terça-feira, 6 de abril de 2010

Estatuto do Cidadão Lusófono e as suas implicações

 Estatuto do Cidadão Lusófono e as suas implicações

30 de Março de 2010

O projecto de Estatuto do Cidadão Lusófono, assim conhecido pelo grande público, denomina-se, na verdade, Cidadania e Circulação no Espaço da CPLP. Este projecto foi discutido, pela primeira vez, na II Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Julho de 1998. Nessa altura, foi adoptada uma resolução sobre cidadania e circulação de pessoas, tal como a criação de um grupo de trabalho para que se pudesse avançar para o Estatuto do cidadão Lusófono. Passaram quatro anos, até que na Cimeira de Brasília, em 2002, os Chefes de Estado e de Governo assinaram acordos sobre circulação no espaço da CPLP: 1 - Acordo sobre a Concessão de Vistos de Múltiplas Entradas para Determinadas Categorias de Pessoas, nacionais da CPLP; 2 - Acordo sobre Estabelecimento de Requisitos Comuns Máximos para a Instrução de Processos de Visto de Curta Duração; 3 - Acordo sobre Concessão de Visto Temporário para Tratamento Médico a Cidadãos da CPLP; 4 - Acordo sobre Isenção de Taxas e Emolumentos devidos à Emissão e Renovação de Autorizações de Residência para os Cidadãos da CPLP; 5 - Acordo sobre Estabelecimento de Balcões Específicos nos Postos de Entrada e Saída para o Atendimento de Cidadãos da CPLP; 6 - Acordo sobre a Concessão de Visto para Estudantes Nacionais dos Estados Membros da CPLP e; 7 - Acordo de Cooperação Consular entre os Estados-Membros CPLP. Nem todos Estados ratificaram os acordos aqui mencionados. Os cinco acordos de circulação mais os dois complementares, nomeadamente os acordos 4 e 7, neste artigo, constituem passos importantes rumo à adopção do Estatuto do cidadão lusófono. Mas o Estatuto propriamente dito não foi adoptado na Cimeira de Brasília, porque Angola e Moçambique manifestaram reticências. Passados quatro anos, a questão do Estatuto veio, mais uma vez, à ordem do dia na Cimeira da Guiné-Bissau em 2006. A maior parte dos Estados da comunidade dos Países de Língua Portuguesa terá muita dificuldade em aplicar o Estatuto com a abrangência com que o mesmo se apresenta por várias razões: a) O artigo 1º que apresenta o cidadão lusófono como o “Nacional de qualquer Estado Membros (artigo 1º, ponto 1)” e ressalva, no ponto 3, que não se aplicam ao cidadão lusófono os direitos que as Constituições de cada Estado-Membro reservam exclusivamente aos seus nacionais e os direitos inerentes a processos de integração regional. Neste caso, procura-se salvaguardar as questões ligadas à integração que cada Estado-Membro está a desenvolver, mas parece-me que o Governo português foi aquele que mais se bateu por esta cláusula, atendendo aos avanços existentes a nível do processo de integração na União Europeia, que se encontra na última fase e consiste na união política, há uma incompatibilidade entre o cidadão com direitos meramente portugueses e os cidadãos portugueses com direitos europeus. Ou seja, haveria cidadãos cujos direitos ficariam limitados ao território português e o que fazer aos cidadãos lusófonos que sejam hipoteticamente eleitos.Mas este artigo traz consigo outra limitação que deixa o estatuto a quem de uma verdadeira cidadania num determinado espaço, ao determinar que exceptuam-se os direitos exclusivamente reservados aos cidadãos nacionais dos Estados-Membros pelas respectivas Constituições. Seria mais proactivo deixar em aberto que os Estados-Membros fizessem emendas nas suas constituições caso ratificassem o estatuto. b O artigo 2º restringe ainda mais a abrangência do cidadão lusófono ao dispor que o estatuto do cidadão da CPLP será aplicado: 1 - “Aos cidadãos da CPLP portadores de um título de residência emitido por um dos outros Estados-Membros, será reconhecido Estatuto de Cidadão da CPLP pelas autoridades competentes desse Estado”. Quer dizer que só usufrui do estatuto de cidadão lusófono quem tiver o título de residência num dos Estados-Membros da comunidade, neste caso a maior parte dos cidadãos da comunidade está excluída do estatuto, isso por um lado, mas, por outro, os Estados com uma grande comunidade na diáspora verão os direitos dos seus cidadãos nacionais bem protegidos, portanto estarão em maior vantagem como veremos no parágrafo seguinte no que concerne aos direitos atribuídos. c O artigo 3º confere os seguintes direitos políticos ao portador do estatuto do cidadão lusófono: “O cidadão da CPLP, tal como definido no artigo 2.º da presente Convenção, gozará de capacidade eleitoral activa e passiva e demais direitos políticos, nos termos de acordo bilateral ou multilateral subscrito pelos respectivos Estados-Membros, se for o caso, bem como o direito de exercer a actividade política conexa com a sua capacidade eleitoral, em partido político nacional, do Estado em que resida”. Aqui entramos nas limitações que o artigo 1º apresenta: na maior parte dos casos, a capacidade de voto é reservada aos cidadãos nacionais pela Constituição, salvo algumas excepções para as eleições autárquicas nos Estados onde elas existem, mas o artigo 3º não faz menção a este facto, deixando em aberto o que pressupõe que os acordos podem ser mais abrangentes. O maior problema no exercício da capacidade de voto prende-se com o facto dos Estados com mais população emigrante, com a população mais escolarizada e com maior densidade demográfica terem sempre vantagens acrescidas com a aplicação deste artigo. Por outro lado, se fizermos uma análise comparativa da possibilidade de um cidadão lusófono exercer actividade política, eleger e ser eleito, tal como deixa em aberto o artigo, chegaremos à conclusão de que um cidadão proveniente dos Estados menos desenvolvido ser eleito, por exemplo, no Brasil ou em Portugal será uma efeméride, o mesmo acontecerá com a questão do exercício de funções no sector público em paridade com os cidadãos nacionais. Não sei se o contrário será verdadeiro.Esta mesma análise pode ser feita ao direito à propriedade privada (artigo 6º) tal como a protecção do Investimento (artigo 7º), onde os cidadãos lusófonos usufruem dos mesmos direitos e obrigações que os cidadãos nacionais do Estados onde estiverem na qualidade de cidadão residente. Os Estados com uma classe média afirmada e eficiente irão afogar as economias dos pequenos e médios comerciantes nacionais. Mais uma vez me parece que Portugal e o Brasil estarão em vantagem, embora Angola apareça, neste caso, em terceiro lugar, mas será? Na última Assembleia parlamentar da CPLP, os Estados não conseguiram o consenso.Tendo em conta os oito Estados da CPLP, situados em quatro continentes e com níveis de desenvolvimento profundamente diferentes parece-me que a comunidade deveria deixar a questão da cidadania fora dos seus objectivos e tratar simplesmente da circulação de pessoas e bens na base de acordos bilaterais, porque a nível multilateral me parece pura utopia. Sem esquecer o desenvolvimento da língua portuguesa que está num autêntico marasmo, ultrapassada pelo inglês e pelo francês.

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