitante de apoio para a paz interna e cooperação para coadjuvante necessário para a resolução de conflitos, pacificação e consolidação da paz, para alem de bom parceiro de cooperação e passando de país de Emigração para um Estado de Imigração.

Neste novo papel que Angola vem desempenhando, “Existem valores universais que a República de Angola, enquanto Estado moderno e amante da paz e do progresso, respeita e pretende fazer respeitar, de modo a poder marchar a médio prazo na mesma cadência dos outros países mais desenvolvidos. Os valores referentes à democracia, ao respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, à transparência e a boa governação devem de facto nortear hoje as politicas de qualquer governo e, sobretudo, daqueles que pretendem vencer o atraso económico, técnico-científico, a e a fome” (José Eduardo dos Santos 2002:132-133). Estas palavras do Presidente resumem os novos desafios que Angola enfrente hodiernamente, a sistematização da sua politica externa e a necessidade de um guião que possa orientar a análise e o debate sobre a Diplomacia angolana ao longo dos tempos. O estudo dos discursos dos dirigentes e as acções dos Estados constituem o primeiro passo. Os discursos do Presidente, José Eduardo dos Santos, enquanto Chefe do Estado e do Governo e, responsável máximo pela politica externa do Estado, constituem a principal fonte de estudo.
Fonte: José Eduardo dos Santos e os Desafios do Seu Tempo – Palavras de Um Estadista, (2004), Vol. II, ed. Maianga, Luanda, 129-134pp.
*Analista Político

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

DIPLOMACIA ANGOLANA NO DISCURSO DO PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

DIPLOMACIA ANGOLANA NO DISCURSO DO PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS
I
Por: Belarmino Van-Dúnem*

Os discursos do Presidente José Eduardo dos Santos direccionados para à diplomacia apresentam uma visão de futuro e um realismo que permitem a compreensão da evolução da política externa angolana e da conjuntura em que cada um deles foi pronunciado.
Durante a década de 80, o Presidente procurava mostrar aos diplomatas angolanos qual a importância da diplomacia e a missão que deveriam cumprir em beneficio do Estado angolano. Mas reconhecia, com uma franqueza admirável, as debilidades das missões diplomáticas angolanas da época. Esta realidade está patente no seu discurso de 1981, num Comício na Província do Kwanza-Sul “…tivemos que nomear embaixadores que não fizeram cursos de diplomacia e muitos deles não fizeram cursos de Relações Internacionais… foram surgindo alguns problemas, nomeadamente falta de regulação e de conveniente organização…”.
Já em 1983, nos cumprimentos ao Corpo diplomático, o Presidente realçou que “os diplomatas desempenham a importante missão do diálogo e da conciliação dos interesses políticos que, as vezes, são mesmo opostos… é uma missão difícil mas nobre, pois, pela imaginação e eloquência do diplomata pode vincar a paz sobre a guerra, a amizade sobre o desentendimento ou o dinamismo sobre a apatia dos Estados”. Está visão hodierna da diplomacia manifesta que existia, na época, um avanço no discurso do Presidente José Eduardo dos Santos. Atendendo que nos discurso dos anos 70 e 80, o mote principal dos estadistas era a diplomacia de combate, a defesa renhida dos interesses nacionais o que desvirtuava o verdadeiro sentido da diplomacia enquanto meio pacifico de relacionamento entre os Estados.
