terça-feira, 30 de agosto de 2011

CABO-VERDE


VITÓRIA DE JORGE CARLOS FONSECA ABRE NOVO CENÁRIO POLÍTICO

Por: Belarmino Van-Dúnem

Na República de Cabo-Verde, em 1990 começaram as reformas constitucionais para a implementação do multipartidarismo. Desde a independência, proclamada a 5 de Julho de 1975, o país foi governado pelo Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) que foi transformado em Partido Africano para Independência de Cabo Verde (PAICV) desde 1980 na sequência do golpe de Estado que levou Nino Vieira à presidência da Republica da Guiné-Bissau na altura. Os dirigentes do PAICV governaram o país durante 15 anos sem qualquer oposição explícita. No país se conhecia apenas um partido de oposição, mas que só tinha alguma expressão junto da diáspora cabo-verdiana.
A UCID (União Cabo-verdiana Independente e Democrática) existe desde 1977, as restantes forças políticas surgiram durante a década de 90. O MPD (Movimento Para a Democracia) surgiu em 1990 e se posiciona como maior partido da oposição actualmente. Na sequência de uma cisão no seio do MPD, em 1994, surgiu o PCD (Partido da Convergência Democrática) liderado por Eurico Monteiro, uma das figuras mais proeminentes do MPD até então. Em 2000 o MPD sofreu mais uma ruptura, dando origem ao PRD (Partido da Renovação Democrática) e, ainda nos finais da década de 90, surgiu o PTS (Partido do Trabalho e da Solidariedade) apadrinhado por Ónesimo Silveira, que foi pivot indiscutível da política cabo-verdiana. Para além desses partidos existem outros de menor expressão como o PSD (Partido Social Democrático) e o PDC (Partido Democrata Cristão). Nas legislativas passadas apenas três partidos sobreviveram.
Nas últimas eleições autárquicas, o MPD obteve um maior número de câmaras municipais, mas o PAICV conseguiu manter os municípios com maior índice eleitoral, o que significa que em termos absolutos conseguiu mais votos que o seu adversário directo. A tendência manteve-se no dia de 22 de Janeiro de 2011 em que cerca de 324.985 eleitores cabo-verdianos, dos 20 círculos eleitorais nacionais mais 3 da diáspora, foram chamados a eleger os 72 deputados para a Assembleia Nacional. O PAICV conseguiu repetir a proeza de uma maioria absoluta, tendo eleito 38 dos 72 deputados a Assembleia Nacional. O Movimento para a Democracia (MPD) elegeu 32 e a UCID 2 deputados.
Há um afunilamento da democracia cabo-verdiana com tendência para a bipolarização. A coesão do PAICV tem sido a chave para o sucesso daquele partido que conseguiu retomar o poder depois de 10 anos na oposição, em que os seus líderes passaram por dificuldades enormes, inclusive financeiras e sociais. Mas essa coesão parece ter mudado nas últimas eleições presidenciais. O partido não conseguiu encontrar um candidato consensual. O Primeiro-ministro, José Maria Neves, propôs o nome de Manuel Inocêncio de Sousa, Ministro de Estado e das Infra-estruturas, Transportes e Telecomunicações (MITT), como candidato do partido para presidenciais. Mas uma corrente, dentro do partido, achou que não era o candidato certo, deste modo apareceram outros nomes sonantes do PAICV, com especial destaque para Aristides Lima, que foi Presidente da Assembleia Nacional durante longos anos.
A divisão dentro do PAICV não é propriamente nova, deste a reentrada de Pedro Pires em 1996, no activo da política que houve claramente duas alas: uma liderada por José Maria Neves, a denominada ala da juventude e outra liderada por Pedro Pires, então vista como a ala dos veteranos. Pedro Pires ganhou a presidência do Partido em congresso contra José Maria Neves e, no ano 2000 venceu, pela primeira vez, as presidenciais, em 2006 renovou o mandato que terminou agora em 2011.
