quinta-feira, 21 de julho de 2011

NOVAS GUERRAS

Por Belarmino Van-Dúnem

Desde 1945 que a comunidade internacional saída da primeira Guerra Mundial, criou todos os mecanismos para que o conceito de soberania tivesse respaldo junto dos Estados, ou seja, o espaço nacional seria respeitado e caberia as autoridades com legitimidade reconhecida manter a ordem e fazer cumprir.
O objectivo nº 1 da Carta da ONU era “manter a paz e a segurança internacionais e para esse fim: tomar medidas colectivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à e reprimir os actos de agressão, ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos, e em conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajustamento ou solução das controvérsias ou situações internacionais que possam levar a uma perturbação da paz”; vemos que na base desta organização multilateral estão princípios benevolentes que concorrem para a paz internacional. Mas na verdade esse organismo se tornou num meio para as potências mundiais agirem e intervirem um pouco por todo o mundo. Longe de se pensar na paz ou na ameaça da paz internacional, na verdade, a ONU está a concorrer para a existência de Estados fracos, sem capacidade de manter a lei e ordem interna, como se diz na gíria, “hoje por hoje” nenhum decisor político dos Estados em desenvolvimento tem certeza do que pode ou não ordenar no seu território.
Até a queda do muro de Berlim, a principal controvérsia estava na divisão entre os pro-liberais e aqueles que defendiam um economia planificada. Entre os que encaminhavam os seus regimes políticos com base nas democracias neoliberais e os Estados que primavam por regimes mono partidários, esses eram considerados pelo Ocidente como os maus, alvos a abater e levados à abrir as portas aos ventos da democracia. A verdade é que a década de 90 trouxe a democracia, os Estados uniformizaram as políticas nacionais, todos implantaram o multipartidarismo. Os resistentes tiveram que aderir ao liberalismo económico. A comunidade internacional experimentou novas formas de intervencionismo, no Libéria, Serra Leoa, Guiné-Bissau, Somália, Iraque e a Bósnia são alguns exemplos, mas foi sol de pouco dura. A maior parte dos conflitos eram internos e a ONU se sentiu impotente, onde esteve presente não conseguiu evitar ou apaziguar as tensões, algumas se tornaram mais violentas e expandiram-se para os meios urbanos como foi no caso de Angola, que depois da abertura democrática, em 1992, o povo conheceu os piores anos da sua história pós independência. As guerras, envolvendo actores internos, em que um dos contundentes reclamava democracia persistiram até o início da década de 2000.
Por incrível que pareça, nenhum artigo da Carta das Nações Unidas faz referência a democracia ou a qualquer outro tipo de regime político legítimo. Alias, a maior parte dos Estados do sistema internacional, em 1945, não tinham regimes políticos democratizados. Incrível, mas o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos também omite o termo democracia, as organizações regionais, por sua vez, é que tem vários instrumentos (protocolos, tratados, memorandos, cartas e outros) onde os Estados parte se comprometem com a democratização do regime politico através do multipartidarismo, querendo expressar com essa disposição a prorrogativa dos seus cidadãos disporem de direitos políticos. Para o bem e para o mal, as novas guerras provocadas e feitas pela comunidade internacional têm como bandeira os direitos humanos, que se convencionou serem aplicáveis ou tangíveis só em regimes democráticos multipartidários.
Se na década de 90, os conflitos violentos estavam centrados na África Subsariana, a 2ª década deste século começou com a viragem do foco de tensão nos países da África do Norte que eram apontados como estáveis, os únicos com viabilidade para atingirem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Ao contrario dos países da África Subsariana que têm nos seus territórios grupo rebeldes que o tempo transformou em beligerantes, nos países da África do Norte as convulsões estão a implodir sem rosto, não há direcção, o amanhã e uma incógnita, os partidos e personalidades nacionais elegíveis e/ou com objectivos de governar têm sido apanhadas na onda das manifestações populares e pouco ou nada conseguem fazer para apanhar boleia e chegar ao poder, com isso o poder político está a cair nas mãos dos militares de mão beijada, embora esses prometam devolve-lo aos civis assim que for oportuno.
Na Tunísia tudo começou no mês de Janeiro quando a população decidiu sair as ruas para se manifestar contra a opressão e defender a liberdade, fazendo uso das novas tecnologias a mensagem foi passando, levando ao derrube do poder instalado. O derrube do Presidente Ben Ali foi festejado não só pelo povo tunisino, mas pela maioria dos países ocidentais que se apressaram em reconhecer a necessidade de mudança no sistema político daquele país, começando por ameaçar o regime, caso não respeitasse a vontade do povo seria responsabilizado. Face a tal situação e não podendo fazer uso dos meios coercivos do Estado como reza a teoria, só o Estado tem a legitimidade de fazer o uso da força para manter a lei e a ordem, o Presidente foi obrigado a partir para o exílio. O fim da história foi interpretado pelos restantes cidadãos dos Estados da região como uma oportunidade para também fazerem a sua revolução.