A abertura e a visão de futuro a que nos referimos ficam patentes nas seguintes palavras: “foram levadas a cabo iniciativas diplomáticas para normalizar as relações da República Popular de Angola com o Senegal e com a República da China, para reforçar o prestígio e o conhecimento correcto da realidade nacional na Europa Ocidental e para diversificar e ampliar as relações económicas com todos os países de interesse com base na reciprocidade de vantagens (1985). Há nestas palavras um pragmatismo que constitui a bases central da política externa do Estado. Embora, o discurso da interdependência global só se vulgarizou durante a década de 90 com a queda do Muro de Berlim, vemos aqui a tentativa de diversificação das parcerias e de uma abertura global.
No ano de 1989, o Presidente reconhecia que “… a fonte principal da nossa diplomacia são os êxitos alcançados dentro do país em todas as esferas da vida”. Esta realidade contínua até os nossos dias, Angola alcançou a paz de forma autónoma, tem conseguido êxitos económicos sem cumprir com as politicas ou directrizes do FIM e suas congéneres, que se têm mostrado desadequados para a realidade africana, actualmente, a comunidade internacional rende-se às evidencias e reconhece que Angola é um exemplo. Em 1990, numa entrevista ao New York Times, reconhecendo a nova conjuntura, o Presidente defendeu novos objectivos para a diplomacia Angola: uma maior inserção no contexto africano e, em especial, na região Austral. Inicio de contactos com a África do Sul; abertura de missões diplomáticas nos Estados com os quais Angola não tinha contactos; adopção de uma diplomacia mais activa, pautando a sua linha de acção na defesa dos interesses nacionais e dos valores universais que preocupam a humanidade (a paz, o desarmamento, a cooperação internacional e as trocas comerciais numa base de justiça e uma maior intervenção das organizações internacionais, em particular da ONU, da OUA e do Movimento dos Países Não Alinhados, nesse esforço geral de estabilização e do afastamento da guerra). Há, de forma manifesta, uma mudança na política diplomática de Angola, sobretudo no relacionamento com a África do Sul que era até então o principal desestabilizador da África Austral devido ao regime do apartheid que reinava na altura naquele Estado, mas que Angola resistiu e combateu até ao seu desaparecimento.
Em 1991, acrescentou que a reorganização do Ministério das Relações Exteriores “deverá ter em conta a defesa dos interesses dos angolanos no estrangeiro, onde quer que eles se encontrem, e a criação de condições que permitam uma constante ligação dos mesmos à Pátria, independentemente das suas tendências politicas ou da sua filiação partidária…”. Portanto, o cidadão angolano aparece como o principal objectivo das novas orientações da política externa de Angola, mais uma vez pode-se constar que nesse período Angola vivia uma nova época que se reflectiu nas orientações da diplomacia nacional.
Fonte: José Eduardo dos Santos e os Desafios do Seu Tempo: Palavras de Um Estadista 1979-2004 - Vol. I (2004:95-100) .
*Analista Politico