Durante os 10 anos houve uma coabitação pacífica entre Pedro Pires e José Maria Neves, mas para quem conhece a política, no seu verdadeiro sentido da palavra, sabia que o fim do mandato de Pedro Pires traria novidades no seio do PAICV. Todos os prognósticos apontavam para uma candidatura de José Maria Neves a Presidente da República. Mas os resultados das autárquicas obrigaram José Maria Neves a concorrer para Primeiro-ministro, tendo como adversário principal, Carlos Veiga que havia retomado a presidência do MPD, depois de quase 20 anos a tentar a presidência sem sucesso, averbando derrotas a favor de Pedro Peres. Alias, José Maria Neves deixou a Câmara de Santa Catarina, sua terra natal, para se candidatar a Primeiro-Ministro em 2001.
Nas eleições presidenciais deste ano, cuja segunda volta ocorreu no dia 21 de Agosto de 2011, Neves teve que cumprir com a promessa de não deixar o governo para se candidatar a Presidente da República, temendo o voto castigo dos eleitores por se sentirem desfraldados, já que durante a campanha para as legislativas prometeu terminar o mandato como Primeiro-ministro. Por outro lado, a impossibilidade de renovação de mandato por parte do Presidente cessante e, com José Maria Neves fora da corrida apareceram três candidatos da orbita do PAICV: Aristides Lima, David Hoffer Almada (o eterno candidato) e Manuel Inocêncio de Sousa, apadrinhado por José Maria Neves, foram os que mantiveram as candidaturas, mas circularam vários nomes nos bastidores do PAICV, Ondina Ferreira, Silvino da Luz e Helena Semedo só para citar alguns.
Depois de uma campanha renhida, o candidato oficial do PAICV conseguiu passar para a segunda volta, mas ao contrario das legislativas, o candidato da Estrela Negra ficou em segundo lugar, tendo sido ultrapassado pelo candidato apoiado pelo Partido Ventoinha (nome dado ao MPD por ter como símbolo da sua bandeira uma ventoinha), Jorge Carlos Fonseca que é o novo Presidente da República de Cabo Verde.
Os resultados da primeira volta colocaram Jorge Carlos Fonseca a frente com 37, 3 por cento dos votos, Manuel Inocêncio Sousa obteve 32 por cento dos votos tendo ficado em segundo lugar. O Candidato Aristides Lima, conquistou o terceiro lugar com 27.4 por cento dos votos escrutinados. A taxa de participação rondou os 53.2 por cento.
Os votos de Aristides Lima não decidiram a segunda volta. Manuel Inocêncio de Sousa afirmou que iria solicitar o apoio, tanto de Aristides Lima, como ao Joaquim Jaime Monteiro que obteve o quarto lugar com 2 por cento dos votos na primeira volta. Por sua vez, Jorge Carlos Fonseca teve que contar com os votos nulos e da abstenção, embora em política tudo seja possível e não seria o fim do mundo se Aristides Lima pedisse aos seus apoiantes que votassem no candidato do MPD.
A vitória de Jorge Carlos Fonseca com 54 por cento contra 45 por cento do seu adversaria candidato do PAICV. Essa situação abriu um novo cenário na política cabo-verdiana. È a primeira vez que o Presidente da República não pertence ao mesmo partido que forma o governo. Neste caso é imperioso saber que tipo de coabitação haverá e se a estabilidade política que tem constituído a bandeira internacional de Cabo Verde continuará. As experiencias nos PALOP não têm sido boas quando o Presidente da República provem de um partido que está na oposição, a tendência é dissolver o parlamento para provocar eleições antecipadas, aconteceu em São Tomé e Príncipe e na Guiné-Bissau.
Os Cabo-verdianos tiveram que escolher entre a certeza na estabilidade de coabitação entre o governo e a presidência, votando em Manuel Inocêncio de Sousa, ou na incerteza de um novo cenário com maior controlo do Presidente sob Governo, dando o voto à Jorge Carlos Fonseca. Mas preferiram o segundo cenário, fugindo a probabilidade de um “yes man” na presidência, como afirmou na campanha o presidente eleito.
O que é certo é que o panorama político em Cabo-Verde está a mudar para uma bipolarização composta pelo PAICV e o MPD por um lado, por outro novidades no próximo congresso do PAICV, José Maria Neves terá que redefinir a sua posição no seio do partido, independentemente do resultado do dia 21 de Agosto, porque existem sinais claros de uma possível cisão no partido a semelhança do que aconteceu com o MPD.

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