terça-feira, 17 de março de 2009

AFRICA NÃO GANHA MARATONA DO DESENVOLVIMENTO

ÁFRICA NÃO GANHA MARATONA DO DESENVOLVIMENTO

Belarmino Van-Dúnem, Mestre em Estudos Africanos
ISCTE, Lisboa 2004

Todo africano sai à rua com o ego fortalecido quando em qualquer maratona no clique da frente sobressai sempre um ou mais atletas do continente. Mas o mesmo não se pode afirmar quando se refere a outros desafios que o continente se propôs vencer nas décadas de 50, 60 e 70 – trata-se da grande maratona para o desenvolvimento.

Independentemente das ideologias que separavam e uniam os diferentes movimentos, grupos ou partidos políticos que se bateram para autodeterminação de cada Estado de África todos convergiam num só objectivo: proporcionar melhores condições de vida ao seu próprio povo. Os líderes nacionalistas batiam vigorosamente a mão no peito para jurarando tudo fazer em prol dos futuros cidadãos, alguns perderam grande parte da sua juventude na clandestinidade ou privados da sua liberdade, outros deram a própria vida, tudo em nome da liberdade e da igualdade entre todos os cidadãos. A determinação era tal que os irmãos africanos, outrora deportados para as Américas, fitaram todas suas esperanças na terra dos seus ancestrais, o rastafari a partir da Jamaica e, dentro do continente, a Etiópia com Hailé Selassié, imperador, “Reis dos Reis, Senhor dos Senhores, Conquistador do Leão da tribo de Judá”, reconhecido pelo Ocidente desde 1930, davam vazão ao pan-africanismo e simbolizavam a liberdade e a afirmação do continente. O entusiasmo atingiu o seu auge com assinatura da Convenção da OUA em Adis-Abeba no mês de Setembro de 1969, “Africa for Africans, Africa United” etc., não passaram de ilusões e a nostalgia continua.

Três décadas passadas o saldo é extremamente negativo. África está na cauda do “ranking” do desenvolvimento, aqueles que eram considerados por Amílcar Cabral como “flores da revolução”, hoje, com mais de trinta anos de idade, só lhes resta o desalento e a gansa para melhor filosofar e continuar a ter orgulho no continente.
As políticas pós-independência foram desadequadas e desastrosas, quase todos os países mergulharam em guerras civis prolongadas. Entre 1990 a 1997 ocorreram 60 conflitos internos no continente, Argélia, Angola, África do Sul, Chade, Etiópia, Libéria, Moçambique, Ruanda, Serra Leoa, Shara Ocidental, Sudão e Somália são alguns exemplos da extensa lista de países africanos que levam as divergências ao extremo da luta armada entre irmãos (R. R. Laramont 2002), os sectores de produção de produção não sofreram qualquer tipo de evolução, as poucas infra-estruturas que existiam foram abandonadas à sua sorte ou simplesmente destruídas. As estatísticas mostram que em 1980 a África Subsahariana tinha 3.7 % das exportações no mercado mundial, esse valor decaiu para 1.5% em 2002. As importações no mesmo período decaíram de 3.1% para 1.4% respectivamente (UNCTAD, Handbook of Statistics 2003). Uma grande parte dos quadros qualificados não regressa ao país de origem, alegando falta de condições, tanto salariais como materiais, para o desempenho das suas funções, os conflitos também são apontados como razão do regresso adiado. A fuga de quadros (brain drain) tem contribuído para pobreza e aumento da corrupção no continente (João Mosca 2004:73), as instituições burocráticas não funcionam (papel que soube não desce e os que descem não chegam aos seus destinatários) causando uma autêntica disfunção, enquanto isso o povo vai vivendo em condições sob humanas. As exportações estão limitadas às matérias-primas, os Estados dependem das ajudas externas, toda essa tanga em que o continente está mergulhado condiciona o desenvolvimento. A gangrena é tal que nem para receber as ajudas está preparada. As condições impostas para beneficiar das ajudas são uma miragem para maior parte dos países da África Subsahariana, a revisão dos acordos de Lomé assinados entre os ACP e U.E em Cotonou 2000, para além das questões económicas dá grande ênfase às questões politicas: boa governação, respeito pelos direitos humanos e igualdade de género passaram a ser a luz verde para usufruir das ajudas, para piorar as coisas, a democratização dos regimes políticos. Essa condição, com o fim do bloco do Leste, é obrigatória sob pena do regime levar um “K.O” sem direito à contagem dos preciosos dez segundos de recuperação. Todos esses condicionalismos constituem o “calcanhar de Aquiles” da maior parte dos Estados africanos.

Democratização? Alguns, mais inteligentes, lá conseguem se adaptar, agora erguem a voz e se proclamam democratas para o desespero daqueles que não têm memória curta, outros, nem por isso, preferem sacrificar o seu próprio povo. Se nos anos da clandestinidade davam a vida pela autodeterminação, hoje dão a mesma vida para se perpetuarem no poder ou conquistá-lo, o mote é único: Antes a morte do que o veredicto dos votos do povo nas urnas. Onde se vota, a mudança é sempre para o mesmo, o povo vai às urnas de cinco em cinco anos, mas continua a percorrer os mesmos quilómetros para obter água potável, a falta de investimento no meio rural e os conflitos aglomeram a maior parte da população nos meios urbanos sem infra-estruturas suficientes. Várias epidemias assolam o continente, sendo o HIV/SIDA a que mais tem sido destacada, mas os dados do World Bank (2000), demonstram que em 1990 a tuberculose matou seis vezes mais do que o SIDA nos países em desenvolvimento. Cerca de 51,4 por cento das mortes causadas por doenças infecciosas eram provocadas pela tuberculose, 10 por cento por doenças respiratórias, 8,6 por cento pelo HIV e 6,4 por cento pela malária. Segundo as estimativas da mesma fonte, em 2020 a tuberculose continuará a ser a doença infecciosa que mais morte provocará (54,7%), seguindo-se o HIV com cerca de 37,1 por cento. Por todas essas razões endógenas, sem descurar das exógenas, não estamos em condições de receber as indispensáveis ajudas que dariam novo fôlego às economias decadentes de África.

Perante o cenário desolador que acima descrevemos a questão lógica é: o que devemos fazer para tirar o continente do marasmo em que se encontra sucumbido? Será que essa fórmula mágica sairá dos fóruns e iniciativas internacionais de desenvolvimento para África como o Ajustamento Estrutural ou são os próprios africanos reunidos em organismos como o NEPAD que devem procurar mecanismos e estratégias para o seu desenvolvimento? Contudo, África está na cauda da maratona para o desenvolvimento. Não consegue ultrapassar se quer os primeiros obstáculos. Leva voltas de avanço vergonhosamente e vê os adversários da América Latina e da Ásia passar. Corre de forma deselegante, a passos de camaleão. Apenas os jovens honram o continente, aqui e acolá vão fazendo a bandeira dos Estados africanos subir os mastros internacionais.

Talvez tenha chegado o momento desses mesmos jovens tomarem na mão o destino do continente, acelerar o passo rumo ao grupo da frente e, com todo sacrifício necessário, chegar o mais rápido possível à meta do desenvolvimento para o bem de todos. Mas para que isso seja possível é necessário ultrapassar o complexo de que quem deu tiros na luta para independência deve administrar o país. O mote a seguir é um: as forças armadas devem ser os garantes da soberania nacional e da segurança de todos os cidadãos, a política e a governação do país devem ser feitas por quem tem competência para tal. Não vão dizer que andei por ai a falar política.

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