segunda-feira, 13 de julho de 2009

RDC: REBELDE LAURENT NKUNDA ESTÁ EM CASA


Por: Belarmino Van-Dúnem

Segundo o Relatório Sobre o Desenvolvimento Humano em África (BAD 2008/09), o conflito da RDC já fez mais de cinco milhões de mortos; em 2006 existiam aproximadamente 401.914 refugiados espalhados pelo mundo e cerca de 1.075.297 deslocados de guerra no território congolês (ACNUR 2006). Toda está miséria contrasta com a dimensão geográfica do país e os respectivos recursos naturais que possui.
Sendo um dos maiores estados do continente africano, o poder central na RDC está confinado à sua capital e aos centros urbanos ou vilarejos que ainda existem. As autoridades de Kinshasa reclamam de todos os países vizinhos, o território nacional está, supostamente, a ser açambarcado pelos amigos e inimigos. O Ruanda, Uganda; Angola; Sudão; Burundi; República Centro-Africana; Tanzânia; Zâmbia e República do Congo (Congo -Brazzaville) são os Estados que fazem fronteira com a RDC, alguns com estabilidade relativa, mas a maioria contribui negativamente para a normalidade da situação politica/militar e social do país.
O episódio mais recente foi a histórica aliança entre o Ruanda e a RDC para combater os grupos rebeldes que perpetuam ataques nos respectivos territórios: O Ruanda procurou desmantelar o braço armado do partido Força Democrática para a Libertação do Ruanda (FDLR) de maioria Hutu, etnia acusada do genocídio de 1994 contra a minoria Tutsi agora no poder, por seu lado, as autoridades de Kinshasa procuraram combater o grupo armado do Congresso Nacional para a Defesa do Povo (CNDP), formado maioritariamente Tutsis que reclamam a cidadania congolesa e que nos últimos dois anos quase deixavam cair o poder da família Kabila. Portando, existia claramente interesses mútuos, mas muitas ambiguidades também.
A operação denominada “Umoja Wetu” – “A Nossa Unidade” foi, sem sobra de dúvidas, uma vitória politica e militar para o Ruanda, mas mostrou as debilidades da RDC e sua falta de influência. Depois de cinco meses de intensos combates, em Fevereiro de 2009, os dois estados anunciaram o fim da operação e, o mais esperado, a captura do General rebelde Laurent Nkunda que chefiava o CNDP e dominava toda a região do Kivu, principalmente no Norte.
Enquanto o Ruanda exibia o ilustre capturado, desmascarando a franqueza do exército vizinho, também forneceu dados oficiais da sua investida na RDC: mais de 150 combatentes da FDLR perderam a vida e cerca de 1300 foram desarmados, portanto se as estatísticas anteriores eram sérias (atestando que a FDLR é composta por 7000 a 8000 homens) foi uma boa operação. A RDC, por sua vez, viu o aliado a transportar o seu cidadão rebelde para o país vizinho e não contabilizou nada, apenas os dissidentes do CNDP com especial destaque para Bosco Ntaganda ex-chefe do estado-maior, que também participaram nas operações ao lado das forças governamentais, a nível interno muitas vozes se levantaram contra a operação, liderados pelo actual Presidente da Assembleia Nacional, Vital Kamerhe.
O General Laurent Nkunda tem um mandato de captura internacional contra si, as autoridades da RDC também querem julga-lo, mas ele, para além de ser Tusi, existem rumores que confirmam a sua participação nas forças armadas do Ruanda entre 1991/96; também era o ponto focal do Ruanda nas pilhagens dos recursos naturais ao longo de todos esses anos em que dominou zonas com riquezas naturais na RDC.
Mas a General Nkanda foi importante também para muitas empresas ocidentais e asiáticas que firmaram contractos para explorar os recursos das regiões sob seu controlo, até as ONGs defensoras do Direito à Vida, fizeram dele o principal guardião da protecção aos Gorilas, transferindo avultadas sumas para o CNDP. Tanto o Kabila (pai) como Jean Pierre Bemba (ambos já foram rebeldes de referência na RDC), também recorreram à este tipo de contracto para fazer fortuna e financiar os esforços de guerra.
Depois da captura do General Nkunda, durante algum tempo, todos procuravam saber qual seria o desfecho final, porque o seu julgamento interessa à muito pouca gente, tanto no continente como fora dele. Vários segredos seriam públicos, dai a boa gestão que o Ruanda faz do seu mais recente prisioneiro.
Numa grande entrevista que o Presidente do Ruanda, Paul Kagamé, concedeu à revista Jeune Afrique (Nº 2514 – du 15 à 21 mars 2009), alusiva ao 15º aniversário do Genocídio de 1994, revelou que o general Nkunda se encontrava em prisão domiciliar em Kigali, capital do país.
Não percebemos se o domicilio foi arranjado em especial para a detenção de Nkunda ou se ele possuía uma habitação naquele estado. No passado mês de Maio, as duas Câmaras do Parlamento da RDC aprovaram, sob boicote da oposição, a lei de amnistia à favor de todos os Grupos rebeldes que actuam no Leste daquele país, mas excluíram os acusados de genocídio, crimes contra a humanidade e de guerra, portanto Nkunda não foi contemplado.
A Amnistia Internacional instruiu o governo de Kinshasa à deter e deportar Bosco Ntaganda para ser julgado pelo TPI, mas ainda não houve resposta. Enquanto isso Nkunda está em casa, nem o TPI, muito menos a RDC põem as mãos nele. Já o Presidente Paul Kagamé, jura com as mãos elevadas que nunca esteve com ele, não o conhece, nem sabe nada do seu percurso e actividades, dizendo que só o viu na televisão, como qualquer de nós.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

PROIBIR O CONCURSO “BUMBUM DOURADO” É CONTRA A LIBERDADE DE REUNIÃO.