Quando ninguém esperava, o Egipto um país considerado aliado vital do Ocidente não só na manutenção do status quo entre os países árabes e Israel, tal como no travão aos grupos radicais islâmicos. A população foi se ocidentalizando, o que valeu ao país o título de sociedade mais moderada da irmandade islâmica. No Cairo é era possível ver jovens universitários trajados a moda ocidental e só colocava a burca quem queria. Os líderes religiosos também não tinham assim tanto poder de influência na superstrutura do poder. Alias, a Secretaria de Estado dos EUA, Hillary Cliton começou por elogiar o regime de Hosni Muborak, afirmando que se tratava de um regime estável. O Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido também afirmava que não estava dentro da estratégia de Londres cortar relações com o regime de Mubarak. Mas não foi preciso muito tempo para mudar o discurso, actualmente já se fala numa transição pacífica, ampla e participativa. Os militares, até ao momento, reafirmam a sua decisão de entregar o poder aos civis até o mês de Setembro deste ano, mas a verdade é que o futuro está longe da certeza e ninguém sabe quem será o próximo Presidente, ou quais serão os novos ventos do poder no Egipto.
Não há provas, nem experiencia bem sucedida de se substituir um regime por outro via influência directa externa e que tenha conseguido a estabilidade. Mas na verdade essa onda de se tentar democratizar a África do Norte poderá ser mais perigosa do que o que aconteceu na África Subsariana na década de 90, em que se agudizaram os conflitos internos e emergiram novos conflitos armados com os primeiros genocídios no Ruanda e no Burundi, mas foi também o inicio da tentativa de intervenção militar no continente com as Forças norte-americanas no terreno, embora tenha se revelado uma intervenção desastrosa, como todos as intervenções militares do EUA, sempre foram goradas. Assim foi, que o Presidente Bill Clinton jurou que os Estados Unidos da América nunca mais fariam uma intervenção em África. Mas o tempo passou, os discurso mudou e mais uma vez há militares americanos num país africano e, por sinal, na região mais complexa do continente, África do Norte, e com o líder mais sui generis, o Coronel, Muammar Kadafi.
Há uma espécie de Déjá Vu daquele tempo em que os ocidentais deixavam cair todos os líderes que não alinhavam com as suas políticas ou princípios. Antes todos sabiam que a guerra quente em África era alimentada pela guerra fria dos países desenvolvidos. Mas os países da África do Norte foram poupados e depois da queda do muro de Berlim não foram obrigados a democratizar os regimes políticos, nem a liberalizar completamente a economia nacional e a privatização foi liderada pelas autoridades nacionais sem grandes interferências.
A operação “Harmattan” que começou no dia 19 de Março de 2011 na Líbia abre um conjunto de interrogações que só o tempo poderá esclarecer. A primeira questão é qual fé o papel do exército nacional na defesa da soberania do Estado. Outra dúvida é relativa ao princípio de não ingerência nos assuntos internos, embora seja um princípio que caducou há muito tempo, ainda faz parte do ordenamento jurídico internacional. E o direito humanitário internacional que acabou por se transformou num principio base das relações internacionais. Todos sujeitos básicos do direito internacional estão obrigados a agir nos limites da salvaguardas desses princípios sob pena de serem considerados não dignos da sociedade internacional e para repor a ordem, a sociedade internacional poderá mesmo violar o direito humano fundamental que é o direito a vida. Porque nos parece que o respeito pelos direitos humanos estão a ser aplicados de forma desproporcional, ou seja, quem for pró Kadafi não tem direito a ver os seus direitos respeitados e só há população civil no lado dos insurgentes.
Na Reunião Internacional que decorreu no dia 29 de Março de 2011 em Londres, ficou claro que existe uma agenda económica dos países da OTAN, mas não há um plano de sociedade pós Kadafi. A nível da Economia o Qatar vai gerir o petróleo líbio e, relativamente ao regime, ficou assente que caberá ao povo líbio decidir o seu futuro, entenda-se que se pretende anunciar as eleições, alias, a Secretaria de Estado norte-americana afirmou que não têm informações de qualquer grupo, apenas a Autoridade Nacional para a Transição se compromete com a democracia. Mas há equívocos e falácias: primeiro só haverá eleições e gestão do petróleo libio por estrangeiros se/ou Kadafi cair; segundo, a realização de eleições poderá levar ao poder um grupo radical, e muitos já se perfilam. A ver vamos até a onde chegará o Ocidente e quem irá arcar com as consequências futuras da desestabilização da Líbia.

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