Por. Belarmino Van-Dúnem

Angola está a caminhar para o desenvolvimento, mas este processo acarreta consigo várias dimensões que não passam apenas pelo acesso aos bens de consumo material. Quando as necessidades básicas estão satisfeitas, os seres vivos têm a tendência para procurar satisfazer outras dimensões que complementam o bem-estar. A fruição, segundo Emanuel Levinas, é uma delas.
A fruir passa por várias facetas e depende da mundividência de cada um, dos seus objectivos e convicções. Nas sociedades de predominância cristã, o corpo humano tomou uma dimensão bastante sexual, ou seja, a proibição e diabolização do corpo humano, sobretudo o feminino, fez com que as fantasias sexuais sejam cada vez maiores. Enquanto tradicionalmente as partes do corpo feminino tomadas, nas sociedades aculturadas, como íntimas e excitantes (coxas, nádegas e seios, vulgo mamas) são vistas de forma natural, na cidade desenvolveu-se um mito à volta disso, quem publicamente expõe ou admira é visto como desviado dos padrões sociais aceites.
Incrivelmente, os concursos de Miss, vulgarizados em todo o mundo são vistos como normais, tendo mesmo honras de assistência de governantes e patrocínios de entidades ancoradas na moral ocidental cristã. Embora eu não concorde com a atribuição de mérito à uma pessoa por ser detentora de dotes físicos particulares sem qualquer substância social, reconheço o papel que aquelas senhoras desempenham no desbloqueamento de acções sociais.
O caso mais recente da proibição, por parte da Direcção Provincial da Cultura de Luanda, para a realização do concurso “Bumbum Dourado” constitui mais um exemplo do formalismo e da oficialidade das acções de alguns órgãos.
Qualquer actividade cultural ou lúdica que não ponha em causa a ordem pública, esteja garantida a privacidade e o decoro social não deve constituir preocupação dos órgãos do Estado. Se as pessoas que iam ver o “Bumbum Dourado” são maiores de 18 anos de idade, se as exibicionistas são maiores porque razão foi proibido o espectáculo ou concurso. Os prémios não estavam vinculados ao Estado, ninguém foi intimado à participar, o recinto é fechado (Restaurante Caribe, embora eu não conheça pressuponho ser fechado) porquê a proibição.
Pessoalmente não sou dado à este de actividades, mas não concordo que os cidadãos que alinhem sejam privados da sua liberdade porque alguém acha que está em causa valores pessoais ou de uma parte da sociedade. Se a actividade iria decorrer em recinto fechado, estando garantida a segurança, a proibição de entrada de menores e o cumprimento da lei, como a salvaguarda da vida humana e da sua liberdade, o espectáculo deveria decorrer.
A Acção da Direcção Provincial da Cultura de Luanda pode levar esses grupos a realizarem actividades clandestinas sem o controlo das autoridades, onde tudo poderá acontecer, como por exemplo, a prostituição que é proibida por lei em Angola.
Por outro lado, sabemos que as pessoas viajam e, em muitos casos, acabam por cometer excessos, na vertente lúdica/sexual, porque vivem oprimidos e recalcados nos seus países, para não citar as situações de desvios sexuais que volta e meia vemos nas nossas sociedades.
Ver ou exibir o “Bumbum Dourado” não pode ser proibido nos termos em que seria feito, porque se não teríamos que acabar com os concursos de Mister e Miss onde o que prevalece é a composição física e a parte mais esperada é aquela onde as candidatas exibem o fato-de-banho, com o “Bumbum” de fora, enquanto os homens exibem a musculatura peitoral e do resto do corpo, fazendo-o isso de cuecas.
Temos que deixar a sociedade avançar, respeitando a liberdade das pessoas se reunirem, expressarem o seu pensamento, manifestarem as suas habilidades, tudo sem por em causa a liberdade dos outros. Eu não concordaria que esse tipo de concurso fosse exibido na televisão pública ou na RNA, mas não me choca que os privados o façam.
Assim estamos a caminhar para a negação da nossa própria sociedade. Fingir que não existem determinadas acções e sabemos que existem. A prostituição é uma delas, todos os dias vemos prostitutas em algumas artérias de Luanda. A polícia faz um esforço para retira-las desses locais, mas como uma enfermidade elas aparecem. O que é melhor? Dizer que não há prostituição ou trabalhar no sentido de proteger essas pessoas contra as doenças sexualmente transmissíveis, da exploração e da agressão?
O “Bumbum Dourado” poderá realizar-se de forma secreta, dando a sensação à aquelas pessoas que estão a transgredir as leis do país, mesmo fechadas num recente privado. Deviam deixar o concurso do “Bumbum Dourado” decorrer em nome da liberdade.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

EUA, da estratégia militar à ajuda para o desenvolvimento (II)

EUA, da estratégia militar à ajuda para o desenvolvimento (II)

Por: Belarmino Van-Dúnem*

A estratégia norte-americana de cooperação com os Estados africanos depois do 11 de Setembro de 2001 pode ser subdividida em duas dimensões complementares:
a) Apoio directo e indirecto aos Estados africanos no âmbito da luta global contra o terrorismo;
b) Ajuda para o desenvolvimento condicionada a democratização dos regimes políticos, liberalização da economia nacional e privatização das empresas estatais geradoras de rendimento, aliás, este último critério é também defendido pela santíssima trindade da impulsionadora da globalização (FMI, BIRD e a OMC) .
Para a primeira dimensão a administração americana criou um conjunto de critérios que passam pela elegibilidade dos Estados considerados pivots nas respectivas regiões. Segundo esses critérios, o objectivo é cooperar com os Estados que tenham maior impacte em cada região do continente. Nigéria, Quénia, Senegal, África do Sul e Etiópia são os países apontados para desempenhar essa função nas regiões onde estão inseridos;
- Coordenar acções com os parceiros europeus e instituições internacionais para a construção de estruturas de mediação de conflitos e tornar mais efectivas as operações de paz;
- Capacitar o continente para efectivação da reforma do Estado e fortalecer as organizações regionais e sub-regionais como meio de evitar as ameaças transnacionais.
Como é evidente, a elaboração da Politica Externa do Estado é directamente proporcional à manutenção, implementação e desenvolvimento dos interesses do país a nível interno como além fronteira, portanto, a escolha dos Estados supracitados pode não corresponder aos interesses do continente africano, até porque a prevenção de conflitos passa por transformações estruturais de todos sectores do Estado, inclusive do modelo democrático para o continente porque o actual modelo já demonstrou que está completamente desfasado da realidade política, económica, cultural e histórica da maior parte dos Estados africanos. Nos últimos anos já não existem complexos em afirmar que o modelo democrático ocidental está falido com a União Europeia a liderar as abstenções e a recusa, por parte dos cidadãos europeus, da continuidade do actual sistema democrático.
Para a segunda dimensão, os EUA criaram um conjunto de programas onde se destacam três. Em Maio de 2001, o Presidente Bush anunciou o Africa Growth and Opportunity Act (AGOA), cujo objectivo é o desenvolvimento da cooperação com os Estados africanos nos domínios da economia, agricultura, comércio e segurança. Esta iniciativa pode ser considerada como bem intencionada, mas é coxa porque o conceito de cooperação implica a reciprocidade, ou seja, a cooperação é biunívoca. Neste momento os Estados africanos não conseguem exportar os seus produtos acabados porque não estão em condições de o fazer, mas, por outro lado, os subsídios de produção e para exportação que os países ocidentais dão às suas empresas é um atropelo flagrante ao princípio de livre concorrência e às regras da OMC.
O programa Millennium Challenge Account (MCA) também foi criado pela administração Bush em Março de 2002. Este programa de ajuda para o desenvolvimento tem o objectivo de encorajar a democratização governamental e a liberalização da economia. Os fundos para esse programa aumentaram desde a sua implementação: $ 1 bilião em 2004, $ 2.5 biliões em 2005 e $ 5 biliões para o corrente ano fiscal. A U.S. Agency for International Development (USAID) tem estado bastante activa em vários países africanos no âmbito desse programa.
Ao nível dos PALOP, Cabo Verde é o único Estado que conseguiu ser abrangido pelo programa MCA. A avaliação e monitorização desse programa são mensuradas pela boa governação, investimento no sector da saúde, Educação, igualdade de género e liberação económica.
A nova dinâmica de ajuda para continente africano só terá os seus frutos se for acompanhada de reformas as vários níveis:
a) Abandono do conceito de desenvolvimento com base no crescimento económico, mas ancorado no bem-estar social;
b) Criação de condições para um maior intercâmbio económico intra-africano;
c) Diminuição da ajuda ligada para que os Estados africanos deixam de estar dependentes dos países mais avançados no que respeita a tecnologia;
d) Capacitação das instituições dos governamentais e privadas para o acolhimentos do know how nacional e estrangeiro;
Para que possa implementar essa nova dinâmica é preciso uma maior divulgação da política de ajuda aos países que necessitam dela, potencia-los para que possam fazer parte do grupo alvo e, por outro lado, uma maior proactividade dos países africanos para que possam estar prontos a receber esses fundos.
A falta de condições para fazer parte dos critérios de elegibilidade é um dos maiores problemas dos Estados africanos, o mesmo acontece com os fundos disponibilizados pela União Europeia no âmbito dos acordos de Cotonu.
A política americana para África não está afastada dos critérios de defesa avançada, opção clara da sua política externa, mas não se pode negar que os novos critérios são mais vantajosos para o continente africano. As perguntas que ressaltam são as seguintes: Para quando uma verdadeira cooperação entre África e o resto do mundo, tal como entre os Estados Africanos entre si? A administração Obama terá uma política mais realista e adequada para o continente negro?
As respostas para essas questões não existem porque há uma continuidade dos pressupostos acima referidos da política externa americana para África, a defesa continua a dominar os objectivos do EUA. O exemplo mais flagrante foi os esforços feitos nos últimos dois anos para convencer os estados africanos a aceitar o AFRICOM nos seus territórios.
Angola tem as condições básicas para se tornar um dos estados directores na África Austral e Central. A sua experiência na área da defesa/segurança e o seu potencial energético fazem com que as ambições do país em ser o pivot do continente sejam legítimas. Actualmente existem sinais claros de maturidade na política externa angolana, onde as decisões têm sido tomadas com ponderação de todos os pressupostos, o caso TAAG e o recente episódio ocorrido com os cidadãos angolanos no Brasil são disso exemplos, o soft power como forma de se afirmar no mundo global.



* Professor Universitário
- Especialista Africanos de
política Internacional

segunda-feira, 8 de junho de 2009

EUA: Da Estratégia Militar à Ajuda para o Desenvolvimento

Belarmino Van-Dúnem (*)

Os Estados Unidos da América só estabeleceram uma política específica para África em 1958, ano em que foi criado o “US State Department’s Bureau of African Affairs”. A política norte-americana para África, desde os finais da década de 50 até aos anos 80, tinha como base o apoio a líderes africanos e movimentos insurrecionistas que tivessem posições anticomunistas ou se declarassem como tal. Portanto, a contenção do comunismo e da expansão da URSS constituíam as principais preocupações dos EUA.
A intervenção americana em África era feita por várias vias:
- Ofertas económicas e ajuda militar (Assistência técnica e material bélico);
- Imposição de sanções económicas contra líderes comunistas e/ou apoiados pela URSS;
- Intervenções directas através da CIA (Central Intelligency Agency), planeando acções contra líderes comunistas ou próximos da URSS. Entre essas acções, podem ser destacados o apoio norte-americano dado a Mobutu Sese Seko para o assassinato de Patrício Lumumba, então primeiro-ministro do Zaire, actual RDC (Peter J. Schraeder 1996:191). A cooperação norte-americana com o Zaire (RDC) e com a África do Sul na década de 70, para além dos interesses económicos, tinha como principal finalidade fazer desses Estados parceiros para a contenção do comunismo na região Austral de África.
O fim da Guerra-Fria provocou mudanças na política norte-americana para África. O fim da ameaça soviética fez com que os apoios que muitos Estados e grupos armados recebiam dos EUA fossem reduzidos. Esse facto fez com que a política na área militar fosse substituída por uma política de apoio institucional com critérios, como a boa governação por exemplo, que deixavam de fora a maioria dos Estados africanos.
Quando a administração Bush (pai) tomou posse em 1989, a assistência, que era dada a alguns países no âmbito da Guerra Fria, já tinha terminado, mas a assistência para o desenvolvimento económico e social continuou. Em consequência disso, o Gabinete do Departamento do Estado para os Assuntos Sociais esteve muito activo na intervenção diplomática para a resolução de conflitos em África.
A relação entre a ajuda americana para África e a Guerra Fria pode ser confirmada com os dados apresentados por Raymond W. Copson (2002), “A assistência americana para África atingiu o seu máximo em 1985 com cerca de 2,5 biliões de dólares. Esse valor baixou para cerca de 1,3 biliões em 1990, valor que se manteve até 2001. Os apoios avultados durante os anos 80 reflectem a intensificação da Guerra Fria, em que a competição entre os EUA e a ex-URSS, a nível internacional, estava no auge”. Segundo o autor, o fim da competição entre os EUA e a ex-URSS provocou o fim do continente africano como região estratégica, levando a diminuição da ajuda americana para África. Entre 1985 e 1994, a assistência militar norte-americana para África baixou de USD 279.2 milhões para USD 3.8 milhões, sem contar com os USD 2 milhões concedidos anualmente ao Egipto. O Fundo de Apoio Económico também diminuiu nesse período de USD 452.8 milhões em 1985 para USD 15 milhões em 1994. Mas é de realçar que a ajuda para o desenvolvimento teve um aumento de USD 1.14 biliões no ano fiscal de 1984 para USD 1.34 em 1994.
A administração Clinton, em 1995, deu continuidade à lógica de diminuição da ajuda para a área da segurança em África. No seu primeiro orçamento, a ajuda para África foi estruturada em quatro categorias:
- Desenvolvimento Sustentável (USD 990 milhões)
- Assistência Humanitária (USD 68.3 milhões)
- Construção da Democracia (USD 23.8 milhões)
- Promoção da Paz [USD 0.5 milhão] (Schraeder 1996:194).
A partir de 2001, o continente africano passou a ser contemplado pela ajuda americana no âmbito da luta global contra o terrorismo. O fortalecimento das instituições democráticas e a boa governação passaram a ser os critérios para a elegibilidade dos Estados que beneficiavam da ajuda.
A administração americana criou um conjunto de programas que incluíam o apoio directo aos Estados africanos e através de instituições internacionais. As áreas prioritárias passaram a ser: reforma económica, direitos humanos, educação para a democracia e outros objectivos sociais. Para a efectivação desses programas, o Governo norte-americano criou um conjunto de programas específicos para cada área: para fins sociais e económicos, foi criado o Economic Support Fund (ESF); para os programas de manutenção da paz PKO (Peace-Keeping Programmes); para responder às iniciativas de resposta às crises em África ACRI (African Crisis Response Initiateve); para o fortalecimento da capacidade de manutenção da paz, o financiamento tem sido feito através do Foreign Military Financing (FMF); No que concerne à educação militar, os EUA criaram o International Military Education and Training (IMET) que tem servido para a luta contra o HIV/Sida no seio das forças armadas africanas; para as operações de manutenção da paz, foi criado o CIPA (Contribution to International Peacekeeping Activities). É no âmbito desse programa que os EUA têm financiado as operações de paz da ONU em África. As operações de paz da ONU na Serra Leoa, ao longo da fronteira entre a Etiópia e a Eritreia e na RDC são alguns exemplos.
A ajuda para o fortalecimento das instituições democráticas do Estado, desenvolvimento económico, erradicação do analfabetismo, a luta contra a expansão do HIV/Sida e, sobretudo, contra regimes radicais propensos à implementação ou desenvolvimento de grupos terroristas são, sem dúvida, as prioridades da administração de Jorge W. Bush. O programa Millenium Challeng e Account é disso um exemplo. Continua…


* Professor Universitário – especialista em
Assuntos Africanos

BRASIL TRANSGRIDE A PRÓPRIA LEI DE ACESSO AO SEU TERRITÓRIO

Por: Belarmino Van-Dúnem*

A lei Nº 9.076, de 10/07/95 que define o Estatuto do Estrangeiro no Brasil não prevê outros condicionalismos para entrar em território nacional se não o visto concedido pelo consulado. Segundo o artigo 1° “Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei, entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais”. Portanto, fazendo fé nas declarações do Embaixador do Brasil em Angola (Os Vistos apresentados pelos cidadãos angolanos impedidos de entrar no território brasileiro são autênticos) e, tendo a certeza de que aqueles cidadãos não perigavam, nem perigam a segurança nacional brasileira não existe matéria legal para impedir o acesso ao território brasileiro e o consecutivo repatriamento.
O Artigo 2º da mesma lei estabelece: “Na aplicação desta Lei atender-se-á precisamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socio-económicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional”. Atendendo à esses pressupostos cabe analisar qual deles está na base das acções que as autoridades brasileiras têm tido com relação aos angolanos, mas também é necessário reflectir, com base nos interesses superiores nacionais de Angola, quais as melhores acções para ultrapassar a situação de tensão que está a criar um certo mal-estar e repugnância na sociedade angolana.
O artigo 4º define os seguintes tipos de visto: I - de trânsito; II - de turista; III - temporário; IV - permanente; V - de cortesia; VI - oficial; e VII - diplomático. A leitura que se pode fazer da definição do Estado brasileiro para estes vistos, os cidadãos angolanos, na situação aqui analisada, só poderiam ter o segundo tipo de visto, ou seja, o visto de turista. Tendo em consideração que, à luz do artigo 9º da mesma lei “O visto de turista poderá ser concedido ao estrangeiro que venha ao Brasil em carácter recreativo ou de visita, assim considerado aquele que não tenha finalidade imigratória, nem intuito de exercício de actividade remunerada”.
Já é do conhecimento público que a maior parte dos cidadãos angolanos impedidos de entrar em território brasileiro, com visto legal, pretendia fazer compras com o intuito de revender em Angola, portanto pode ser considerado que aqueles cidadãos iam em negocio e possuíam visto de turismo, mas não deixa de ser verdade que, a lei aqui analisada até ao momento não prevê visto de negocio. Poderíamos concluir que os cidadãos angolanos que pretendam deslocar-se ao Brasil para o efeito (fazer compras) não têm outra alternativa legal.
Mas o site da embaixada do Brasil em Luanda – sector consular (consulta feita aos 04/02/09 - 20h:30), na categoria dos vistos temporais, estabelece um visto de negócios (visto temporário II – Negocio), este visto pode ser concedido aos cidadãos “que viagem ao Brasil sem remuneração em território nacional”. Nesta categoria de visto enquadram-se perfeitamente os cidadãos angolanos que se deslocaram ao Brasil e foram impedidos de entrar naquele território, sendo repatriados sem justa causa, portanto um atropelo flagrantes ao direito internacional que estabelece as relações entre os Estados.
Na secção desta categoria de visto (visto temporário II – Negocio), há um item, destacado a “negrito” (Compras – Trabalho informal) cuja documentação exigida para à concessão do mesmo visto é a seguinte: cartão de vendedor ambulante; cartão de contribuinte; DAR; cópia do alvará e; carta do local de trabalho (mercado); os emolumentos consulares são de US$ 60 (sessenta dólares) e US$ 10 (dez dólares) adicionais caso a documentação dê entrada no consulado por via de terceiros que estejam em condições legais de o fazer.
O site da Embaixada do Brasil em Luanda não apresenta qualquer outra condição para entrar em território brasileiro se não o visto. Alias, segundo a lei federal brasileira “o visto é uma permissão federal que o Brasil concede para que o estrangeiro possa ingressar no País”. Portanto, se os cidadãos angolanos impedidos de entrar em território brasileiro possuem o visto, elemento essencial e legal para ter acesso ao território brasileiro e estavam acompanhados do Certificado Internacional de Vacinação contra a Febre Amarela, cuja falta implica o impedimento de entrada em território brasileiro e respectivo repatriamento, as pessoas deviam terminar a sua viagem sem qualquer impedimento. Portanto, só a falta daquele certificado ou qualquer outro comportamento doloso à lei brasileira e/ou internacional poderia justificar o ocorrido.
Se legalmente não existe qualquer justificação para as autoridades brasileiras agirem como tal, o que estará a motivar essas acções? Qual deve ser a posição do Estado angolano e dos cidadão directamente visados?
Uma primeira explicação pode estar no novo posicionamento de Angola com relação à migração. Actualmente o território angolano é um destino de imigração e, atendendo à este facto as autoridades brasileiras podem estar a reagir contra às regras que existem para à concessão de vistos aos cidadãos daquele Estado que os permita entrar no território angolano. Lembremos que o Embaixador brasileiro acreditado em Angola fez questão de frisar que “nos últimos cinco meses deste ano já foram concedidos mais de 13 mil vistos a cidadãos angolanos, principalmente para turismo, negocio e estudo”; afirmou também que “em 2008 houve momentos em que foram concedidos cerca de mil vistos de curta duração a angolanos por semana”, e que o Brasil, de forma unilateral, decidiu conceder vistos de curta duração com múltiplas entradas com a validade de um ano aos cidadãos angolanos.
Todos esses argumentos podem espelhar alguma frustração no que se refere à um tratamento igual. Mas é evidente que as condições e os interesses dos cidadãos brasileiros que pretendem entrar no território angolano não são as mesmas que a dos angolanos que viajam para o Brasil. Portanto, pode existir a intenção de criar alguma tensão para que o Estado angolano tome uma outra medida com relação ao cidadãos brasileiros, alias, o Brasil fez o mesmo com Portugal e conseguiu os seus intentos.
O Estado angolano deve analisar a situação atendendo os mais altos interesses nacionais e protegendo os seus cidadãos contra humilhações ou qualquer outro tipo de tratamento que fragilize a imagem do país e atropele as leis internacionais que estabelecem as relações diplomáticas e consulares, nomeadamente as convenções de Viena de 1961 e a de 1963. Mas também deve atender aos fundamentos da política externa, nomeadamente, à efectividade da acção a ser tomada e aos interesses económicos de médio/curto prazo.
Os cidadãos visados devem exigir uma indemnização pelos danos materiais/morais causados e procurar todos o meios legais para que seja respeitada a lei brasileira de acesso aquele território. Caberá também às organizações da sociedade civil em Angola dar o apoio necessário para que tal se concretize, auxiliando o governo angolano na defesa dos direitos dos cidadãos nacionais. Estariam mostrar que são, de facto, organizações da sociedade civil e defensores dos direitos humanos e/ou civis.
As autoridades brasileiras estão a transgredir a sua própria lei. O repatriamento dos cidadãos angolanos nessas condições constitui uma falta de coerência com base no reconhecimento e na reciprocidade de tratamento já que os cidadãos angolanos estavam legalmente documentados. Não tendo justificação legal, oficial e plausível, o Brasil está a desenvolver acções que podem ser classificadas como Patologia Diplomática, reprováveis à luz do Direito Internacional. Urge voltar à diplomacia legal, ao diálogo, a informação e a negociação para se ultrapassar esta situação pouco amigável e deselegante que não coincide com a imagem do Brasil perante os angolanos nem com os laços históricos e sociais existentes entre os dois Estados.
* - Professor Universitário
- Especialista em Assunto Internacionais